sexta-feira, 7 de junho de 2019

Vouga Trail - Que rica molha


Eram sete horas da manhã quando o despertador toca. Arrepio-me mal saio da cama, para me preparar para mais uma prova por trilhos. Não demoro muito e espreito o tempo, para confirmar o que já esperava. Estava escuro, frio e chovia com perspetiva para se manter durante todo o dia. O que dava para me manter debaixo dos lençóis.
Só mesmo o meu lado mais aventureiro, me arrastava para o ritual matinal pré-prova, e mesmo esse não impediu um pequeno atraso para encontrar com os restantes elementos da equipa.
A viagem era curta e rápida, afinal Sever do Vouga é ali mesmo ao lado. A enxurrada que São Pedro reservou para aquele dia ainda não tinha parado e a juntar à chuva, o frio fazia companhia.


Era uma prova linear, e os autocarros eram o contraste do tempo lá fora, quentinho e confortável. Mas com a chegada à aldeia de Silva Escura, e colocando o primeiro pé fora do autocarro dava-se pela diferença. Aguardávamos pela hora da partida dentro de uma pequena casa que ali havia, e pelas 09.30h já ao relento, debaixo da chuva deu-se o tiro de partida.

Arranquei um pouco mais na frente do que o normal, e a estrada até aos primeiros trilhos eram bem rolantes, e numa forma de aquecer coloco-me a correr como um desalmado. Ao mesmo tempo que aquecia, ia dispersando da maior confusão.
Com o fim do asfalto, entravamos naquilo que já se previa, lama. Um piso muito incerto em single track com raízes, lama e desvios constantes.

Tentava minimizar o contacto com a lama sempre que conseguia, mas era difícil, estava espalhada por todo o lado. Entravamos no parque de Cabreia, e nem as escadas em pedra facilitavam, e ao fim de algumas simulações de queda, eis que o pé não encontrou o melhor apoio e valeu-me o apoio no corrimão em madeira. Não havia sido aparatosa, daí ter-me levantado imediatamente e seguido a correr, mas deu para o susto.
Atravessávamos o rio e o panorama era o mesmo, num pequeno caminho com pequenos troncos saídos da terra solta e inclinada em direcção ao rio. Por diversas vezes me perguntava quando ia dar um mergulho, devido à imprevisibilidade do terreno.
 
Cascata Cabreia. Créditos: Organização
Sair dali, foi um alivio, entrava em estradões em que a única preocupação que tinha de ter era a atravessar os largos charcos de água castanha sem saber a profundidade. Mas visto bem as coisas seria o menor dos problemas.
O Vouga Trail, foi um pouco diferente, pelo menos para mim, de tudo o que fiz até agora. De uma forma geral, as provas iniciam-se a subir e terminam a descer, esta seria ao contrário. Um início bastante rolante com várias descidas à mistura, o desnível todo no centro da prova, e uma subida até ao final. A chuva, frio e vento misturado fez com que todo o percurso parecesse estar preenchido de ratoeiras, à espera de um deslize para uma magnifica queda.

Valia mesmo os estradões, que tinham um piso mais consistente e menos escorregadio.
A primeira subida era um desses exemplos, as pedras substituíam a lama que já não era tão visível, mas nem assim facilitava aqueles cerca de 270 metros em 1 quilómetro.
O pouco que conseguia correr era quando a inclinação diminuía, mas honestamente estava mais interessado em ver onde colocava o pé. O impermeável foi fulcral, e um verdadeiro teste para ver se realmente estava aprovado. Não houve momento algum em que sentisse frio, nem que a chuva perfurasse aquele casaco. E quando caminhava era nele que deixei a minha confiança para não arrefecer. Ainda consegui retirar uma ou duas vezes o carapuço da cabeça assim que surgisse uma aberta, mas a chuva teimava em voltar logo de seguida.

Nos metros finais já consegui voltar a correr, e mesmo no alto, com o descampado daquele cume o vento mostra que também veio, empurrando a chuva para a cara. Começo a ver o abastecimento ao longe, e sigo a correr. Não parei muito tempo, apenas alimento um pouco e sigo viagem.
Nesta última corrida até ao abastecimento senti as pernas um pouco presas, talvez pela recente subida. Volto a tentar correr no pouco plano que nos leva até à grande descida, e já me sinto mais solto, até começo a abusar, mas a bruta descida que me aparece, obriga a abrandar.

Ia precavido, e continuava com receio de colocar mal o pé onde quer que fosse. Ao mesmo tempo começo a perceber que naquele dia não estava com pernas para descer, e o estado em que estava o terreno devido à chuva desmotivava mais ainda. Tinha que controlar aquilo de que maneira fosse. As descidas estavam a ser massacrantes, mas os single tracks que repentinamente se colocavam eram técnicos devido aos vários riachos de água, e pedra solta e molhada.
Aguardava um bom piso para poder correr, e assim o fiz assim que volto a ter caminho para isso. Eram variações de ritmos constantes, entre subidas, descidas e caminhos mais ou menos técnicos. Aproximava-se a próxima subida, provavelmente dos percursos menos interessantes da prova, valia a companhia e a conversa que ia tendo num grupo de 5 atletas que ali íamos juntos.

Uma valente molha
 Foram poucos metros, e um pequeno momento de distracção que fez com que nos enganássemos no caminho, mas confesso que havia partes que poderiam estar melhor reforçadas com fitas. Reencontramos as fitas, e num pequeno desvio por entre mais lama voltamos ao caminho original. Devido ao piso muito escorregadio, perco um pouco o contacto com o grupo. A travessia numa pequena aldeia ajudou a que me aproximasse deles, foi uma passagem longa em estrada até chegar de novo a mais corta fogos.
Mais uma longa descida, em que acabo por ficar para trás, e uma vez mais por não conseguir estar à vontade a descer, fosse de que maneira fosse. A Ecopista do Vouga, foi como um refresh às pernas, arranquei um pouco ofegante e pernas pesadas, e consigo controlar toda a situação e correr minimamente.

Chegávamos ao segundo abastecimento dentro dum pavilhão, e foi como se me desse o clique de que teria que gerir bem estes últimos quilómetros.
As pernas estavam novamente pesadas, os músculos um pouco duros, só podia ser consequência do exagero de treinos nessa semana.
Demorei um pouco mais no abastecimento, volto para a ecopista, e mais asfalto. A travessia do rio Vouga diferenciava o piso, fora isso, atrevo-me a dizer que andamos cerca de 2 quilómetros em estrada. As estreitas ruelas daquela aldeia de Pessegueiro do Vouga era a única coisa que tornava aquela fase mais divertida. O seguimento pela estrada era de tal maneira continuo que uma vez mais engano-me no percurso, volto para trás, e volto a encontrar as fitas, um pouco mais discretas por meio de uns campos para variar a monotonia.

Saído daquela aldeia, voltamos à estrada nacional, para iniciar a última subida, e por pouco pensei que fossemos subir até ao final sobre o asfalto.
Talvez fosse melhor, talvez fosse pior, não sei, mas foi ali que comecei a deitar a toalha ao chão.
A entrada na última subida por trilhos era uma mini trituradora de pernas.
A subida era tudo menos consistente para sequer pousar o pé, estava completamente desfeito devido à muita pedra, à terra completamente recortada pela água que a percorria, e cheia de pequenos ramos das árvores que por força do vento foram tombando.
Chegar ao topo foi como uma vitória, estava a começar a sentir massacrado. As descidas que se foram interpondo finalmente eram mais acessíveis, e foram como um alívio para as coxas.

Entrava em mais um single track, e parecia que voltava tudo atrás, a lama voltara a aparecer, juntava-se as encostas que exigiam usar todos os membros para subir, e as coxas e gémeos a gritar por clemência.
Insistia que iria terminar aquilo, e que a toalha não ia ao chão por nada. Mais alguns estradões e começo a aguardar a meta. Tento estar atento a ver se ouço algum barulho da meta, mas em vão. Por vezes ainda punha a hipótese de me ter enganado em alguma parte e estar no percurso dos 42KM.
Entrava num ecossistema diferente, tudo mais verde e sem a confusão habitual do mato. Foi dos trilhos que melhor me lembro por duas razões. Pela diferença de tudo aquilo que fizemos, e pelo empeno que levei. Eram imensas as encostas que teríamos que subir, mas a lama, e já a falta de apoios para pousar o pé era impossível subir aquilo sem escorregar. Numa das situações aconteceu mesmo, estar a subir em paralelo a outro atleta, e ele continuar e eu deslizar para trás por não encontrar apoio. As raízes que se escondiam por baixo da lama foram a solução, apoiando as sapatilhas, e fazendo o impulso com as pernas para subir. As minhas coxas rebentaram por completo ali, estava completamente desfeito. Aguardei uns segundos, e caminhei um pouco. Só queria sair dali.
 
A aguardada meta
Atravesso por entre umas casas, e chego a Sever do Vouga. Finalmente conhecia onde estava e dali à meta era um instante. Rejuvenesci naquele instante, e volto a correr. Já não queria saber das coxas, nem dos gémeos, de nada. Só queria atravessar a meta e terminar.
Finalizei um sufoco total para as pernas, um pouco mais tarde do que estava à espera.
Sei que estava minimamente preparado para fazer a distância sem problemas, mas o facto de estar com excesso de carga condicionou bastante ao final de alguns quilómetros. O tempo sem dúvida não ajudou, e a muita lama exigiu mais do que o que estava à espera.
É uma primeira edição, que fica um pouco a desejar, talvez o tempo que esteve contribua para esta decisão, mas revendo bem todo o percurso, é à base de estradões e mais estradões, que deve ter sido das palavras que mais usei durante esta crónica. Os single tracks eram impecáveis, mas a chuva tornou-os de tal maneira agrestes que complicou tudo. Para além disto, achei que houve muita estrada. Provavelmente com um clima diferente, e alguns ajustes durante o percurso, a coisa funcione bem melhor.

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