segunda-feira, 14 de outubro de 2019

Freita Skyrunning - Um dia não


Nem sempre a coisa corre como queremos, e aí, resta-nos pensar no que correu mal, no que poderia ter corrido melhor, levantar a cabeça e seguir em frente.
A Vadia Mini Skyrace, foi o regresso aos trilhos após uma longa paragem, também um pouco feita de forma a ver como estava, e digamos que um treino para a Freita Skyrunning, essa sim, seria a prova que queria deixar, dar, e entregar tudo de mim, não para resultado pessoal, mas sim pela equipa Vale Correr. Queria assegurar que era um dos que contribuía, ou tentaria contribuir para chegar ao pódio de equipas, se possível ao 1º lugar.


Foto da organização

E foi nesse pensamento que me desloquei para a Felgueira, aldeia de Vale de Cambra, mesmo na base da Serra da Freita.
A partida, feita num local diferente das 2 primeiras edições, deu-nos a possibilidade de percorrer um pouco por entre a aldeia, mas que rapidamente nos levaria para o habitual percurso desta prova. Os primeiros quilómetros eram um excelente aquecimento, bastante espaço para correr, e caminhos completamente limpos, por um longo estradão deixando a serra para trás. Somente aquando o inicio da descida, é que somos despertados para um maior controle da nossa corrida, de onde poderíamos ou não colocar o pé, nada de muito agreste, mas o suficiente para ter mais atenção.
Foram cerca de 2 quilómetros a descer sem grandes problemas, pelo menos até chegar a Cabrum, onde nos fariam voltar à Felgueira.

O retorno, realizado por caminhos diferentes ao inicialmente feito, eram mais diversificados e mais bonitos, mas como era lógico tinha que ser a subir, transpondo pontes, escadas, um pequeno rio, e alguns muros em pedra já tombados.
Adorava poder dizer que me diverti ali, mas infelizmente foi uma pequena tortura. O joelho manifestou-se durante uns metros, e impedia que conseguisse correr normalmente sem dores. Ia com cerca de 5 quilómetros, e a ideia de ter que abandonar a prova já pairava na cabeça.
- “Estaria a piorar a situação?” – “Iria parar logo agora que estava a começar a diversão?”
Abrandei o passo, e ao mesmo tempo a dor atenuou, sentia melhor, pelo menos do joelho, mas surgia um outro problema, estava ofegante e sentia cansaço físico e as pernas estavam pesadas.
Comento isso com o João Paulo que estava a ver-nos passar mesmo na aldeia da Felgueira, indicando que vou bem, ia em 11º, para abrandar e descansar um pouco naquele que era o segmento mais corrivel de todo o percurso.


Foto da organização

Estava quase com 7 quilómetros já percorridos, e estava cariz baixo, não estava a dar, não conseguia correr uns 100 metros sem ficar ofegante e cansado.
Calma, pensei. Caminha um pouco, respira fundo e deixa o corpo refrescar. Aos poucos ia tentando um trote, até sentir a respiração mais controlada, e as pernas a responder, vamos lá, agora sim.
Um longo estradão, deu-me ousio para puxar um pouco mais, talvez em busca de recuperar algum tempo perdido atrás. Voltava a ter o andamento enquanto ia ultrapassando alguns atletas, até recuperar a posição perdida.
Regressava a Cabrum, onde tive uma curta paragem no abastecimento. Comi e enchi as flasks, e voltava à corrida.
Finalmente estava a sentir-me bem, conseguia puxar sem grandes problemas, não estava com quebras, nem com faltas de energia, comecei a deduzir que o fraco aquecimento que fiz tivesse tido algum impacto, mas teria que continuar a gerir para a grande subida da prova.


Chegada a Cabrum. Foto da organização

A gestão foi feita logo que chego à levada, onde tinha que ter cautela, caso contrário, seria um tombo monumental, mesmo assim estava a seguir minimamente rápido.
Chegava à longínqua aldeia de Paraduça, que indicava a 3 coisas – a primeira, era que todo o esforço até ali feito, se não fosse bem gerido iria sofrer – a segunda, era a proximidade de uma subida curta, mas inclinadíssima que era um pré-aquecimento para a subida, que nos leva ao terceiro ponto, a grande subida. 4 quilómetros que nos acrescentava cerca de 800 metros de desnível, sem dó nem piedade.
Mas uma coisa de cada vez, primeiro abrandava um pouco a passada enquanto atravessava a aldeia, até entrar no longo caminho que nos levava até ao fundo da Freita, às entranhas daquela serra.
Sem antes ter de enfrentar aquele pinhal, curto, mas inclinado ganhando 100 metros de desnível em pouco mais que 400 metros de distância.
Não saí dali com pernas nas perfeitas condições, mas ainda com capacidade, capazes de continuar. Não desatei a correr, faltava uma louca descida. Aquela que sempre me fez confusão, e sempre irá fazer, visto ter uma inclinação entre os 30 e 40%, uma autêntica parede.

Estava no fundo, nas Berlengas, cheia de caminhos e pequenas casas em pedra abandonadas, onde já passei por diversas vezes, sabia o que ia enfrentar, e o que poderia e como deveria fazer para subir, tinha tudo estudado na cabeça, mas nada nem ninguém antevia aquilo…


Créditos na foto. - Desde lá do fundo...

Até lá cima. Créditos na foto

- “Vamos por partes, com calma e sem grandes lamúrias ou excentricidades” – pensei.
Juntava-me a mais dois atletas, seguíamos em comboio na típica escadaria em pedra irregular que compõe aquele local.  O silencio apenas é interrompido com a respiração, e com cada passada que damos, enquanto atravessamos as inóspitas casas. Há um pequeno brinde, uma pequena descida que nos leva até à travessia do rio, a partir dali não há brindes, não há surpresas agradáveis, nada. Apenas escalar e subir, trepar até ao ponto mais alto.
São cerca de 200 metros, mais coisa menos coisa, onde a única função que é possível de fazer é trepar. Não ter alguma base de apoio sólida onde colocar a mão para ajudar a progressão é um sacrifício para as coxas, toda e qualquer rocha, ou árvore, que possa colocar a mão é sem dúvida a única coisa agradável que aquele local tem. Esteve sempre uma manhã fresca, com o sol por vezes a espreitar, mas sem ser forte o suficiente para incomodar. Não que ele conseguisse atingir ali naquela “fundega”, mas o ar, esse elemento era insuportável.

Antes uns dias ia vendo o tempo para sábado, sempre a pedir que não chovesse, mas naquele momento rezava por uma pequena brisa fresca. Parecia que tinha entrado numa sauna, ar pesado e um calor imenso, dificultava a respiração e aos poucos a progressão, sentia-me acabado e sem energias.
Perguntava a quem vinha atrás se queria passar, quando me respondem que não, que vão bem naquele ritmo. Mas eu não, não ali, não naquele dia, era um dia não.
Logo que termina toda aquela tortura, entramos na crista daquele vale, seguindo por um caminho não tanto inclinado como o anterior, mas inclinado, não tão técnico como o anterior, mas técnico dadas as circunstâncias.
Aquele inicio de subida, não só me derreteu as pernas, como a cabeça, fiquei sem reacção, sem pensamentos, vazio. Estava derrotado.
Até que se deu o clique, alguma coisa estava mal e tinha que perceber o que era rapidamente, reparava que tinha transpirado em abundância, tinha a roupa colada ao corpo, e a reserva de água estava mesmo a terminar, e o abastecimento que havia na divisão da subida, ainda faltava.

Vou mandar um gel abaixo, esse pensamento bastou para perceber que nem o meu estomago estava para aí virado, substituo então por uma barra, que assim que a dou uma trinca deu para perceber o estado em que me encontrava, a desidratar. O grupo que ia a liderar naquela subida acabaria por seguir, enquanto eu ficava para trás, sem força sem nada. Teria então o pensamento mais correcto para o meu bem-estar, no abastecimento terminava, ali ficaria, e desistia.
Continuar naquele estado iria ser um sofrimento total, e não estava disposto a isso.
Assim o fiz, logo que chego ao abastecimento, falo com quem ali está, e digo que ali fico, enquanto me tenta convencer do contrário.
Mantenho a palavra, até ele perceber que estou mesmo decidido. Restava beber água, comer, e continuar a beber água, enquanto vejo imensas pessoas a prosseguir caminho. Acho que em circunstâncias normais, teria chegado ao final em boa posição, mas isso fica apenas na minha ideia e nunca saberei se o conseguiria. A prova tinha terminado para mim, parei o relógio, e cumprimentava a malta que me vinha perguntar o porquê de ali estar.
A malta da equipa ia chegando, e vinham ter comigo, viam que estava bem, e continuavam para lutar pelos objectivos, tanto de escalão, como de posição feminina.
Até aparecer o Paulo e Roni, chegaram e vieram ter comigo, naquela altura já me sentia melhor, já tinha hidratado e comido, estava claramente renovado. Insistiram comigo para continuar com eles, que iam devagar, também não havia outro método dado a continuação da subida, e acabei por ceder.


A derrota espalhada na minha cara. Foto da organização

A prova já tinha terminado para mim, por companheirismo e por desportivismo acabei por continuar e desfrutar dos trilhos de forma diferente, da forma que desfrutava quando me iniciei nisto.
Inicialmente ainda me fez confusão aquela subida, e deu-me a sensação que não estava preparado, o facto de ter estado sentado, travou-me as pernas, e só após alguns metros, consegui com que estivesse mais solto. Em caminhada lá fui progredindo rumo ao topo, mesmo no alto de uma crista bem saliente.
A passagem nas escarpas, significava o fim da fase mais complicada, dali para a frente, tudo melhorava, a começar pelo abastecimento numa zona mais plana, e só depois subir um pouco mais até à torre meteorológica.
Foi ali, no abastecimento que o Paulo seguiu e fiquei com o Roni, ele que agora acusava caibras, e que não estava a conseguir correr minimamente sem sentir um pouco de dor, fiquei para trás, agora eu a puxar por ele, até ao final.


Radar meteorológico. Foto da organização

Logo após a torre, e por distracção, seguimos o trilho errado, e 200 metros depois, tivemos que voltar para trás. Descemos então até à aldeia da Castanheira, que nos levava à descida para a meta. Num pequeno carreiro, sob várias pedras prosseguimos até à aldeia da Felgueira.
Foi de facto um dia não, apesar de ter terminado, não foi da forma que queria, ou da forma que pretendia fazer, não consegui contribuir para o troféu da equipa, mas que os restantes atletas se esforçaram para o ganhar, numa prova que continua fiel a si mesma, bestial.

Vale Correr em grande


2 comentários:

  1. Depois de tanta pancada e tanto desânimo, enganar no caminho é o derradeiro murro no estômago que te estava a faltar! Quando é a próxima corrida de montanha? :)

    Pedro Viana
    https://andaviana.wordpress.com/

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    1. Foi sofrida sim, mas lá a fiz.
      Entretanto já fiz mais uma de montanha.
      A próxima só para Janeiro, (Vouga Trail).

      Abraço

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