segunda-feira, 1 de julho de 2019

Freita Vertical - Subida mágica


Uma parede, uma parede ligeiramente inclinada, com cerca de 4 quilómetros de extensão, é o caminho que temos que percorrer desde a já abandonada, aldeia das Berlengas até ao radar meteorológico no alto do Pico do Gralheiro da Serra da Freita. Eram aproximadamente 800 metros de desnível positivo, mais coisa menos coisa.
Não havia os famosos 1000 metros, para ser denominado de quilómetro vertical, mas não deixava de ser um percurso bem empinado que dava que fazer.
A modalidade de Skyrunning traz destas coisas, provas diferentes do normal, bem curtas, que despertam logo a curiosidade. O ano passado realizado ainda durante a noite, e no anterior dia do Freita Skyrunning, da minha parte, foi colocado logo de lado visto não querer levar um empeno a dobrar no mesmo fim-de-semana. Optaram por fazer a coisa diferente este ano, no mês de Maio, durante o dia, com o evento apenas associado ao Freita Vertical. O restante era em tudo semelhante à primeira edição.
 
O radar no Pico da Gralheira. Créditos: Organização
A aldeia da Felgueira era o ponto de encontro para a centena de atletas que iam participar, divididos em dois grupos com transporte de autocarro, para a aldeia de Paraduça. Esta era o local para a falsa partida que nos levava até às Berlengas onde se dava o início da subida. Cerca de 2 quilómetros feitos em estradão, uns mais rápidos outros mais lentos, mas sem grandes pressas, havia tempo de sobra para chegar mesmo ao fundo daquele vale. É um local que só pela paisagem envolvente vale a pena a visita, envolto de um verde garrido, sobressaindo uma pequena cascata e um pequeno troço de rio. Tudo em redor eram as imponentes subidas da serra, preenchidas pelas árvores e pedras, sem vista sobre os cumes.
Não se podia pedir melhor cenário para aguardar, com partidas cronometradas individualmente, e feitas de minuto a minuto, tinha que esperar que 38 atletas arrancassem antes de mim.
O tempo de espera foi o suficiente para arrefecer, e apanhar com alguns aguaceiros de uma manhã um pouco imprevisível relativamente ao tempo.
 
Enquanto se espera
E continua a esperar
Eram 10:05h e alguns segundos, quando anunciaram o meu nome, chegava-me ao local onde confirmavam a minha presença, e via os atletas das 10:06h a partir.
Fui autorizado a avançar para o local de partida, e enquanto aguardava pela 38ª atleta arrancasse, mostrava todo o material obrigatório. Apesar de calmo, eram minutos que pareciam intermináveis, e em contagem decrescente lá deram a minha partida pelas 10:08h.
Aqueles metros iniciais, colocavam os músculos e a respiração descontrolados, alguns degraus, já degradados e subitamente desaparecem, apenas troços em terra já calcados por quem já havia ali passado.
Aquela parede inicial era aliviada assim que entramos num single-track ligeiramente menos inclinado.
Coloco um pequeno trote, e devido a um início repentino com zonas que obrigavam o uso dos quatro membros, sentia as pernas ligeiramente duras, e a respiração ofegante. Não desgarrei a vontade de querer continuar a correr, e assim apanhava o primeiro atleta que me precedia, mesmo à entrada de uma zona de rochas um pouco afiadas.

Seguia-se uma ligeira descida, até ao leito do rio, que após o atravessar, iniciava-se o segmento, provavelmente mais técnico e triturador de toda a prova.
O uso dos quatro membros era mais que obrigatório, o terreno calcado era a única base de apoio firme que tinha para conseguir subir, as mãos agarravam-se aos troncos e ramalhos das árvores, a raízes, pequenos pedaços de árvores cortadas, tudo o que fosse visivelmente seguro, de forma a distribuir o peso do corpo e não massacrar as pernas logo ali. Não evitei que ficassem como pedras, parecendo que a pele ia rasgar a qualquer momento.
Ao mesmo tempo tentava controlar a respiração, mas o ziguezague constante em piso incerto e inclinado parece obrigar a prosseguir sem interrupções.
Já não procurava fitas de marcação de percurso, não que fossem necessárias, por um caminho bastante previsível sem saída possível, mas também por querer ver onde colocava os pés, sendo que se as procurasse teria que andar sempre de cabeça virada ao céu devido à tremenda inclinação.

Créditos na foto
Recordava da minha passagem ali no mês de Outubro, no Freita Skyrunning, e o quão massacrado fiquei, desta vez não estava a acontecer o mesmo, e estava a conseguir orientar bem as coisas.
Aos poucos o terreno ia ficando mais solido, mais firme e as árvores mais afastadas. Estava finalmente perto o fim da tortura, podia voltar a correr.
Era um trote misturado com alguma caminhada a passo rápido, e a poucos metros à minha frente, começava a ver o meu primo, e uma atleta, que acabaria por ultrapassar.
O problema desta secção até à estrada, onde mentalmente divido esta subida, é que as inclinações são inconstantes, tanto dá para correr, como subitamente me curvo para a frente e caminho.
Das poucas vezes que ergo um pouco a cabeça e espreito o que se seguia vejo a estrada, e alguns elementos da organização, estava finalizado a primeira parte da prova.

Não que as coisas fossem mais fáceis a partir de agora, bem pelo contrário. Não querendo comparar com a escalada no início da prova, mas não fica muito longe disso.
As inclinações são acentuadas a partir de agora, o piso rochoso, misturado com muita pedra solta, a intercalação de corrida e caminhada era sistemática, as pernas duras e pesadas iam piorando, conseguindo apenas controlar a respiração minimamente.
Era possível ver não o cume, mas as partes mais acentuadas do resto da prova, todos os atletas que iam à minha frente, e a uma das zonas mais bonitas de toda esta prova, à qual eu apelidei de “Varanda”. Ainda tinha muito que andar até lá chegar, e após mais uma ultrapassagem ia tentar correr o máximo que conseguisse. Não sobrevivi durante muito tempo, mas não sumiu a vontade de continuar a tentar, pelo menos até às escarpas, onde não se consegue correr.

Créditos: Organização
Local totalmente rochoso e irregular, sem grande possibilidade para correr. Apenas tentava encontrar o caminho menos agressivo por entres as rochas até as transpor. Sabia que assim que o fizesse, podia correr à vontade, algum pessoal a dar apoio, e finalmente ali estava eu no cimo.
Apenas cerca de um quilómetro me distanciava do radar, o trajecto agora era fácil em terreno liso e sem grande inclinação, curva e contracurva, fantástico para correr a um ritmo rápido.
Estava animado, e tento iniciar a corrida lentamente para não ser um impacto grande logo de início. Alguma coisa não estava bem, quebrei logo ali, senti-me maldisposto, exactamente como me aconteceu da última vez que ali passei.
Não podia correr, não estava a dar, tinha que adoptar outra estratégia. Parei, bebi água, e comecei a caminhar, a má disposição continuava ali, e teimava em não desaparecer.
Que se lixe, foi o meu pensamento naquele momento, vou num ritmo mais lento a correr e logo se vê. Comecei a correr, e ao passo que vou progredindo a coisa vai atenuando, estava a resultar. Foi uma coisa passageira, que não entendi o motivo, talvez do esforço, da altitude, ou ambas tenham provocado isso, não sei.

Créditos: Organização
À medida que vou melhorando, vou aumentando o ritmo, mais uma ultrapassagem, e sigo direcção ao radar.
Faltava o último sufoco da prova, subir o radar pela escadaria mesmo até ao alto, uma meta com 40 metros de altura.
Entrei rápido na base da torre, seguia-se uma escadaria interminável, zigue-zague, zigue-zague, os primeiros degraus, ainda deu para uma espécie de corrida, contudo não durou muito tempo. Agarrava-me ao corrimão da escadaria, e puxava pelo corpo, estava de rastos. Ao mesmo tempo que pensava que já conseguia subir com mais rapidez, o corpo recordava que era impossível.
Foram necessários 50 minutos, para fazer 4 quilómetros. Foi preciso todo este tempo para chegar ao topo da serra, e escalar uma torre para uma vista de 360 graus sobre a Freita, mas valeu cada minuto.

2 comentários:

  1. Muito bom. Bom post e prova muito interessante! So fiz uma vez um quilómetro vertical e adorei. Gostava muito de repetir. Parabéns pela tua subida!

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    1. Obrigado Filipe.
      Também foi uma experiência nova, e de facto é difícil não gostar.

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