sexta-feira, 29 de outubro de 2021

Freita Skyrunning - Ajuste de contas

Havia um ajuste de contas a fazer com este percurso, algo que ainda não tinha aceite de animo leve, que das duas vezes que ali coloquei os pés, não havia corrido como pretendia.
O percurso é simples, 25 KM com 1500 D+, onde o segredo é desvendado à chegada da principal subida da distância, dependendo do desgaste que causaste até ali chegar. E aprendi isso facilmente logo na estreia, em 2018, quando me arrastei pela subida a suplicar que aquilo terminasse. Já em 2019, achei que duas provas seguidas não iriam ser um problema, e ao fim de cinco, seis quilómetros já adivinhava o desfecho, tendo sido a minha pior prestação.

 
Créditos na foto


Não que achasse que fisicamente havia melhorado, e talvez até estivesse, mas mentalmente sabia que estava empenhado, e com rigor, coisa que até então nunca foi o principal foco. Notei isso logo nos dias antes da prova, nas inúmeras vezes em estudei o percurso, onde abusar, onde descansar, onde comer, o que comer, enfim...
Admito que o facto de conhecer o percurso na sua totalidade, facilitou a vida, ainda que com algumas diferenças em relação às anteriores edições, mas na grande maioria não iria fugir aquilo que já haviam enraizado desde a primeira edição.

Passaram-se 15 dias desde Vadia, mas as lições que aprendi ainda estavam bem frescas, como aquela manhã na aldeia de Felgueira – Vale de Cambra.
O local de partida voltava às origens, no campo de futebol, onde vi partir os 42KM, enquanto aquecia e aguardava pelas nove horas para chegar à minha vez.
O habitual controle do material obrigatório, o que acho ser benéfico para ambas as partes, e aguardar pelo tiro de partida.
Eu e o Élvio eventualmente iriamos andar não muito distantes na fase inicial, depois mediante a condição e objectivos de cada um, poderíamos separar um do outro. O Fábio fez questão de vir testemunhar isso, e contribuir também para o melhor desfecho possível de ambos.
E isso verificou-se ao fim de uns 400 metros, já quando íamos a subir, quando ouço uma voz “João, cola-te aos da frente”, olhei para o lado e estava lá o Fábio, a fazer de treinador. O Élvio ia a poucos metros dos primeiros, eu mais contido estava um pouco mais para trás, e lá apressei um pouco mais a passada, tanto para desprender da maioria, como para dar mais “calor” à minha prova.

 
Ainda fresco. Créditos na foto

Mal iniciei a descida, deparei-me completamente sozinho, via por vezes alguém à minha frente, mas para trás deixei de ver ou ouvir, tanto que acabei por me desligar da possibilidade de ser ultrapassado.
Foi sensivelmente aos três quilómetros que apanhei o Élvio, estava a ser ultrapassado também ele pelo homem que vinha eu a seguir desde que iniciamos a descer.
Para mim não era novidade nenhuma que ali já se via muita gente a abrandar, após uma abrupta descida, e sendo bom tecnicamente, é feita a um ritmo louco, o problema é manter esse mesmo ritmo quando já não se desce mais.
Ia intercalando corrida e caminhada enquanto voltávamos para a Felgueira mesmo para o centro da antiga aldeia, primeiro por entre antigos caminhos cobertos de grande arvoredo, e depois pelos caminhos aos campos, onde o gado ainda percorre para se alimentar.

Era altura de deixar Felgueira para trás, e rumar a Cabrum, por um estradão que nos “obrigava” a correr. Hora também para dar inicio à rigorosa alimentação e hidratação mais rigorosa, fruto do meu intensivo estudo. Não que estivesse a desidratar, mas o frio já havia deixado para trás há alguns quilómetros atrás, e o calor do corpo já havia proporcionado alguma transpiração, e queria evitar o já habitual erro, beber só quando tiver sede.
Juntava-se a nós o Fábio, que fez questão de nos “rebocar” a partir dali, num estradão enganador, e que vai deixando algumas mazelas. É um autêntico carrossel, onde se está a subir ou a descer, mas sempre a correr, o próprio piso, parece que obriga a isso mesmo, e eu só me deixei levar. As pernas permitiam que conseguisse andar livremente, e a respiração sempre controlada, sem andar no limite acompanhava aquela loucura.
O Élvio teve algumas dificuldades em acompanhar numa inicialmente, mas com algum esforço e apoio do Fábio acabou por se encostar e voltamos a agrupar, pelo menos até ao abastecimento. Não era a melhor altura para ignorar o rigor, independentemente de tudo estar a correr na perfeição, e ao contrário do Élvio que seguiu, parei. Parava para encher as garrafas de água, que apesar de ainda não necessitarem de ser totalmente repostas, sabia que dali ao próximo abastecimento ia necessitar de uma boa quantidade de líquidos, para além do sol estar a dar algum ar da sua graça.

 
A chegar a Cabrum.

Voltava a correr enquanto trincava um pedaço de banana, rapidamente voltei a ritmos rápidos o suficiente para encontrar com o Fábio e Élvio. Mais uma vez, e após os apanhar, volto a apressar o passo e só abrando um pouco pelo trilho da levada não estar a 100% para ser feito a correr sem que tenha que benzer para não cair.
Dentro de água, fora de água, salto para um lado para o outro, enquanto ia apanhando os alguns dos 42 quilómetros que por ali andavam. Chegava a Paraduça, a última aldeia antes de derreter as pernas todas. Não havia abastecimento, mas havia regras a cumprir com a alimentação, e as barras estavam a cair na perfeição, dando energia suficiente e repor o que necessitava, mantendo fiel às barras, apontava em direcção à primeira subida mais aterrorizante.

Já não passava naquela zona desde 2019, mas recordava na integra aquela subida pelo meio do pinhal, não muito longa, mas bastante ingreme.
Enquanto descia para dar de frente com aquela pequena parede, estranhava estar a descer tanto e não me lembrava de assim o fazer, mas pensei, “fruto do esquecimento”.
Ignorando qualquer desconhecimento do local, imaginava que ao fim de 2 anos apenas não me recordava daquela zona daquela forma, até finalmente me deparar com a entrada a subida.
Não, aquela não era o pinhal que habitualmente rasgava algumas pernas, era pior.
O desconhecido era normal, afinal só tinha enfiado mais fundo, para dar inicio a uma parede ingreme.
Psicologicamente fiquei um pouco preocupado, porque não tinha previsto aquilo, sabia que havia uma alteração na parte final, mas ali parecia-me tudo igual, sem saber se sairia dali com muitas mazelas fisicamente. Restou-me agarrar às pernas, e zarpar dali para fora desse como desse.

 
Créditos na foto

O Fábio colava-se atrás de mim, enquanto o Élvio começava a ficar para trás. Achei por bem, dizer para ficar com ele, afinal ele estava com dificuldades, e eu ainda tinha pernas para andar.
Já me havia mentalizado que não havia tempo para me armar em vitima, e da melhor forma possível saí daquela subida com as pernas a ferver.
Dali seguia até ao fundo do freita vertical, e até lá teria que comer, pensei em gel, mas estava algo receoso por me dar a volta à barriga, então optei pelo mais seguro, e mantive as barras.
A marretada habitual era ali em baixo, mesmo no fundo de uma aldeia já abandonada, onde por uns degraus já algo desgastados ou mesmo destruídos damos inicio à aventura de um pequeno alto ali enfiado no meio das imensas colinas. Voltamos a descer para atravessar um pequeno riacho, e assim dar inicio ao tormento.
Normalmente chego a esta fase já a pingar em bica, e só tende a piorar mal atravesso o rio, tanto pelo tipo de terreno como pelo clima abafado que se faz sentir naqueles cerca de 400 metros iniciais.

Não deve ser mais que isso, mas é o suficiente para dar sequelas para o que daí vem. A zona é envolta em arvoredo, o que até é bom para proteger de vento e calor abundante, o problema é que o ar quente dali também não sai, tornando o ar “pesado”, o terreno, esse é feito a grande maioria em progressão lenta, apoiando por vezes os pés em alguma fenda das rochas ou da terra já calcada, por vezes com as mãos no chão ou em algum tronco de árvore que seja firme o suficiente para aguentar o nosso peso. É isto durante umas centenas de metros, num trilho estreito a tricotar aquela enorme colina, até pisar um caminho bem diferente. Daí já sabemos que o pior está feito, mas que levamos esse mal todo connosco cravado no corpo.
Ao fundo conseguia ver o carro dos bombeiros que estava a meio da subida, local onde cruzávamos com a estrada e ponto de abastecimento, que naquela altura até parecia perto, mas que penei até lá chegar.

Foi curioso e reconfortante conseguir identificar que fisicamente estava bem, e que em 2019 no mesmo local estava quase decidido a desistir, enquanto bebia a água que restava de um dos flasks e me faziam o favor de encher o outro. Tinha água suficiente para retomar caminho, e entrava na “choradeira”. Não era eu a chorar ou a lamentar, mas sim aquela a alcunha daquela secção da subida, onde a pedra cravada no chão sustenta as inúmeras pedras soltas que vamos calcando. Não houve um momento que tivesse corrido, caminhava mais apressadamente, mas não queria arriscar um esforço maior, não ali, não agora, estava a correr bem demais, e não queria estragar tudo tão perto do fim.
Olhava para o alto, e via exactamente o ponto onde iria dar, sendo por vezes assustador imaginar o que ainda teria que percorrer para lá chegar, nada que não se faça, mas que ainda iria arrancar muitos suspiros ou um simples “Aiiii” dentro de mim.

O Freita Vertical é matreiro, tem cerca de 4 quilómetros de extensão, com sensivelmente 800 metros de desnível, mais coisa menos coisa. Sendo a fase inicial e final as principais dores de cabeça, neste caso dores de pernas.
Se no inicio abusas, é para arrastar o corpo até ao final, se não abusas, vais massacrando até chegar às escarpas e rebentar o resto. Eu não fui excepção, na zona mais bonita, com uma vista deslumbrante, mas tão arrasadora fiquei com as pernas a arder uma vez mais, e ainda que com um trote me arrastei até ao abastecimento senti, algum cansaço. Talvez falta de reposição de comida, ou esforço da longa subida. Parei comi e hidratei, com o pessoal de abastecimento mais simpático que apanhei até hoje. Só não me trouxeram uma cadeira para me sentar porque não havia. Impecável.

 
A terminar o vertical. Créditos na foto


Agradeci e segui caminho. O Vertical não acabava ali, ainda havia mais, pelo menos até ao radar meteorológico, não sendo já muito extensivo, mas ainda duro. Foi o momento que dei por mim a falar sozinho, estava a ferver das pernas, e com a gana toda que estava a correr na perfeição, tal como eu queria, mas para não deitar tudo a perder agora, tão perto do final. E assim que atingi a torre, retomo a correr para descer até à Carvalheira, mas onde começou a surgir os problemas.
As malditas caibras que me atacaram 15 dias antes, estavam a dar sinais de vida, não que fosse um problema naquele momento, mas dentro de pouco tempo poderia ser.
Aproveito a descida para soltar as pernas, e ver se consigo libertar um pouco aquela pressão do esforço, mas sem grande sucesso. Contorno a aldeia e vou em direcção há única alteração que eu tinha conhecimento, e ao mesmo tempo acompanho um atleta dos 42 quilómetros que havia desistido por se ter enganado no percurso, e me dizia que devia estar em 10º lugar. Sinceramente não fazia ideia da posição, acabei por lhe responder, mas se assim o fosse já era mais que bom. Seguindo a minha vida, lá me encaminhei para a última subida.

O radar lá no alto. Créditos na foto

Para além de terem dificultado a subida do Pinhal, agora voltamos a subir em direcção ao radar, e só depois descemos.
As pernas já estavam rebentadas, as caibras começaram a falar mais alto novamente, e de uma forma qualquer lá fui subindo, comendo e bebendo a implorar que não rebentassem ali, estava tão perto do final, que podiam aguentar mais uma pequena dose. Não sei como, mas cederam aos meus pedidos, e aguentaram até ao final sem reclamações para comigo, ou de mim para com elas.
Desci, e ainda consegui acelerar um pouco quando o piso o permitia, e já na Felgueira cruzo com outro que já vinha a caminhar algum tempo, me dizendo que ia ficar pela oitava ou nona posição, deixando claro que já não fazia questão de se esforçar mais. Não muitos metros depois, vejo mais um a caminhar desgastado. Foi a minha hipótese para chegar mais um pouco à frente, e conseguir voltar à Felgueira e finalizar na 7ª posição da geral, 1º de escalão e contribuir para primeiro lugar de equipas.

 
Créditos na foto. Fritz para não variar :)

Um resultado que vale o que vale, tendo em conta a pouca afluência de atletas, mas sei reconhecer que houve esforço e controle suficiente para me vingar das duas tentativas que me deixaram de rastos anos anteriores.
O percurso teve duas pequenas alterações que a meu ver foram bem-vindas, dificultando um pouco mais a prova, que se resumia a uma boa gestão, e uma subida, nesta distância.

 

quarta-feira, 22 de setembro de 2021

Vadia Skyrace - O tão aguardado regresso

Já não me lembrava como era antes, foram vários meses, na verdade mais de 18 meses depois que volto a colocar um dorsal à cintura. Este tempo todo foram ocupados com treinos, e alguns, poucos, desafios e outras aventuras como a ida ao São Macário, e umas 12 Horas às voltas, que tiveram mais impacto a nível pessoal durante este período de bloqueio ao que nos era dado por garantido.
Talvez por este tão grande espaço temporal, ausente daquilo que já me era tão familiar, foram o que me levaram a recordar aquele nervoso miudinho que já não sentia, desde não sei quando, e aquela ansiedade de querer deixar tudo num percurso que já me era conhecido, tanto por já ter feito os vários trilhos que o componham, ou só pelo motivo de ser à porta de casa. 
Vadia Skyrace, 24 quilómetros, com 1600 metros de desnível positivo, era aquilo a que me propus para regressar às provas.

Vale de Cambra à vista, com Freita em plano de fundo. Créditos na foto

Fui sensato em perceber que devia arranjar as coisas de véspera, para não chegar a Ossela, a lamentar que faltava isto ou aquilo, infortuno do esquecimento do que deveria transportar comigo.
Numa falha que fosse daquele que era o material obrigatório, eram mais 30 minutos somados ao tempo final, o que a julgar pelo tempo que realizei, até parece que realmente me esqueci.
Foram preciso 3 horas e 45 minutos para terminar aquilo que a meu ver, me parecia, no pior cenário feito em menos 15 minutos, e mesmo assim era um abuso. Contudo, o meu cérebro hoje já encontrou o problema para este atraso, falta de treino mais adequado à exigência da prova.

Mas recuando um pouco, voltemos a Ossela, onde finalmente, voltei a respirar trail, ainda que filtrado por uma máscara por cada individuo que marcava posição atrás da linha de partida, mas respirava. Máscara essa que foi retirada uns 200 metros depois de arrancar, e que arranque… Sensivelmente durante um quilómetro, ainda que feito a descer, senti-me numa prova de estrada, tal era a velocidade praticada por aqueles velocípedes. Acabei por ir no arrasto, e com a ideia fixa de não me ficar muito para trás, pelo simples facto de saber que iriamos entrar em single tracks logo que deixasse o asfalto.
Enfiei-me no meio das feras, agora só tinha que aguentar o ritmo de quem ia à frente, e não empatar quem vinha atrás. Foi assim durante uns quatro quilómetros num trilho improvisado junto ao rio Caima, num sobe e desce curto, constante e inclinado. As subidas eram feitas a passo, as descidas a deslizar por entre as árvores que nos aparavam de uma eventual queda mais aparatosa.

Travessia do rio Caima. Créditos na foto

Virava costas ao rio, e à flora mais fofa e densa, para um piso mais técnico, e arejado, onde o sobe e desce já eram ligeiramente mais longo, mantendo as mesmas características do constante e inclinado. Sair do monte de Crasto e entrar na serra de Lordelo, é o mesmo que ir a um parque de diversões, e andar num carrossel para os miúdos e entrar numa montanha russa. O sobe e desce está presente em ambos, mas a aventura, adrenalina é outra, assim como a altitude e extensão das subidas, descidas.
Repito por diversas vezes os termos "subida" e "descida", por uma razão simples, simplificar aquilo que não é possível ilustrar por palavras, mas que fazem jus aquilo que esta prova é num todo. Numa serra como esta, com altura máxima de 500 metros, e mínima de 200 e qualquer coisa, não é preciso explicar muito o que é necessário para concluir os 1600 metros. Não há tempo para descanso, para grande correria, passamos grande parte do tempo a olhar para o chão, seja a subir para não desmotivar com o olhar para o topo, seja a descer para não ir aos trambolhões até ao fundo.

A "Manhosa", segmento baptizado pela minha pessoa e mais um grupo de amigos, por tantas vezes ali passar e ser massacrado lentamente, é a porta de entrada numa das extremidades desta serra até um ponto mais alto. Após um pequeno corte pela encosta, subia então até ao ponto mais alto. Subir, aqui não é o termo mais correcto, mas sim escalar, devido aos cerca de 100 metros de extensão, com uma média de 49% de inclinação, que havia conhecido uma semana antes.
Um novo recorte no percurso, desta vez criado propositadamente pela lateral direccionava até à descida da serra feita num corta fogo. Não é que seja muito extensa, mas o terreno, é daqueles que queremos evitar de qualquer forma, a quantidade de pedra solta, pode ser o menor problema, tendo em conta a irregularidade do piso, com buracos, regueiros ou mesmo troncos de árvores ainda cravados na terra.

Cume da Serra de Lordelo. Créditos na foto

Com nove quilómetros surgiu o primeiro abastecimento, tentei parecer um piloto da fórmula 1, comendo apenas uma banana, e enchendo as garrafas de água e arrancar. Trazia comigo mantimentos suficientes, ou achava eu, que eram os necessários para todo o percurso. Entrava na trialeira de Lordelo, a subir numa fase inicial, e a descer na fase final, até ao trilho do Castor. Gosto particularmente deste trilho, não pela beleza, mas sim pela falsa sensação que nos dá. Num momento parece que consegues correr, noutro estás ofegante agarrado às pernas a progredir em passo acelerado. Com isto feito significava o final da travessia da Serra de Lordelo, e descer na extremidade oposta à que havíamos entrado. Não significa nada, porque após a travessia da estrada, encontra-se uma pequena serra idêntica, muito mais pequena, mas igualmente severa, a Senhora da Graça. Onde imaginem, iria continuar com sobe e desce seja por trilhos já existentes, ou por novos tricotados pela encosta. Seja de que forma fosse, era para doer, e foi aqui que senti a necessidade de descansar um pouco e alimentar.

De novo no rio, desta vez o Antuã, que proporcionou o maior tempo a correr desde há muito tempo, voltando também a flora mais densa, o ar mais húmido e fresco. Abrandava apenas pela travessia das levadas, que por vezes implicava ir com os tornozelos submersos. Não era nada demais, comprado com o que ali seguiria. A descida levava ao leito do rio, à cascata da Pedra Má, e à travessia de um pequeno troço do rio, sob as pedras lisas, cobertas de verdete, algumas expostas ao ar, ainda que húmidas, outras completamente submersas.
É o tipo de terreno que menos me dou, o que mais me preocupa, pelos mais que óbvios motivos de não ser de bom agrado, nem para mim, nem para o meu esqueleto, uma queda naquele tipo de piso.
Queria sair dali, mas para isso só escalando até ao alto da Pedra Má, um rochedo que sobressaia, e alcançava o topo das árvores, para então descer novamente, assim que o transpunha.

Enquanto as pernas ainda davam. Créditos na foto

Foi ali que tudo começou, já no rio, quando tentava subir umas pedras, os quadríceps queixaram-se. Agora enquanto estava em mais uma caminhada até mais um ponto, o corpo começou a reclamar. Preciso disto, preciso daquilo, mas acima de tudo queria água, o que já não abundava por sinal naquela altura. Aliás, era tão escassa que já havia auto controlo na ingestão de líquidos, para aguentar até ao abastecimento. Mas era inevitável, a "Rolling Stones", e não, não é a banda, é só mais uma subida cravejada de pequenas rochas sobrepostas entre si, onde é impensável correr, forçou em espremer o que restava de energia dentro de mim. Não sobrou muito de mim no final daquela subida, e não restou nada de água, e mesmo assim não estava saciado. Aquele avanço que levava para o resto da malta, começou a encurtar, de tal forma que começava a ouvir algum movimento. Uma descida que em situação normal seguiria em forma parecida ao de correr, agora só em corrida misturada com caminhada atento a qualquer sinal de tentativa de cãibras.

Verdadeira Rolling Stones. Créditos na foto

Era o segundo abastecimento, e se no primeiro tentei passar-me por um piloto de F1, aqui parecia um coitado a pedinchar por tudo o que me parecia plausível para ingerir e recuperar. O problema, esse, é que o mal já estava feito, e até recuperar, não seria uns míseros minutos ali parado que me iriam salvar. Era ver imensa gente a chegar e arrancar, e eu em espera continua por algum sinal de melhoria, que me desse uma pequena esperança de continuar.
Dali seguia, para a subida mais complicada, mais massacrante e devoradora até então. Ou talvez não, mas na altura, e devido ao estado que estava foi a que me ficou memorizada, pelos mais diversos motivos, e pelo principal motivo de estar cheio de cãibras. Parei, dei um passo, não deu, parei novamente, e repeti o processo umas três ou quatro vezes, até começar a descer e pensar em ficar ali no abastecimento. Enquanto isto ia sendo ultrapassado e questionado pelo meu movimento contrário ao de todos. Parei novamente, olhei para cima, e pensei, vou tentar, pelo menos até ao topo. Um pé atrás do outro, arrastei-me, e quando digo arrastei, quero dizer com todas as letras, pois era um passo em frente, e as pernas a tentar impedir que desse esse movimento. Acho que nunca me senti assim numa subida, por mais duras que tenham sido em relação a esta.

A longa descida. Créditos na foto

Enfim, consegui, e lá pensei agora que fiz o mais complicado, nem que caminhe, até ao final, acho que chego lá. E assim foi, a descer, ainda com os quadríceps a tremer, consegui correr, ou algo semelhante, já a subir, devagar, ou com algum esforço, voltei até ao ponto mais alto da Serra de Lordelo.
Dali para a frente é só descer, o que ainda fazia "bem", ou pensava eu que sim. Não foi ao ritmo que queria, nem da forma que pretendia, mas foi como deu, na longa descida que nos levava até à meta na Vadia Brewpub.
Talvez tenha sido demasiado egocêntrico, ou talvez tenha gerido mal alguma situação que tenha comprometido, e justifique este final, mas estava convencido que tinha estofo suficiente para o fazer aquilo que planeava em termos de tempo. Sem dúvida que esta serra continua a massacrar-me, seja em treino, seja em prova, o efeito é o mesmo. E com isto, quero dizer também que conhecendo a serra, e sabendo o que ela tem, é de fraco conteúdo para um apreciador de trail puro, mas esta organização soube retirar o melhor, conseguiram esmiuçar e aprimorar o que já haviam feito na edição de 2019.

Já o resultado resume-se a uma só coisa - "Não treines não".