quinta-feira, 16 de janeiro de 2020

Vouga Trail – Já chegamos? Não. E agora, já chegamos? …


Já não é a primeira vez que dou uma segunda oportunidade a uma prova, e que acabam por me surpreender, fiz isso com o Ultra TrailMedieval, e fi-lo novamente com o Vouga Trail.
Esta, sem dúvida alguma, na sua primeira edição, deixou-me a desejar, percurso sem interesse, e o S. Pedro que não contribuiu para melhorar a coisa na altura.
A organização prometeu uma remodelação na integra da 2º edição, se seria para melhor é que era uma dúvida, fechei os olhos e atirei-me de cabeça, vamos lá ver no que isto dá.


Créditos na foto

A gélida manhã, não afastou muitos. Eram imensos, uma multidão, que se encontrava em Senhorinha, localidade de Sever do Vouga para enfrentar os 27KM com 1200 D+ anunciados.
Este, para mim foi um erro da organização, sendo uma prova linear, e disponibilizando autocarros para nos levar até ao local de partida, tivemos que aguardar quase hora e meia para a hora de partir. O que nos valeu, foi termos um pequeno café/restaurante, onde podemos nos concentrar e aguardar, mais quentes que ao ar livre.
Demorou, mas lá chegou a hora de partir, e foi debaixo da ainda fresca manhã que e num ambiente bem animado que se deu os primeiros passos de corrida.
O longo segmento em asfalto inicial, serviu também ele para aquecer um pouco, além de dispersar um pouco o pessoal. Os primeiros trilhos eram feito num caminho mais alargado, o que permitia rolar cada um à sua vontade, o que fazia parecer uma prova de downhill a quem estivesse a apreciar. Descíamos gradualmente sem grandes declives, até à primeira mais acentuada, foi ali que realmente a coisa ficou dispersa.


Final da descida. Créditos Objectiva em Movimento

Senti que as pernas estavam a responder, e dei os primeiros apertos a correr, sem grandes exageros.
A primeira subida, era o que havíamos feito no ano anterior a descer. É inclinada, mas dá para manter um ritmo de caminhada mais forte, intercalando um pequeno trote em partes menos agressivas aos gémeos. Recordo que seguia num grupo de 3 ou 4 elementos, e seguíamos sempre a ultrapassar imensa gente que ali já abrandava.
Mais de metade da subida feita, apenas uma ligeira descida para acalmar os ânimos e retomávamos até atingir o cume daquele monte.
Recordava o frio que passei ali na primeira edição, e que se seguia, uma inclinação brutal, mas desta vez feita a descer. Ainda que algo receoso, e meio que a travar, fiz mais de rompante que o habitual.
Surgia finalmente os primeiros trilhos mais vistosos e mais rolantes, single tracks, escadas, mais ou menos técnicos, um fartote.

O maior destaque, vai para os longos estradões que pouco de interessante trazia à prova, e que em segredo nos ia elevando a altitude. Nada que se fizesse notar, dado a ligeira inclinação, uma ou outra mais acentuada, mas curta o suficiente para passar despercebida. Os trilhos agora começavam a moldar-se, e estava embrenhado num louco single track, que percorria uma encosta, que ao mínimo deslize iríamos parar ao rio.
Encaminhava-nos até ao parque da Cabreia, com uma cascata fantástica, o caudal estava cheio devido às recentes chuvas, e o cenário apenas pedia para ser desfrutado, não ficando ninguém indiferente.
O frio já havia ficado para trás algum tempo, e o sol ainda que fraco já se colocava a aquecer-nos o pouco que fosse. As ligeiras subidas, já não eram assim tão ligeiras, gradualmente ficavam mais íngremes, e começava a moldar o ritmo da maioria de quem ali seguia.


A chegar ao topo da primeira subida. Créditos na foto

Silva Escura, pequena aldeia de Sever do Vouga, onde cruzamos maior parte do caminho pelo asfalto, e curiosamente sempre a descer. Uma maneira simpática de nos levar as profundezas, e relembrar que até à serra do Arestal é sempre a subir.
Ali na aldeia, recuperei a caixa, e estava entusiasmado por estar com pernas e com a sensação de ainda poder dar mais, as coisas estavam a correr bem. Pelo menos até ali…
A subida já havia começado algum tempo, mas nada de muito agressivo, com algumas abébias pelo meio, o que até facilitava a coisa, mas ali não havia margem para dúvidas, não precisava de indicações, nem de ninguém que me indicasse que a real subida iria dar inicio. Recordava o gráfico publicado pela organização, e era por esta altura que as coisas iriam tornar-se mais sérias.
Ainda que com um começo algo tímido, paralelo a um riacho, e só depois mesmo pelo meio do mesmo, sentia-se que as coisas iriam começar a complicar. E não demorou muito, até entrarmos em trepa paredes, onde os pequenos montes apenas eram transpostos pelo piso já calcado de quem ali havia passado.

Não se corria, nem se esforçava, enquanto formávamos uma fila onde marcava o ritmo, e os restantes me seguiam. Aos poucos fomos alcançando quem até ali nos precedia, e os últimos da prova de 47KM. Pé ante pé lá fomos avançando sem grande história nem palavras, apenas ouvindo a respiração, e o pousar das sapatilhas em pequenos ramos já ali tombados.
Era longa, e acentuada, sem que por breves momentos desse sequer a possibilidade de ver o topo. Era oculto pela alta vegetação, e pelas travessias que nos levava a mais uma subida. Ali comecei a sentir algum desgaste, mas também contente por não ter caibras dado já o longo tempo que levava a fazer o mesmo movimento.
A travessia da estrada nacional, indicava a chegada a Portas Vermelhas, e realmente era uma cor de alarme, as coisas não suavizavam e o fim continuava sem se avistar. Estava desgastado fisicamente, e psicologicamente estava a ser uma tortura por não saber o que faltava.

Faltavam poucos metros para um terreno mais rochoso, e onde conseguia ver alguns a correr após o transpor.
Seria ali o fim do tormento? Sim e não…
Realmente as coisas modificaram, já não havia paredes, nem nada de muito técnico que obrigasse a maior atenção ou agilidade, porém os músculos estavam amassados devido à longa subida.
Queria um abastecimento, que estava previsto ao quilómetro 16,5, mas que o meu relógio contrariava, visto já acusar pouco mais de 16 e não ter sinais de vista.
Ia trincando uma barra enquanto caminhava um pouco para recuperar, as pernas que até ali se tinham portado lindamente, estavam agora desfeitas.
Conhecia a zona do Arestal onde iríamos passar, mas naquele momento não me estava a conseguir situar, até finalmente entrar num estradão que nos levava por entre duas das poucas casas que ali existe.


Créditos na foto

Assim que reconheço o local, vejo algumas pessoas ao fundo que davam apoio e nos levavam até ao abastecimento que apenas surgiu quase aos 18 KM. Sentia-me vitorioso, e a partir dali era sempre a descer, bastava ter pernas, que naquele momento não me pareciam capazes para tal coisa.
Dirigi-me ao abastecimento, e usando o que ali havia, tentava recuperar energias para enfrentar os restantes quilómetros até à meta.
Assim que retomo o percurso, inicio uma ligeira corrida, mas noto que as pernas ainda estão perras e insistem que não querem correr. Ao mesmo tempo, sinto um ligeiro desconforto no estômago, e fico cariz baixo. Agora que queria aproveitar para conseguir rolar devidamente, não estou capaz de o fazer. A altitude, e o local mais sombrio, trazem novamente o frio, que me congelam as mãos, de tal maneira que me obriga a embrulhar na gola que trazia no pulso.
Só uns metros mais à frente consegui com que recuperasse a temperatura, e as pernas também ficavam mais soltas, ainda que travem ligeiramente.

A descida não tem grande história, grande parte feita em estradões, corta fogos, por vezes lá se fazia um ou outro trilho que fazia abrir o olho, mas nada de sonante.
Aos poucos as pernas vão permitindo abusar mais, volto a conseguir impor o ritmo que desejava desde inicio e deixo de pensar em mazelas ou dores de pernas, só queria aproveitar os últimos quilómetros de uma descida que noutras circunstâncias teria sido melhor aproveitada. Com cerca de 21 KM já intercalávamos o caminho com a prova mais curta até à linha da meta.
Entro em Sever do Vouga, e não há mais trilhos, somente asfalto até ao parque de Lazer local, onde estava a meta.


Equipa Vale Correr

Foi uma modificação em pleno, a alteração de percurso, foi a mais sensata e mais acertada, ainda que ache exagerado a passagem por estradões, está algo mais bem desenhado e de forma a triturar cada um que se atreveu a participar.
Tudo se resumiu a uma subida, onde obtivemos mais de metade do acumulado, ainda que bastante oculta de inicio, mas já com vista a nos receber, torturar e atirar-nos sem pernas para uma descida que por ela só pede para correr.
São Pedro ajudou, e contribuiu para o sucesso desta edição, com uma organização bem ciente do que era necessário para o conseguir.