quarta-feira, 5 de agosto de 2020

Os afazeres, conquistas e prazeres da vida

A vida vai se moldando, e a corrida também se moldou.
Tudo aquilo que esperava ou ambicionava fazer este ano acabou por ficar numa lista de “afazeres” para outras alturas.
Dessa lista uma minoraria são impossíveis, os restantes são exequíveis a médio ou longo prazo, o que dá tempo para concluir.
Não sou de ver o copo vazio, gosto de ver as coisas de forma optimista, e com esta situação mundial, surgiram novos objectivos, diferentes formas de me desafiar sem que para isso tenha que ser no mais rápido tempo possível. E verdade seja dita, os treinos que faço também não servirão para muito mais que isso, desfrutar, sem grandes pressas nem abusar.



Mas o abuso termina logo que penso naquilo que esta pandemia me privou, e me proporcionou idealizar alguns projectos para se irem fazendo. Não há provas, é certo, mas há caminhos, trilhos, estradas que estão ao dispor todos os dias, e que com vontade, tempo e em alguns casos, companhia conseguem ser tão ou mais relevantes que provas.
Numa prova é certo e sabido que as coisas estão delineadas, e estamos “limitados” aquilo que será o trajecto idealizado pela organização.
Não ponho em descrédito qualquer organização, porque sem elas não conheceria muita coisa que conheço actualmente, e mal existam provas, provavelmente serei um de muitos que lá estará novamente atrás da linha de partida.
Mas porque não sermos nós próprios a idealizar um trajecto, e a desafiar a nós mesmos? Fugir um pouco à “rotina” a que nos acostumamos.


Vistas da Freita

Foi assim que foram surgindo ideias ao longo da quarentena. Não são para serem realizados todos num momento só, nem num curto espaço de tempo. Outros que já tinha idealizado bem antes disto tudo, mas que nunca foram avante, e agora podem se juntar a esta uma nova lista de “concretizações”. O que posso afirmar ter sido uma época produtiva, no que a ideias diz respeito, faltando apenas pô-las em prática.

Entretanto surgiu o desconfinamento, as provas continuavam sem surgir, e bem, mas as virtuais foram aparecendo, e aproveitei para me inscrever em algumas. Na qual destaco o “Desafio Vertical”, por ser algo que me enchia as medidas, tanto por ser algo que gosto, como pelo que me iria desafiar.

Do Detrelho da Malhada

Foi partir em busca de locais com subidas, e que facilmente se acumularia desnível positivo. Felizmente aqui na zona, não falta disso, Serra da Freita, foi logo o local escolhido para a primeira tentativa, com subida pelo segmento da Freita Vertical, escadas do martírio e Bradar aos Céus, só aí foi um “fartote”, algo como sensivelmente 25KM, e uns 1700 D+, ganhos na sua maioria em somente 2 subidas.
Após este dia, tive uma pequena lesão, nada de grave, parei uns dias, recuperei e assim evitei parar umas semanas.
Voltei aos trilhos, e seria um teste da recuperação, numa longa subida ali perto de casa, conhecida como Trialeira de Cabril, cerca de 2KM de extensão, e pouco mais de 300 metros de desnível. Estava impecável, e ainda deu no final de tarde, para uns 10 KM com pouco mais que 900 D+.

Estava tudo afinado para o maior desnível positivo ganho para daqui a 2 dias. O objectivo era dobrar os 1000 metros, e assim foi, no mesmo local foi um sobe e desce constante, era desgastante mentalmente, mas com companhia e alguma conversa à mistura, a coisa foi-se fazendo. Deu para sensivelmente 2200 D+, em 25 KM. Ali não há muita história, ou se está a subir ou a descer, só tem que se gerir a máquina para não rebentar. No final das contas, terminei o desafio com 8862 D+, juntando alguns outros treinos pelo meio.


O dia dos 2000 D+

Não havia objectivos de chegar a algum patamar, somente de ir fazendo conforme se podia, porque o tempo iria ser pouco, era uma questão de dias até inevitavelmente abrandar por completo. Parece confuso, mas não o é, pelo simples facto de a vida me proporcionar o melhor momento que vivi até hoje, é motivo suficiente para interromper aquele desafio. Algo tão pequeno, mas que consegue ser bem maior que todo o resto, alguém que num futuro me irá chamar de pai. Optar por ir trocar fraldas e choros no colo pode parece aborrecido e chato, mas vale a pena. É contraditório, mas é verdade.
Os treinos vão surgindo conforme se pode, em prol de algo maior, mas as “concretizações” ainda pairavam na cabeça, e algumas já começavam a ganhar forma.
O bom de ter uma equipa, um grupo de amigos que correm tudo para o mesmo dá em coisas que a olho nu, parecem invulgares e desconcertantes, mas visto bem à lupa, não é nada demais. Isto se excluirmos o calor do mês de Agosto, o ponto longínquo ao qual nos propusemos a alcançar, a falta de preparação, num percurso linear.


A montanha mais alta conquistada!

A conversa começou com um desafio lançado pela organização do UTMB, e acabou com uma proposta de chegar ao São Macário, um dos pontos altos da Serra da Arada, precisamente do lado exactamente oposto ao que iremos iniciar, tendo ainda que fazer a travessia na íntegra da Serra da Freita, o que equivale a transpor 2 das 3 serras pertencentes ao maciço da Gralheira.
Faltava uma coisa, que era o essencial, trilhos, caminhos, estradas o que fosse necessário para lá chegar.
Não entrei nesse campo, mas o Hugo tratou de fazer uma mistura deles, desde o que já havíamos feito tanto em treino como em provas, outros que procurou saber junto de quem conhece a zona, e lá foi somando quilómetros e desnível ao percurso.
No final tudo somado e calculado digitalmente ronda uns 52 KM, com 3.500 D+, agora no terreno a coisa pode ser diferente, e vai ser.

A ideia é simples, subir a Freita a partir de Vale de Cambra, andar no alto da serra, ainda que com sobe e desce ligeiros, e descer em direcção a Tebilhão. 
Menciono esta aldeia, já algo distante do local onde prevemos partir, por ter sido um dos pontos onde passei no UTSF, o que indica que até lá sei minimamente o caminho, e tenho alguma noção daquilo que tenho pela frente, por outro lado, sei que dali a uns quilómetros à frente até ao final a coisa será diferente, será o desconhecido para mim, e ao que tudo indica a parte mais complicada, pela tecnicidade do terreno naquela zona, ou assim ouvi dizer. Posso já ter passado em algum ou outro troço, mas como consigo contar por uma mão as vezes que para ali fui correr, não me recordo de nada.
Seja como for, as coisas estão delineadas e combinadas, faltando apenas afinar um pouco a logística da coisa, para termos algum apoio durante o caminho, de resto a ideia é desfrutar a fazer aquilo que tanto gostamos.

É engraçado e alegra-me ao mesmo tempo, que uma simples aventura cause tanto entusiasmo como uma prova que tanto queria fazer, se tratasse.

Tudo aponta para meados de Agosto, resta não haver nenhum contratempo que impeça ou adie a travessia das duas serras, pois estou ansioso pela aventura deste Verão. Resta contar os dias.