sexta-feira, 1 de julho de 2022

Runcambra - Mais que uma corrida

É muito mais que uma corrida. Dizem e tentam transportar essa mensagem para quem por lá aparece, nem que seja para apoiar. O Runcambra, tem características próprias que me fazem esquecer os trilhos.
Sou suspeito, aliás, o Runcambra simboliza a minha estreia oficial no mundo da corrida, realiza-se no local onde vivo, e onde já conheço os cantos à casa.
Desde 2016, primeira vez que participei, fui acompanhando as alterações do percurso, ainda que fossem uns metros, ou a alteração do ponto de partida/chegada. Uma coisa era certa, era um trajecto com cerca de 170 metros de desnível positivo, o que para uma prova de estrada propriamente dita, torna-a com um grau de dificuldade acima da média.
Foram dois anos de silêncio devido aos cancelamentos das provas, até que surge 2022, com um trajecto reinventado, e na opinião geral para melhor em vários aspectos.

Runcambra

Com tempo, tive oportunidade de fazer o reconhecimento por duas vezes, e confirmei que a dificuldade era bem inferior ao que era costume. Não era para menos, o desnível positivo veio para baixo dos 100 metros, o que facilitava. 
Estava entusiasmado com a prova, mas com algum receio por não fazer provas de estrada desde 2019. Apesar de andar a treinar com regularidade, não sabia como iria reagir a uma prova rápida, em que queria ir a fundo e fazer abaixo dos 40 minutos.
Conhecia o percurso na totalidade, e sabia onde, quando e como deveria puxar mais, ou abrandar para não quebrar, só a minha cabeça estava preocupada em como o corpo ia reagir.
Eram 10 horas, hora de partida, e já estava mais que pronto atrás da linha de partida, a evitar a cauda do pelotão.

O primeiro segredo estava na forma como gerir a primeira fase da prova, onde andamos num sobe e desce constante, com passagens pela zona de partida/chegada.
Como seria de prever, ignorei por completo, e andei com ritmos para além daquilo que seria o expectável, felizmente e para meu agrado a respiração nunca foi afectada, e o corpo sempre respondeu bem. A primeira subida que voltava a levar-nos a passar no pórtico de partida, seria a oportunidade de me autoavaliar. Ainda não tinha completado 2 quilómetros, mas que serviam perfeitamente para fazer uma avaliação rápida do que surgiu até ali, e o que se podia antever dali para a frente.
A sensação de querer puxar ainda mais, deu logo a certeza que estava bem fisicamente, mas com juízo não cometi aquilo que poderia ter sido a morte do artista. Impus o ritmo que queria como média final, e assim o tentei manter durante o resto do percurso, só fugindo à regra quando descia.

Vai aquecendo

Foram cerca de 1,5 quilómetros até o piso inverter o declive. Não sendo nada de extraordinário, mas durante 1 quilómetro, percorremos o parque da cidade do lado norte sempre em sentido ascendente. Já do lado sul do parque, em sentido descendente, surgia o segundo segredo de saber gerir a fase mais rápida da prova. Quase 4 quilómetros, que havendo pernas, o limite é a falta de forças.
Até ali usei um pouco a boleia para minimizar o desgaste, mas estava na altura de seguir à minha vontade, e assim o fiz. 
Pouco mais de 200 metros depois, sou obrigado a parar completamente por um erro meu em não ter atado as atacas em condições.
Não tardou muito a voltar a acelerar o passo, e voltar à posição que havia deixado. Entrava então na ciclovia, a grande novidade de todo o percurso. Segmento que estou mais que habituado a percorrer, sempre paralelo ao rio com alguma sombra, e sempre a convidar a puxar pelo ritmo.

Continuei a ser muito ponderado nas minhas escolhas, demasiado que parece que fui demasiado conservador, e mais uma vez, optei por não cometer loucuras, apenas manter uma passada rápida, e minimamente confortável.
Chegava à praia fluvial, e só pensava na meta que ficava a uns 2 quilómetros dali. Toda aquela gestão exagerada fez com que não sentisse quebra alguma durante o percurso, e nem ali estava com ideias de abrandar. Ignorei qualquer pensamento de gestão, respirei fundo e fui atacar aquela que seria a subida da prova.
Antes daí chegar, uma pequeno sobe e desce até finalmente começar a subir.
Esta era uma zona comum às edições anteriores, e normalmente era onde me sentia mais desconfortável, o que não se sucedeu desta vez. Abrandei ligeiramente, ainda que a tentar forçar o máximo que achava possível para não rebentar, até o declive não ser tão inclinado. 

A descer tudo é mais fácil.

Foi o esforço ideal, a longa recta que faltava até à meta ainda que a subir, foi possível acelerar a passada até ao final, e atravessar a meta com o objectivo dos 40 minutos.
No final, fiquei com um sabor agridoce. Satisfeito por ter cumprido o objectivo, mas por querer mais, penso que se não tivesse sido tão cuidadoso poderia ter feito melhor marca numa prova que se adivinhava bem mais rápida que as restantes edições.
Como disse no inicio, sei que sou suspeito pelas várias condicionantes também mencionadas, e no que relatei não descreve de forma alguma o ambiente que se experiencia. Felizmente é um evento que para além de encher as ruas com mais de 1000 participantes, se juntarmos a caminhada, também traz alguma gente à rua que vem aplaudir e dar sempre uma palavra de força. O facto de passarmos na zona de partida e circundarmos em estradas ali ao lado, ajuda a que haja ainda mais apoio. 
E o final? Bem, esse é já uma característica típica do Runcambra, comer e beber à descrição. Se mesmo assim há dúvidas, nada melhor que vir participar.

segunda-feira, 11 de abril de 2022

Trilhos dos Abutres - Contagiante

Algum dia havia de ser a minha vez, os Trilhos dos Abutres acho que inevitavelmente acaba por se cruzar no calendário de todos os amantes da modalidade. Mesmo aqueles que acham demasiado dispendiosa, acabam por tentar a sorte no famoso e controverso sorteio.
É um assunto que acaba por dividir muito as opiniões, e respeitando a de todos, na minha maneira de ver, é uma prova feita com organização do primeiro ao último minuto.
Foi com grande espanto que no Sábado, após um breve passeio pela Serra da Lousã, que ao levantar os dorsais, vi com grande espanto que estava num evento de outras proporções daqueles que até então havia participado. O espectáculo, o apoio, a envolvência com os locais, entre inúmeras outras coisas, eram de facto algo que realçava e que dava um nervoso miudinho por saber que no dia seguinte ali iria estar.

Não há quase fotos. Por isso vai uma de longe a longe para não enjoar tantos parágrafos!
Créditos na foto



E estive, mas já com o coração aos saltos.
Domingo, 30 minutos faltavam para a hora de partida, e eu sem sair do recanto onde aproveitei para passar o fim de semana.
Faltavam 10 minutos para a partida, e eu acabava de estacionar o carro umas centenas de metros do local de partida.
Foi pegar em tudo o que necessitava, na esperança de não deixar nada para trás e foi correr até ao mercado, onde o Joca já ia aquecendo e preparando a malta para arrancar.
Fiquei mesmo no fundo da cauda de todo aquele montão de gente que se alinhava para os 30 quilómetros de trilhos.

A manhã era fresca, mas aqueles minutos intensos até estar dentro da zona de partida foram os suficientes para aquecer, e em pouco tempo lá arrancamos.
Soube bem aqueles quilómetros iniciais feitos em estrada num pequeno sobe e desce pela localidade, sendo possível dispersar-me por completo do maior aglomerado.
A rápida passagem pelo Parque Biológico deu para perceber o quão distante ia daquele “grupo” em que vemos que tem o mesmo andamento que o nosso. Ainda assim, a primeira subida que nos deixava no Templo Ecuménico foi momento de abrandar pela primeira vez os motores, e acompanhar as dezenas que ali já iam também eles com ritmo mais moderado.
Apesar de me sentir confortável e saber que ainda me aguentava com uma corrida suave, achei mais sensato não abusar da sorte. Desconhecia o percurso, sabia por diversas fontes que era técnico, e queria guardar pernas para os 8 quilómetros com 700 metros de desnível positivo que dividiam os abastecimentos.

Uma das várias cascatas. Créditos na foto.



Ao fim de 8 quilómetros, lá se iniciou os famosos “single tracks”, que me fazia recordar o Vouga Trail, por em ambos os trilhos serem muito semelhantes (já sei de onde veio a inspiração para o Vouga).
Envolto em arvoredo, não havia forma de ultrapassar nem de ser ultrapassado sem alguém se encostar a uma árvore para dar passagem, assim seguia num pequeno grupo de 3 ou 4 não cometendo o habitual erro de ir na frente a “abrir” caminho.
Ao fim de algumas centenas de metros, já estava preparado para dar o passo em frente e descolar, e mal vi uma frecha aproveitei-a, e comigo seguiu somente um.
Ali inevitavelmente acabei por ser eu a manter o ritmo até ao primeiro abastecimento, onde acabaríamos por separar.

Deu-se o clique, que a partir dali a coisa se ia tornar séria, mas com o ambiente efusivo que ali se vivia, esquecia isso enquanto vislumbrava pela primeira vez a famosa escadaria da Senhora da Piedade. Por mais cansado ou esgotado que alguém esteja, acho que é inegável que alguém ali não coloca um passo de corrida. O apoio tão próximo que ali se experiencia é uma injecção de adrenalina em qualquer um.
Só é pena ser de curta duração, porque mesmo no final da escadaria correr pelo menos para mim ainda não dá, usava os 4 membros para me transportar até à estrada que nos retirava dali, e onde ouvia os comentários “agora é que vai começar”.

Mais uma para desenjoar. Créditos na foto

Ora, eu já sabia, só ficou mais claro, e não demorou muito para perceber isso. Se já tinha tido pequenos “deja vú” do Vouga Trail, ali parecia estar lá novamente.
Um trilho junto ao rio, onde acabaríamos por o transpor por diversas vezes mostrava que não ia ser muito meigo logo à partida.
Não havia grande margem para corrida, sei por experiência própria, após algumas tentativas que metia a minha integridade física em jogo, acabei por desistir. As subidas eram feitas da melhor forma possível e rápidas, já as descidas a prevenir alguma queda.
Se inicialmente até pensei que ia bem fisicamente por ir apanhando um ou outro, acabei por retirar essa ideia da cabeça quando vejo que atrás se iam aproximando ainda que alguns metros de distância.
Após algum tempo finalmente saí daquela encruzilhada, deixando-me pela frente um estradão em forma descendente que não hesitei por um minuto em disparar por ali abaixo.

Aproveitei para recuperar algum tempo, mas não demorou muito até o terreno inverter a inclinação, mas que de maneira alguma me fez recuar, e ainda que mais lento, consegui não parar e sempre manter a cadência.
Já com quase 19 quilómetros, começava a controlar a água, lembrava que o abastecimento era entre os 20 e 21 quilómetros, mas encontrávamos a descer e sem fim à vista. Recordava que para chegar a Gondramaz, local de segundo abastecimento teria que subir, mas não estava a ver jeitos disso, os metros passavam e não via nenhum desvio e a escassez de água preocupava-me.
Com quase 21 quilómetros, segundo o meu relógio, lá começamos a subir já com as flasks vazias, na esperança que ali a uns metros virávamos algum cume e ali estava o abastecimento, só que não acontecia.
Após cruzar com um pequeno grupo que ali estava a apoiar a meio da subida, me indicavam que restavam umas centenas de metros.
Ainda bem, pensei já com os lábios secos e a necessitar de saciar a sede que já atingia um nível considerável.

Apesar de estar a ficar com alguns problemas que me iam condicionando, da melhor forma que conseguia, insisti em manter o ritmo mais forte possível mediante as circunstâncias.
Ao fundo, com quase 22 quilómetros, começava a ver Gondramaz, e com ela uma explosão de sensações.
Tive a feliz oportunidade de ali chegar sozinho, e foi um momento único, ver e sentir toda aquela gente a apoiar fez-me esquecer aquele último esforço.
Logo que chego ao ponto de água, encho uma das flasks e sem perder muito tempo tento hidratar o melhor possível, ainda a tentar impedir alguma mazela que dali pudesse surgir.

Restavam os 10 quilómetros finais, que na sua maioria eram em sentido descendente. Só queria ter pernas para levar as pernas à loucura dali até à meta. E de facto pernas havia, o caminho é que era tudo menos corrível. Não demorou muito para perceber que não ia ser bem assim. Descidas com algumas zonas escorregadias, pedras afiadas, pedras lisas também boas para alguns deslizes, enfim, aquele típico trilho junto ao rio repleto de obstáculos.
Só ao fim de 2 a 3 quilómetros os obstáculos foram ultrapassados e ainda que durante pouco tempo deu para acelerar de novo, porque os Abutres não é o mesmo sem lama.
Apesar do longo período de seca, sem gota de água, os canais de rega fizeram o seu trabalho e mostraram a verdadeira mistura de água e terra. Com as sapatilhas cobertas de lama, as pernas escuras, atravessei a meta que se destaca por toda a envolvência que é o mundo do trail.

Única foto minha. E chegou!

Não que tivesse dos melhores trilhos que já percorri, nem paisagens que nos faça arregalar os olhos. Mas pela primeira vez, vi uma organização a cumprir com o regulamento pela segurança de todos, um ambiente que nunca experienciei em nenhuma prova de trail, um percurso que dependendo da aptidão de cada um, consegue ser desafiante tanto pela tecnicidade como em manter a faca nos dentes para tentar competir pela melhor posição.
Na minha modesta opinião, tentam dar o melhor de forma a agradar o mais esquisito por não haver fitas ao fim de 5 metros, como aquele que dispensa os abastecimentos. Entendedores, entenderão.

quarta-feira, 12 de janeiro de 2022

Vouga Ultra Trail - Inesperado


Hora de partir. Créditos na foto

Até parece já tradição, ano novo, e vou para Sever do Vouga arrancar o ano em trilhos. Não é no sentido literal, mas está lá quase, depois de uma primeira edição estranha em 2019, uma segunda versão em 2020 já melhorada, 2022 foi com algum esforço, ano para a terceira edição.
Eu, para dar continuidade à já habitual presença, quis alterar um pouco a dimensão do desafio, e arrisquei-me na ultradistância com 55 quilómetros e 2400 metros de desnível positivo.
Nos tempos inconstantes que vivemos, foi um arriscar tudo, era treinar sem ter certezas se o evento seria adiado ou cancelado, fruto dos elevados números de casos Covid, ou mesmo eu testar positivo.
O minimizar contactos, tanto para me salvaguardar a mim como a quem me rodeia não foi o suficiente, e antes duas semanas, acabei por ser também eu vitima desta pandemia. Em circunstâncias normais, estaria livre dois dias antes da prova, e sem saber que consequências dali poderiam surgir, foi momento de pensar e avaliar a participação.
A prova estava confirmada pela organização que iria avante, a minha inscrição não podia ser adiada para uma futura edição. Fiz duas corridas antes do evento, para conseguir avaliar o quer que fosse possível avaliar, se era possível estar no tiro de partida.

Não houve problemas respiratórios, apenas algum cansaço no final de uma das duas corridas, que suscitavam alguma desconfiança se era possível concluir ou não.
Dúvidas houvessem, era mais que óbvio que cansaço não me ia impedir, a respiração estava controlada, por isso foram motivos suficientes para me agarrar ao desafio.
E assim foi, pelas 07:30h debaixo de nevoeiro e de uma persistente chuva miúda, liguei o frontal, e parti para o meu primeiro desafio de 2022.
Da equipa eramos três, o Fábio sumiu-se em pouco tempo, o Élvio ainda seguia ao meu lado, mas com a confusão inicial, acabei por perder de vista.
Foi sempre a subir pela estrada debaixo ainda das luzes públicas que fomos progredindo, até à chegada dos primeiros trilhos, onde o frontal era fundamental.

Créditos na foto

A primeira fase da prova é praticamente paralela a um pequeno troço de rio, que por si só já é um ambiente húmido. A chuva que não dava tréguas, oleando o percurso e dificultando a progressão. A fila era inevitável, e no longo single track segui a tentar esquivar-me ao terreno mais enlameado fruto já de quem havia ali passado.
Aproveitava algumas zonas de estradão, onde o piso era mais rígido e afastava-me da fila, assim conseguia ir à minha vontade. Foram quase oito quilómetros até Vila Fria, local do primeiro abastecimento e ponto de arranque até ao ponto mais alto da prova. Iniciei com um trote ligeiro que em poucos instantes foi substituído por uma passada forte e constante.
Não arrisquei em momento algum, tinha tudo controlado respiração, esforço físico, hidratação e comida, que fez descontrolar a autoconfiança, passando para níveis altos repentinamente.
Efeito esse que foi o suficiente para justificar a mim próprio que deveria abandonar a zona de conforto e arriscar numa progressão mais rápida. Chegava ao Arestal, ponto mais alto, com quase 15 quilómetros feitos e segundo abastecimento. A confiança estava a elevar a fasquia, não senti desconforto algum, e não sentia dificuldades que pudessem advir do covid, ou pelo menos mentalizei-me disso.

A meio da subida para o Arestal. Créditos na foto.

O terreno já havia melhorado há bastante tempo, não senti dificuldades em progredir, a lama já não era um problema, e mesmo a transição entre levadas era feita com bastante facilidade, por entre as diversas aldeias.
A separação de abastecimentos com maior enfase, cerca de 12 quilómetros, surgiam nesta altura, onde era igualmente na sua maioria feito de forma descendente.
A descer talvez perdesse um pouco de terreno para quem ali vinha comigo, mas em plano ou a subir acabava por ir apanhando um a um, acabando por se formar um pequeno grupo onde acabei por tomar as rédeas durante bastante tempo.
Comecei a meter o “tico e o teco” a conversar entre eles, e pensar que não poderá ser sempre assim, a manter-se desta forma, acabarei por quebrar. Abrandava na tentativa de alguém avançar e liderar o grupo, mas ninguém o quis fazer.
A fase com maior inclinação que nos levava até ao rio Vouga, forçou a que o grupo acabasse por partir, o piso tornou-se perigoso, para além da lama, algumas pedras soltas obrigaram a redobrar os cuidados, e só mesmo no fundo com uma vista deslumbrante sobre o rio é que as coisas acalmaram.

Acalmou de certa forma, pelo menos o meu ritmo acalmou, mas o desgaste nem por isso, comecei a sentir um ligeiro desconforto, ainda que tolerável. Dali até ao abastecimento em Amiais, o sobe e desce repentino era sistemático, tendo me dado uma ligeira marretada que não davam bons sinais para a continuidade. Será do covid? Será de ter estado uns dias fechado em casa? Terei abusado?
Foram as questões que começaram a imperar na cabeça, e não surgiam respostas.
Chegava ao abastecimento com quase vinte e oito quilómetros, e preparava a minha bebida como havia feito no abastecimento anterior, o pó mágico para dentro da garrafa, e pedi que me enchessem a garrafa. Não sei o que aconteceu, mas para meu espanto o pó havia desaparecido da garrafa, não sentia o sabor da mistura, após ter deixado para trás o abastecimento.

As fantásticas cascatas. Créditos na foto

Tentei não gerar mais problemas interiores, aceitei e tentei da melhor forma possível dar continuidade ao meu caminho, alguma coisa há de dar.
A descer a coisa ainda ia, mas a subir estava a ser desconfortável, e na última divisão de distâncias (35 e 55), virei para a barragem, e mentalizei-me que era uma fase. Não faço a correr, vai a caminhar, quando melhorar logo se prossegue. A travessia da barragem, indicava a longa e inclinada segunda subida, que acabou por ser feita a caminhar, sendo ultrapassado constantemente, e ficando apenas com outro que me seguia sem mostrar qualquer interesse em avançar.
Este pequeno monte estava a ser uma pérola cheio de surpresas, com subidas curtas e ingremes, descidas rápidas, e repete. A subir era impensável correr, a descer queria andar mais depressa, mas ao fazê-lo ia estar a esforçar algo que se estava a recompor.

Fico sozinho, e arrisco novamente uma corrida que me leva até ao abastecimento em Alagoa dentro de uma pequena cave. É o abastecimento que demoro mais tempo, aproveito o chá quente que servem e me vai reconfortando o estômago, e descanso um pouco. Ao fim de alguns minutos, e já abastecido retorno ao percurso, sem grandes pressas, mas cheio de frio. O tempo que estive parado, foi o suficiente para arrefecer o suficiente para tremer um pouco os lábios. O chá estava a fazer efeito, estava a sentir bem melhor, e o próprio terreno pedia para correr, e acabei por ceder. Ainda que contido, dei os primeiros passos num suave trote, até me sentir bem o suficiente e aumentar a velocidade aos poucos. Fui conseguindo aquecer, e já estava de volta à prova na integra. Verdade que a zona ajudou, era um bónus, mas com a chegada de zonas mais técnicas junto ao rio, não houve impedimentos.

Só fotos da cascata de Cabreia. Créditos na foto.

Não surgiu mais contratempos, e até ao último abastecimento em Paradela consegui sempre um ritmo mais ou menos certo.
Já restavam poucos quilómetros, mas faltava o que para mim ia ser o maior desafio nesta distância, a última subida até quase à meta.
Não demorou muito a chegar à ecopista do Vouga, que nos embalou durante um quilómetro num piso plano e limpinho até a uma encosta que nos metia logo com 20% de inclinação. Conhecia aquela encosta, ainda que feita em sentido contrário, e sabia o quão inclinada era, mais o acumulado e quilómetros que as pernas já sentiam, ia ser uma aventura chegar à meta. Sintonizei a passada, inclinei o tronco ligeiramente para a frente, e as mãos atrás das costas, e lancei-me até ao topo. Quando visivelmente o caminho nos convidava a correr, as pernas não queriam responder, sendo as descidas o único troço favorável para tal. Ou então com a meta à vista… Começo a reconhecer o local, sorrio e sem saber como, todos aqueles músculos das pernas contraídos se alinham e levam-me até à meta.

Tudo o que antecedeu a prova, certamente contribuíram para que fosse uma conquista inesperada. Houve momentos antes e durante que duvidei se seria capaz de o fazer por ter estado 10 dias fechado em casa. Verdade que o treino já estava feito, e acabei por fazer algum reforço em casa, mas a falta de regularidade aliada às possíveis mazelas que podiam surgir do covid, tornavam o desfecho imprevisível.
Já o evento em si, apenas com três edições, mas com um caminho positivo e crescente. Não que desgoste de correr com chuva, mas um dia de céu aberto tornavam o percurso bem mais interessante. Situação que obviamente não torna a organização responsável, só contribuía para realçar o percurso.