quarta-feira, 14 de março de 2018

Maratona do Porto

Euforia, ansiedade, entusiasmo, uma criança no dia de natal. Este era eu no dia 5 de novembro.
A mítica distância de 42 quilómetros estava já na minha cabeça algum tempo. Desde de Dezembro de 2016, quando aproveitei a habitual promoção para fazer a inscrição. O grande passo estava dado, a partir daí seria habituar-me à ideia, e treinar para isso. Ainda tive a oportunidade, prematura de fazer a mesma distância na Lousada, mas não sei porquê parece que me ficou a faltar alguma coisa. E a prova disso foi a passagem pela Maratona do Porto.


Após a meia de Ovar, tive ainda tempo para fazer mais 2 treinos longos, e forçar um pouco as pernas, e finalmente descansar para o dia “D”. Pouca ou quase nenhuma preparação me iam impedir de deslocar para o Porto para correr, se não fizesse a correr, caminhava, se não conseguisse em 4 horas, iria para mais. Não me importava, apenas queria viver aquele ambiente que apesar de ainda não ter experienciado, já tinha lido e visto vídeos que mostravam que seria uma diversão.

Apesar de pensar neste dia, apenas no dia 4 de novembro caí na realidade que já estava quase. Com o rápido e fácil levantamento do dorsal e kit de participante, aproveitei para dar uma visita pela feira que completava todo aquele evento, apenas não usufrui da pasta party, por ter acabado de almoçar há relativamente pouco tempo.
E estava tudo pronto para o dia seguinte. Dia esse que chegou rapidamente, e que não quis precipitar em nada, tendo já tudo mais ou menos orientado do dia anterior.
Apesar do arranque ainda cedo com o meu primo habitual de outras aventuras, e mais o grupo que ele habitualmente corre, chegamos um pouco em cima da hora, tendo que fazer uma breve corrida até à partida. E a confusão era imensa, mas felizmente conseguimos chegar a tempo e horas, com poucos minutos de antecedência.

Muito lá para trás
A partida rapidamente foi dada, e estava dado os primeiros passos de milhares que iriam ser até ao final. Ao som de Red Hot Chili Peppers – Can’t Stop, não se poderia parar, e assim foi. Com uma multidão enorme a percorrer as estradas do Porto, seguimos para a Avenida da Boavista, que ajudava a dispersar um pouco. Pouco depois saindo dali, contornamos o parque da cidade, fazendo ainda um pequeno retorno, seguindo até à rotunda da Anémona que nos iria conduzir até ao porto de Leixões. Novo retorno, e passamos novamente na mesma rotunda, e na partida levando-nos assim para o resto da prova junto ao rio Douro.
Por brincadeira ou não, para ir com algum objectivo, eu e o meu primo, colocamo-nos entre as bandeiras das 3.30h e 3.45h, podendo deixar ser ultrapassados por estes últimos, mas nunca pelas 4 horas. Resumindo, queríamos tentar chegar antes das 4 horas.

Os abastecimentos foram sempre obrigatórios e não deixei nenhum ao acaso. Os ritmos até estavam a ser bastante bons, e conseguimos seguir sempre juntos.
Perto do quilómetro 15, coloco à frente do meu primo para ser eu a puxar um pouco ao ritmo que até ali impusemos. Estava espantado que as pernas estavam a responder bem, e estavam a deixar seguir sem problemas. A ajuda externa e o apoio, foram sempre constantes, e alimentavam bem qualquer um. Aos poucos reparei que o meu primo ia abrandando e não conseguia manter o mesmo ritmo, assim também abrandei, e fomos um pouco mais devagar, sem problemas. Chegado à Ribeira, uma das zonas mais emblemáticas do Porto, e da Maratona, é um ponto viral nesta distância.

Rotunda da Anémona
Um pequeno exemplo das muitas gargalhadas que dei
Como disse há pouco, o apoio foi-se ouvindo ao longo do percurso, mas na Ribeira que ligava à ponte D. Luís a situação era outra. A multidão era tanta, que a prova se transformava numa autêntica festa. Atravessamos a ponte, e do lado de Gaia temos a vista sobre o rio Douro e do Porto por onde já viemos inicialmente.
Atingido os 21 quilómetros, e continuamos viagem para novo retorno, numa das fases mais complicadas do trajecto, tendo em conta o piso. O asfalto que aqui existe tem bastantes buracos, e irregularidades, e quando o asfalto não existe, é substituído por paralelos, sendo estes bastante dolorosos para os pés, forçando muitos atletas a desviarem-se para o passeio.
Contudo fazia parte do caminho definido e teria que ser feito, de uma forma ou de outra. Aos poucos vou verificando que a minha companhia começa a abrandar, e a ficar para trás, chegando a sermos ultrapassados pelas 3.45h.

Subida da Ribeira para a ponte Dº Luís
Dos momentos mais arrepiantes
O cenário tinha mudado de figura, estava aberta uma luta contra o continuar e o desistir, e o parar ali era cada vez a ser mais uma verdade que uma ideia.
Por diversas vezes apoiou-me e levou-me ao final sem que eu ficasse para trás por qualquer que fosse o motivo. Desta vez, essa função seria a minha, e custe o que custasse teríamos que atravessar a meta juntos, nem que fosse a caminhar. Felizmente o meu cenário era completamente diferente não estando ainda com mazelas, e ainda com boa resposta das pernas. Nova travessia pela ponte D. Luís, com, novamente, uma animação incrível, e em direcção ao último retorno que era feito já junto à ponte do Freixo.
Atingida a marca dos 30 quilómetros, e os problemas musculares começam a vir ao de cima, e a posição de desistir continua a ser o tema, mas com persistência sempre afastei essa ideia da cabeça dele, e intercalando a caminhada e corrida lá continuamos até à passagem pelo túnel, que tem um toque perfeito pela organização.
Fantástico!
Já com sensivelmente 33 quilómetros, deixamos de novo a ponte D. Luís e a sua multidão para trás, e entramos num curto túnel ao som do tema “Chariots of Fire”, e ao ouvir isto arrepio-me com uma cena que me apercebo à minha frente.
Poucos metros um atleta me antecedia, com já algumas queixas e cansaço aparente, mas de mão dada a uma criança, esta lhe dizia para ter força e continuar.
Concluindo o túnel, nova estrada em paralelos, mas sem grandes hipóteses para fugir destes, e descer até à estrada que já havíamos percorrido na vinda, levando-nos até à meta pelo mesmo percurso inicial.

O meu primo acabou por aceitar que não o deixaria para trás, e concordou em terminar a prova, ainda com uma pequena paragem por um dos controlos médicos, apenas para colocar o spray nas pernas de forma a aliviar um pouco a dor que lhe incomodava algum tempo num dos gémeos.
Aguardei por ele, e assim que voltou, tentamos impor um pouco de corrida para ver se a dor teria aliviado, e felizmente conseguiu. Contudo o desgaste todo estava lá, e teria que ser gerido até ao final. A presença de pessoal a dar apoio ainda era continua, mesmo que mais escassa que inicialmente, mas já era normal tendo em conta o tempo que andávamos ali. A bandeira das 4 horas já nos tinha ultrapassado e não nos importamos muito com isso. Aliás ainda nos rimos com essa situação, seria o tempo que fosse.

Como já devem ter reparado, uma das chaves e grandes feitos desta maratona é a presença de um grande aglomerado de apoiantes que nos incentivam a cada passo que damos. Desde uma pessoa completamente estranha chamar por o nosso nome, por causa do dorsal, e dar-te força, a pequenos momentos ou frases que nos dizem que ficam gravados.
Já na penúltima subida, tive mais um desses momentos.
Estava a tentar com que o meu primo ganhasse animo e energia para fazer a subida que com quase 40 quilómetros estava a ser dolorosa. Com algum esforço a foi fazendo até parar e voltar a caminhar, quando olho para trás, e em conjunto com pessoal de fora puxamos por ele. Uma das pessoas reparando nesta situação, aplaudiu-nos dizendo “Grande companheirismo. Juntos até ao fim.”. E sim, foi esta a receita para esta maratona. Não só por ele estar num dia não, mas também por ele já o ter feito por mim.
O mal dele, também acabou por ser o meu bem, ou assim o vejo. Penso que a minha preparação não foi a ideal para esta prova, e provavelmente em algum momento também iria quebrar, no caso de continuar ao ritmo que estávamos a tentar impor inicialmente. Apesar das boas sensações que foi conseguindo ter ao longo de toda a prova, e da boa resposta das pernas, havia uma grande probabilidade de também eu empenar.


Voltando à prova, e após esta subida temos a longa recta que nos leva até à rotunda do Castelo do Queijo, ligando novamente à rotunda da Anémona que nos obriga a um último esforço a subir até queimódromo do Porto. Aos poucos vamos ouvindo o speaker, e sabemos que estamos perto do final, os últimos incentivos por quem ainda ali anda, e o grande momento de atravessar a meta. A subida é feita como se estivéssemos a iniciar a maratona, o sorriso ocupa a o seu lugar na cara e com orgulho de tudo aquilo que fiz calco a passadeira vermelha que me leva até ao último pórtico e à meta. Fantástico terminar desta forma uma distância que merece respeito, e que tanto de nós exige. Ver o sorriso e as lágrimas, os beijos e abraços, no fundo uma vitória pessoal para cada um. Sem dúvida fiquei agarrado à prova.


Até para o ano Maratona do Porto!

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