segunda-feira, 11 de abril de 2022

Trilhos dos Abutres - Contagiante

Algum dia havia de ser a minha vez, os Trilhos dos Abutres acho que inevitavelmente acaba por se cruzar no calendário de todos os amantes da modalidade. Mesmo aqueles que acham demasiado dispendiosa, acabam por tentar a sorte no famoso e controverso sorteio.
É um assunto que acaba por dividir muito as opiniões, e respeitando a de todos, na minha maneira de ver, é uma prova feita com organização do primeiro ao último minuto.
Foi com grande espanto que no Sábado, após um breve passeio pela Serra da Lousã, que ao levantar os dorsais, vi com grande espanto que estava num evento de outras proporções daqueles que até então havia participado. O espectáculo, o apoio, a envolvência com os locais, entre inúmeras outras coisas, eram de facto algo que realçava e que dava um nervoso miudinho por saber que no dia seguinte ali iria estar.

Não há quase fotos. Por isso vai uma de longe a longe para não enjoar tantos parágrafos!
Créditos na foto



E estive, mas já com o coração aos saltos.
Domingo, 30 minutos faltavam para a hora de partida, e eu sem sair do recanto onde aproveitei para passar o fim de semana.
Faltavam 10 minutos para a partida, e eu acabava de estacionar o carro umas centenas de metros do local de partida.
Foi pegar em tudo o que necessitava, na esperança de não deixar nada para trás e foi correr até ao mercado, onde o Joca já ia aquecendo e preparando a malta para arrancar.
Fiquei mesmo no fundo da cauda de todo aquele montão de gente que se alinhava para os 30 quilómetros de trilhos.

A manhã era fresca, mas aqueles minutos intensos até estar dentro da zona de partida foram os suficientes para aquecer, e em pouco tempo lá arrancamos.
Soube bem aqueles quilómetros iniciais feitos em estrada num pequeno sobe e desce pela localidade, sendo possível dispersar-me por completo do maior aglomerado.
A rápida passagem pelo Parque Biológico deu para perceber o quão distante ia daquele “grupo” em que vemos que tem o mesmo andamento que o nosso. Ainda assim, a primeira subida que nos deixava no Templo Ecuménico foi momento de abrandar pela primeira vez os motores, e acompanhar as dezenas que ali já iam também eles com ritmo mais moderado.
Apesar de me sentir confortável e saber que ainda me aguentava com uma corrida suave, achei mais sensato não abusar da sorte. Desconhecia o percurso, sabia por diversas fontes que era técnico, e queria guardar pernas para os 8 quilómetros com 700 metros de desnível positivo que dividiam os abastecimentos.

Uma das várias cascatas. Créditos na foto.



Ao fim de 8 quilómetros, lá se iniciou os famosos “single tracks”, que me fazia recordar o Vouga Trail, por em ambos os trilhos serem muito semelhantes (já sei de onde veio a inspiração para o Vouga).
Envolto em arvoredo, não havia forma de ultrapassar nem de ser ultrapassado sem alguém se encostar a uma árvore para dar passagem, assim seguia num pequeno grupo de 3 ou 4 não cometendo o habitual erro de ir na frente a “abrir” caminho.
Ao fim de algumas centenas de metros, já estava preparado para dar o passo em frente e descolar, e mal vi uma frecha aproveitei-a, e comigo seguiu somente um.
Ali inevitavelmente acabei por ser eu a manter o ritmo até ao primeiro abastecimento, onde acabaríamos por separar.

Deu-se o clique, que a partir dali a coisa se ia tornar séria, mas com o ambiente efusivo que ali se vivia, esquecia isso enquanto vislumbrava pela primeira vez a famosa escadaria da Senhora da Piedade. Por mais cansado ou esgotado que alguém esteja, acho que é inegável que alguém ali não coloca um passo de corrida. O apoio tão próximo que ali se experiencia é uma injecção de adrenalina em qualquer um.
Só é pena ser de curta duração, porque mesmo no final da escadaria correr pelo menos para mim ainda não dá, usava os 4 membros para me transportar até à estrada que nos retirava dali, e onde ouvia os comentários “agora é que vai começar”.

Mais uma para desenjoar. Créditos na foto

Ora, eu já sabia, só ficou mais claro, e não demorou muito para perceber isso. Se já tinha tido pequenos “deja vú” do Vouga Trail, ali parecia estar lá novamente.
Um trilho junto ao rio, onde acabaríamos por o transpor por diversas vezes mostrava que não ia ser muito meigo logo à partida.
Não havia grande margem para corrida, sei por experiência própria, após algumas tentativas que metia a minha integridade física em jogo, acabei por desistir. As subidas eram feitas da melhor forma possível e rápidas, já as descidas a prevenir alguma queda.
Se inicialmente até pensei que ia bem fisicamente por ir apanhando um ou outro, acabei por retirar essa ideia da cabeça quando vejo que atrás se iam aproximando ainda que alguns metros de distância.
Após algum tempo finalmente saí daquela encruzilhada, deixando-me pela frente um estradão em forma descendente que não hesitei por um minuto em disparar por ali abaixo.

Aproveitei para recuperar algum tempo, mas não demorou muito até o terreno inverter a inclinação, mas que de maneira alguma me fez recuar, e ainda que mais lento, consegui não parar e sempre manter a cadência.
Já com quase 19 quilómetros, começava a controlar a água, lembrava que o abastecimento era entre os 20 e 21 quilómetros, mas encontrávamos a descer e sem fim à vista. Recordava que para chegar a Gondramaz, local de segundo abastecimento teria que subir, mas não estava a ver jeitos disso, os metros passavam e não via nenhum desvio e a escassez de água preocupava-me.
Com quase 21 quilómetros, segundo o meu relógio, lá começamos a subir já com as flasks vazias, na esperança que ali a uns metros virávamos algum cume e ali estava o abastecimento, só que não acontecia.
Após cruzar com um pequeno grupo que ali estava a apoiar a meio da subida, me indicavam que restavam umas centenas de metros.
Ainda bem, pensei já com os lábios secos e a necessitar de saciar a sede que já atingia um nível considerável.

Apesar de estar a ficar com alguns problemas que me iam condicionando, da melhor forma que conseguia, insisti em manter o ritmo mais forte possível mediante as circunstâncias.
Ao fundo, com quase 22 quilómetros, começava a ver Gondramaz, e com ela uma explosão de sensações.
Tive a feliz oportunidade de ali chegar sozinho, e foi um momento único, ver e sentir toda aquela gente a apoiar fez-me esquecer aquele último esforço.
Logo que chego ao ponto de água, encho uma das flasks e sem perder muito tempo tento hidratar o melhor possível, ainda a tentar impedir alguma mazela que dali pudesse surgir.

Restavam os 10 quilómetros finais, que na sua maioria eram em sentido descendente. Só queria ter pernas para levar as pernas à loucura dali até à meta. E de facto pernas havia, o caminho é que era tudo menos corrível. Não demorou muito para perceber que não ia ser bem assim. Descidas com algumas zonas escorregadias, pedras afiadas, pedras lisas também boas para alguns deslizes, enfim, aquele típico trilho junto ao rio repleto de obstáculos.
Só ao fim de 2 a 3 quilómetros os obstáculos foram ultrapassados e ainda que durante pouco tempo deu para acelerar de novo, porque os Abutres não é o mesmo sem lama.
Apesar do longo período de seca, sem gota de água, os canais de rega fizeram o seu trabalho e mostraram a verdadeira mistura de água e terra. Com as sapatilhas cobertas de lama, as pernas escuras, atravessei a meta que se destaca por toda a envolvência que é o mundo do trail.

Única foto minha. E chegou!

Não que tivesse dos melhores trilhos que já percorri, nem paisagens que nos faça arregalar os olhos. Mas pela primeira vez, vi uma organização a cumprir com o regulamento pela segurança de todos, um ambiente que nunca experienciei em nenhuma prova de trail, um percurso que dependendo da aptidão de cada um, consegue ser desafiante tanto pela tecnicidade como em manter a faca nos dentes para tentar competir pela melhor posição.
Na minha modesta opinião, tentam dar o melhor de forma a agradar o mais esquisito por não haver fitas ao fim de 5 metros, como aquele que dispensa os abastecimentos. Entendedores, entenderão.

0 comentários:

Enviar um comentário