Havia um ajuste de contas a fazer com este percurso, algo que ainda não tinha aceite de animo leve, que das duas vezes que ali coloquei os pés, não havia corrido como pretendia.
O percurso é simples, 25 KM com 1500 D+, onde o segredo é desvendado à chegada da principal subida da distância, dependendo do desgaste que causaste até ali chegar. E aprendi isso facilmente logo na estreia, em 2018, quando me arrastei pela subida a suplicar que aquilo terminasse. Já em 2019, achei que duas provas seguidas não iriam ser um problema, e ao fim de cinco, seis quilómetros já adivinhava o desfecho, tendo sido a minha pior prestação.
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Créditos na foto
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Não que achasse que fisicamente havia melhorado, e talvez até estivesse, mas mentalmente sabia que estava empenhado, e com rigor, coisa que até então nunca foi o principal foco. Notei isso logo nos dias antes da prova, nas inúmeras vezes em estudei o percurso, onde abusar, onde descansar, onde comer, o que comer, enfim...
Admito que o facto de conhecer o percurso na sua totalidade, facilitou a vida, ainda que com algumas diferenças em relação às anteriores edições, mas na grande maioria não iria fugir aquilo que já haviam enraizado desde a primeira edição.
Passaram-se 15 dias desde Vadia, mas as lições que aprendi ainda estavam bem frescas, como aquela manhã na aldeia de Felgueira – Vale de Cambra.
O local de partida voltava às origens, no campo de futebol, onde vi partir os 42KM, enquanto aquecia e aguardava pelas nove horas para chegar à minha vez.
O habitual controle do material obrigatório, o que acho ser benéfico para ambas as partes, e aguardar pelo tiro de partida.
Eu e o Élvio eventualmente iriamos andar não muito distantes na fase inicial, depois mediante a condição e objectivos de cada um, poderíamos separar um do outro. O Fábio fez questão de vir testemunhar isso, e contribuir também para o melhor desfecho possível de ambos.
E isso verificou-se ao fim de uns 400 metros, já quando íamos a subir, quando ouço uma voz “João, cola-te aos da frente”, olhei para o lado e estava lá o Fábio, a fazer de treinador. O Élvio ia a poucos metros dos primeiros, eu mais contido estava um pouco mais para trás, e lá apressei um pouco mais a passada, tanto para desprender da maioria, como para dar mais “calor” à minha prova.
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Ainda fresco. Créditos na foto
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Mal iniciei a descida, deparei-me completamente sozinho, via por vezes alguém à minha frente, mas para trás deixei de ver ou ouvir, tanto que acabei por me desligar da possibilidade de ser ultrapassado.
Foi sensivelmente aos três quilómetros que apanhei o Élvio, estava a ser ultrapassado também ele pelo homem que vinha eu a seguir desde que iniciamos a descer.
Para mim não era novidade nenhuma que ali já se via muita gente a abrandar, após uma abrupta descida, e sendo bom tecnicamente, é feita a um ritmo louco, o problema é manter esse mesmo ritmo quando já não se desce mais.
Ia intercalando corrida e caminhada enquanto voltávamos para a Felgueira mesmo para o centro da antiga aldeia, primeiro por entre antigos caminhos cobertos de grande arvoredo, e depois pelos caminhos aos campos, onde o gado ainda percorre para se alimentar.
Era altura de deixar Felgueira para trás, e rumar a Cabrum, por um estradão que nos “obrigava” a correr. Hora também para dar inicio à rigorosa alimentação e hidratação mais rigorosa, fruto do meu intensivo estudo. Não que estivesse a desidratar, mas o frio já havia deixado para trás há alguns quilómetros atrás, e o calor do corpo já havia proporcionado alguma transpiração, e queria evitar o já habitual erro, beber só quando tiver sede.
Juntava-se a nós o Fábio, que fez questão de nos “rebocar” a partir dali, num estradão enganador, e que vai deixando algumas mazelas. É um autêntico carrossel, onde se está a subir ou a descer, mas sempre a correr, o próprio piso, parece que obriga a isso mesmo, e eu só me deixei levar. As pernas permitiam que conseguisse andar livremente, e a respiração sempre controlada, sem andar no limite acompanhava aquela loucura.
O Élvio teve algumas dificuldades em acompanhar numa inicialmente, mas com algum esforço e apoio do Fábio acabou por se encostar e voltamos a agrupar, pelo menos até ao abastecimento. Não era a melhor altura para ignorar o rigor, independentemente de tudo estar a correr na perfeição, e ao contrário do Élvio que seguiu, parei. Parava para encher as garrafas de água, que apesar de ainda não necessitarem de ser totalmente repostas, sabia que dali ao próximo abastecimento ia necessitar de uma boa quantidade de líquidos, para além do sol estar a dar algum ar da sua graça.
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A chegar a Cabrum.
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Voltava a correr enquanto trincava um pedaço de banana, rapidamente voltei a ritmos rápidos o suficiente para encontrar com o Fábio e Élvio. Mais uma vez, e após os apanhar, volto a apressar o passo e só abrando um pouco pelo trilho da levada não estar a 100% para ser feito a correr sem que tenha que benzer para não cair.
Dentro de água, fora de água, salto para um lado para o outro, enquanto ia apanhando os alguns dos 42 quilómetros que por ali andavam. Chegava a Paraduça, a última aldeia antes de derreter as pernas todas. Não havia abastecimento, mas havia regras a cumprir com a alimentação, e as barras estavam a cair na perfeição, dando energia suficiente e repor o que necessitava, mantendo fiel às barras, apontava em direcção à primeira subida mais aterrorizante.
Já não passava naquela zona desde 2019, mas recordava na integra aquela subida pelo meio do pinhal, não muito longa, mas bastante ingreme.
Enquanto descia para dar de frente com aquela pequena parede, estranhava estar a descer tanto e não me lembrava de assim o fazer, mas pensei, “fruto do esquecimento”.
Ignorando qualquer desconhecimento do local, imaginava que ao fim de 2 anos apenas não me recordava daquela zona daquela forma, até finalmente me deparar com a entrada a subida.
Não, aquela não era o pinhal que habitualmente rasgava algumas pernas, era pior.
O desconhecido era normal, afinal só tinha enfiado mais fundo, para dar inicio a uma parede ingreme.
Psicologicamente fiquei um pouco preocupado, porque não tinha previsto aquilo, sabia que havia uma alteração na parte final, mas ali parecia-me tudo igual, sem saber se sairia dali com muitas mazelas fisicamente. Restou-me agarrar às pernas, e zarpar dali para fora desse como desse.
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Créditos na foto
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O Fábio colava-se atrás de mim, enquanto o Élvio começava a ficar para trás. Achei por bem, dizer para ficar com ele, afinal ele estava com dificuldades, e eu ainda tinha pernas para andar.
Já me havia mentalizado que não havia tempo para me armar em vitima, e da melhor forma possível saí daquela subida com as pernas a ferver.
Dali seguia até ao fundo do freita vertical, e até lá teria que comer, pensei em gel, mas estava algo receoso por me dar a volta à barriga, então optei pelo mais seguro, e mantive as barras.
A marretada habitual era ali em baixo, mesmo no fundo de uma aldeia já abandonada, onde por uns degraus já algo desgastados ou mesmo destruídos damos inicio à aventura de um pequeno alto ali enfiado no meio das imensas colinas. Voltamos a descer para atravessar um pequeno riacho, e assim dar inicio ao tormento.
Normalmente chego a esta fase já a pingar em bica, e só tende a piorar mal atravesso o rio, tanto pelo tipo de terreno como pelo clima abafado que se faz sentir naqueles cerca de 400 metros iniciais.
Não deve ser mais que isso, mas é o suficiente para dar sequelas para o que daí vem. A zona é envolta em arvoredo, o que até é bom para proteger de vento e calor abundante, o problema é que o ar quente dali também não sai, tornando o ar “pesado”, o terreno, esse é feito a grande maioria em progressão lenta, apoiando por vezes os pés em alguma fenda das rochas ou da terra já calcada, por vezes com as mãos no chão ou em algum tronco de árvore que seja firme o suficiente para aguentar o nosso peso. É isto durante umas centenas de metros, num trilho estreito a tricotar aquela enorme colina, até pisar um caminho bem diferente. Daí já sabemos que o pior está feito, mas que levamos esse mal todo connosco cravado no corpo.
Ao fundo conseguia ver o carro dos bombeiros que estava a meio da subida, local onde cruzávamos com a estrada e ponto de abastecimento, que naquela altura até parecia perto, mas que penei até lá chegar.
Foi curioso e reconfortante conseguir identificar que fisicamente estava bem, e que em 2019 no mesmo local estava quase decidido a desistir, enquanto bebia a água que restava de um dos flasks e me faziam o favor de encher o outro. Tinha água suficiente para retomar caminho, e entrava na “choradeira”. Não era eu a chorar ou a lamentar, mas sim aquela a alcunha daquela secção da subida, onde a pedra cravada no chão sustenta as inúmeras pedras soltas que vamos calcando. Não houve um momento que tivesse corrido, caminhava mais apressadamente, mas não queria arriscar um esforço maior, não ali, não agora, estava a correr bem demais, e não queria estragar tudo tão perto do fim.
Olhava para o alto, e via exactamente o ponto onde iria dar, sendo por vezes assustador imaginar o que ainda teria que percorrer para lá chegar, nada que não se faça, mas que ainda iria arrancar muitos suspiros ou um simples “Aiiii” dentro de mim.
O Freita Vertical é matreiro, tem cerca de 4 quilómetros de extensão, com sensivelmente 800 metros de desnível, mais coisa menos coisa. Sendo a fase inicial e final as principais dores de cabeça, neste caso dores de pernas.
Se no inicio abusas, é para arrastar o corpo até ao final, se não abusas, vais massacrando até chegar às escarpas e rebentar o resto. Eu não fui excepção, na zona mais bonita, com uma vista deslumbrante, mas tão arrasadora fiquei com as pernas a arder uma vez mais, e ainda que com um trote me arrastei até ao abastecimento senti, algum cansaço. Talvez falta de reposição de comida, ou esforço da longa subida. Parei comi e hidratei, com o pessoal de abastecimento mais simpático que apanhei até hoje. Só não me trouxeram uma cadeira para me sentar porque não havia. Impecável.
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A terminar o vertical. Créditos na foto
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Agradeci e segui caminho. O Vertical não acabava ali, ainda havia mais, pelo menos até ao radar meteorológico, não sendo já muito extensivo, mas ainda duro. Foi o momento que dei por mim a falar sozinho, estava a ferver das pernas, e com a gana toda que estava a correr na perfeição, tal como eu queria, mas para não deitar tudo a perder agora, tão perto do final. E assim que atingi a torre, retomo a correr para descer até à Carvalheira, mas onde começou a surgir os problemas.
As malditas caibras que me atacaram 15 dias antes, estavam a dar sinais de vida, não que fosse um problema naquele momento, mas dentro de pouco tempo poderia ser.
Aproveito a descida para soltar as pernas, e ver se consigo libertar um pouco aquela pressão do esforço, mas sem grande sucesso. Contorno a aldeia e vou em direcção há única alteração que eu tinha conhecimento, e ao mesmo tempo acompanho um atleta dos 42 quilómetros que havia desistido por se ter enganado no percurso, e me dizia que devia estar em 10º lugar. Sinceramente não fazia ideia da posição, acabei por lhe responder, mas se assim o fosse já era mais que bom. Seguindo a minha vida, lá me encaminhei para a última subida.
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O radar lá no alto. Créditos na foto
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Para além de terem dificultado a subida do Pinhal, agora voltamos a subir em direcção ao radar, e só depois descemos.
As pernas já estavam rebentadas, as caibras começaram a falar mais alto novamente, e de uma forma qualquer lá fui subindo, comendo e bebendo a implorar que não rebentassem ali, estava tão perto do final, que podiam aguentar mais uma pequena dose. Não sei como, mas cederam aos meus pedidos, e aguentaram até ao final sem reclamações para comigo, ou de mim para com elas.
Desci, e ainda consegui acelerar um pouco quando o piso o permitia, e já na Felgueira cruzo com outro que já vinha a caminhar algum tempo, me dizendo que ia ficar pela oitava ou nona posição, deixando claro que já não fazia questão de se esforçar mais. Não muitos metros depois, vejo mais um a caminhar desgastado. Foi a minha hipótese para chegar mais um pouco à frente, e conseguir voltar à Felgueira e finalizar na 7ª posição da geral, 1º de escalão e contribuir para primeiro lugar de equipas.
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Créditos na foto. Fritz para não variar :)
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Um resultado que vale o que vale, tendo em conta a pouca afluência de atletas, mas sei reconhecer que houve esforço e controle suficiente para me vingar das duas tentativas que me deixaram de rastos anos anteriores.
O percurso teve duas pequenas alterações que a meu ver foram bem-vindas, dificultando um pouco mais a prova, que se resumia a uma boa gestão, e uma subida, nesta distância.