Antes de me iniciar nesta coisa de crónicas de corridas pela
internet fora, também lia, e ainda leio alguns blogues que partilham da mesma
paixão que temos por este mundo da corrida. Um deles é o do Carlos Cardoso, que
me fez conhecer uma prova realizada por um grupo de amigos que também eles
correm, imagem lá! Não pude comparecer na primeira edição, mas fiz questão de
aparecer para a segunda, à qual chamaram 2.5. A maneira como publicitaram esta
prova é diferente do que se está habituado e que me cativou para estar presente
este ano. Geralmente vejo vídeos todos “catitas”, com paisagens e locais de
passagem “XPTO”, que por vezes correspondem à realidade, e por outras leva-nos
ao engano.
Aqui não, o método mais simples e arrojado, mas eficaz que
tiveram para partilhar, foi com vídeos entre eles numa forma descontraída e
cómica de forma a mostrar alguns dos locais que passaríamos, no “quintal”
deles, como lhe chamavam. Não que fosse algo fora do comum, ou que realçasse
alguma particularidade, mas sempre avisaram que não ia ser fácil e alguns
percursos bastantes técnicos.
Como se pode levar a sério? |
Numa forma mais invulgar, foi escolhida o feriado 1 de Maio,
para realizar o “Trilhos dos Pernetas 2.5”, era uma terça-feira. Não seria por
aí que me iria conter, e enchi-me de peito para enfrentar os 32 KM, que a
organização continuava a insistir em avisar para treinar, que ia doer. Mas com
vídeos daqueles como os poderíamos levar a sério? Uma coisa era certa, galhofa
e boa disposição estavam garantidos, agora dores nas pernas logo se via.
O único dia a meio da semana que podia dormir até mais
tarde, e para não contrariar a tendência, lá tive que levantar cedo, juntar-me
a dois colegas, rumar em direcção a Canedo, levantar dorsais, prepararmo-nos
para às 9h estar no local da partida para o arranque.
A viagem foi curta e rápida, o levantamento dos dorsais
igualmente rápidos, a preparação, bem essa posso dizer que o tempo que demoro a
equipar é semelhante a uma rapariga na pura adolescência a preparar-se para um
sábado à noite. A partida também foi num ápice, às 9h lá íamos nós, parecíamos
quenianos numa prova de estrada, não fosse o arranque feito numa descida.
Créditos na foto |
Cerca de 1 quilómetro em estrada sempre bem rolante, da
maneira que a gente gosta, e da maneira para dispersar um pouco o pessoal, até
entrar finalmente em trilhos, onde a primeira incursão seria já afunilada,
existindo uma ligeira fila que mantinha um passo certo e não atrasava ninguém.
Engraçado que agora pensando bem, não me recordo bem dos locais que passei
nesta fase inicial. Isto porquê? Ia num ritmo bastante certo e apetecível que
só atentava onde colocava os pés e por quem passava. Bastante gente conhecida,
cumprimenta aqui, cumprimenta acolá, e lá se ia avançando com pernas a
responder ao pedido, e respiração sempre controlada. Tudo à maneira e
impecável, até estava surpreendido em como as coisas estavam a correr tão bem,
mas era uma fase muito prematura para pensar o que fosse.
Primeira subida, e penso para mim, que as coisas iriam aquecer,
e a minha expressão seria algo semelhante a um recém-nascido. Surpresa, fiz
praticamente a correr duma ponta à outra. Alguma coisa se estava a passar e não
estava a perceber. Seriam os treinos que estavam a dar resultados? Seria sol de
pouca dura? Se sim ou não, vou esmiuçar este “sol”. Não sendo um percurso que
tenha uma beleza rara, poderíamos aproveitar apenas em alguns locais, e a
passagem por uma pequena ponte sobre o rio era o que mais realçava no meio de
vegetação bem mais densa.
Este cenário foi apenas para aliviar um pouco a pressão da
subida que se aproximava, e de seguida aí estava ela por estradões que nos
levavam até ao primeiro abastecimento. Nada de muito técnico nem de rogar
pragas a quem quer que fosse, mas o suficiente para abrandar um pouco os
ânimos.
Não foram muitas, as provas de trail que participei, mas já
conheço algumas e posso dizer que esta malta sabe o que faz. Abastecimentos
impecáveis, e com pessoal bastante prestável e bem-disposto. O que se podia
pedir mais?
Descida propicia a quedas! Créditos - Organização |
Abastecido e recomposto, sigo viagem numa descida, e que
descida. Longa bem ao jeito dos joelhos começaram a dar umas pequenas picadas.
Cerca de 100 metros de desnível negativo em 1000 metros, até nova travessia
pelo rio Inha, onde desta vez o atravessamos não por uma ponte, mas sim mesmo
pelo leito que nos tapava até meio da canela. Não existia outra forma, e o
refrescar das pernas foi uma boa sobremesa após o abastecimento, dado o calor
já um pouco mais alto aquando o inicio.
Uma das travessias aquáticas. Créditos na foto |
Poderíamos pensar que era uma sobremesa composta por fruta e bastantes doces,
mas não. Apenas deram-nos a fruta e rapidamente serviram o café. A rápida
travessia do rio e o virar da esquina, escondia a segunda subida que nos levava
até à aldeia de Parada. O desnível não era muito, mas tinha uma inclinação já
um pouco mais acentuada e um piso terrível para as pernas. Agora compreendia
alguns atletas que conheciam a zona andarem com bastões, iriam ajudar muito
naquele terreno a progredir, mas estando eu de mãos a abanar, teria que ser
assim que a subia. Pedras soltas, e as únicas enterradas na terra eram lisas
mesmo a pedir um pequeno deslize para um pequeno tombo. As sapatilhas aos
poucos iam dando sinais que não eram indicadas para aquele piso, e começo a dar
asas à minha intenção de investir num calçado novo, mas primeiro teria que sair
dali. Não a correr, mas com passada controlada sem estragar o que até ali fiz
sem sequer ouvir um “ai” do meu corpo como forma de avisar que estava em
esforço. Já no topo, não desato a correr, apenas recupero um pouco o folego e
mal vejo piso bom para correr, volto a encher os pulmões e aumento a passada
para um ritmo confortável de corrida.
Pequena amostra do que aí vinha. Créditos - Organização |
O confortável desvanece em pouco tempo, e a descida por um
largo estradão, coloca-me a velocidades não muito normais em mim neste tipo de
terrenos. Mas que podia fazer? Dizer que não a todo aquela boa sintonização do
meu organismo? Claro que não.
Apenas disse não, quando me deparei com dois casos caricatos
e ao mesmo tempo nada caricatos. Uma descida praticamente vertical, toda em
terra solta, que o mais rápido e fácil era enrolar o corpo em forma de bola e descer
aquilo. Enquanto aquela descida nos fazia alguma espécie, já me preocupava a louca
subida que tínhamos pela frente. Um autêntico piso acidentado, cheio de
pequenas pedras e terra solta, sobre enormes rochas lisas e escorregadias. Eles
bem tinham avisado, e estavam a apontar para isto. Poderemos dizer que me
encontrava no fundo de um vale que formava um “v” perfeito. Tamanha era a
descida vertical que havíamos feito, como a subida que nos fazia prosseguir no
nosso caminho. Acompanhava algum tempo um outro atleta que já conhecia a zona e
saca dos seus bastões para a longa subida, o que eu me roí por não ter uns
naquele momento. De alguma maneira teria que fazer aquilo, ali não iria ficar e
foi assim que arranjei coragem e arranquei para “escalar” aquela tremenda
parede armadilhada.
Uma de três! Créditos - Organização |
Escalar é praticamente o termo, houve partes que tive que
colocar as mãos no chão, inclusive uma que me voltou a dar asas à imaginação
para novas sapatilhas, quando as actuais me deslizam sobre a rocha, e faz com
que comece a descer contra a minha vontade. Numa rápida investida do atleta que
levava os bastões, agarrou-me e evitou uma queda provavelmente algo aparatosa.
Agradecimentos feito mais que uma vez, pois acabara de salvar uns valentes
arranhões à minha pele, e prováveis ossos partidos, e volto ao alpinismo, mas
já com mais cuidado. Os pequenos planos que existiam a meio eram uma forma de
alívio para os quadríceps, que gritaram ao fim de 3 muros idênticos. Como se
não fosse o suficiente subir cerca de 100 metros em 400 metros, no final de
toda aquela ascensão, apenas virávamos à direita e a subida prolongava-se sem
fim à vista, mas desta vez em piso almofadado a comparar com o que acabávamos
de atravessar.
Agora compreendia o porquê de todos os avisos para treinar,
que ia doer, pensei que o pior estava feito apenas teria que recuperar de toda
aquela suadela que me fez lembrar a “Besta”, e seguir caminho. Aos poucos fui
recuperando e voltando a dar um ar de atleta, mas que colocava de lado ao fim
de alguns metros percorridos. Estradões largos que nos encaminhavam para o segundo
abastecimento mesmo no topo daquele enorme monte. Quanto mais subíamos, menos
vegetação nos rodeava devido aos incêndios daquela zona, que ainda se conseguia
identificar por enormes zonas pretas sem qualquer tipo de árvore. Contudo,
aquele local proporcionou uma das mais bonitas paisagens de toda a prova, onde
se podia ver os restantes montes e campos que ali existiam em toda a volta. Deu
um pouco para desligar a ficha da valente dor de pernas que tinha ganho, e já
aguardava por encontrar um valente manjar mesmo lá no cimo.
O problema é que ninguém me avisou, (nem tinham que avisar)
que para lá chegar teríamos uma recordação das anteriores paredes. Certamente
ninguém ainda se teria esquecido, mas para o caso de alguém sofrer de
Alzheimer, o concurso para alpinismo estava de novo aberto. O que vale é que
tinham um bom abastecimento de novo, e uns gajos porreiros que me ajudaram a
encher as garrafas que já se encontravam coladas de já nem ar existir dentro
delas.
Ali era a marca que indicava a divisão de 4 concelhos, quase
nem olhei para ela, queria era sair dali antes que se lembrassem de colocar de
novo alguma subida à minha frente. O conhecedor daquela zona que até ali me
acompanhou dizia que o pior estava feito, apenas teríamos uma subida
semelhante, mas era mais para a frente.
A tragédia dos incêndios. Créditos - Organização |
Se há coisa que dou preferência entre subir ou descer, é a
subida. Quer dizer, se for uma descida lisa sem nada a estorvar e não muito
comprida, aceito-a de bom grado, mas com pedra escorregadia e pedra solta, não
obrigado. E com isto quero dizer que o senhor dos bastões esqueceu de avisar,
que iriamos ter uma descida idêntica à subida. Não que tivesse alguma obrigação
em o fazer, mas já me ia preparando psicologicamente. Mas até lá chegar ainda
tinha alguns quilómetros pela frente, em longos estradões bem ao jeito de
rolar, colocar um sorriso rasgado na cara e picar os joelhos. Mas assim que a vejo
foi com um fechar de boca e um engolir em seco que vislumbrei aquela descida. A
confiança com as sapatilhas já não estava no seu auge, e a progressão foi feita
sempre com precaução até chegar a terreno plano e seguro. Basicamente parecia
um individuo que tinha medo de andar de avião, e quando pisou terra firme só
não beijou o chão por vergonha.
Agora seria a minha vez de me vingar, ou pelo menos pensei
eu. Assim que volto a piso firme e olho em redor, não vejo por onde poderíamos
subir, e tudo indicava para um bom pedaço de terreno plano para dar uso às
pernas. Estava recuperado e pronto para avançar, mas tinham que nos pregar
alguma partida. Assim que penso que poderia recuperar algum tempo perdido na
descida, qual não é o meu espanto que temos um trajecto praticamente inundado.
Ora aparecia lama que acabava por enterrar as sapatilhas tornando-as pesadas,
ou aparecia uma valente poça de água, que só não criava crocodilos lá dentro
por não ter demasiada profundidade.
Por muito que quisesse lavar as sapatilhas de toda a lama
colectada logo ali, a água era castanha ao ponto de dar um pouco mais de
sujidade. Não que me preocupasse, pois sou daqueles que lavar as sapatilhas que
uso para o monte é feita na travessia de rios. E por falar nisso, ainda nos
deram essa grande oportunidade.
Créditos - Organização |
Já tinha facturado 23 KM, e o sol já estava bem alto mesmo à
maneira para tostar, necessitava de uma lavagem de sapatilhas e de um valente
mergulho. A lavagem do calçado foi feita em grande estilo, já que a travessia
do rio uma vez mais era em modo aventureiro, refrescando as pernas com água a
chegar perto do joelho. Já o mergulho esse, fica para outra altura. Infelizmente
a cor azul que brilhava dos meus pés acabou por se tornar em castanho assim que
volto a correr, levantando alguma terra que facilmente colava às sapatilhas.
Que se lixe isto!
Seguimos directos a um pequeno troço de estrada que nos
levava até ao último abastecimento mesmo ao lado do um longo rio Inha. O
desgaste já era um pouco evidente, mas ainda me sentia com pernas para andar, e
a confiança para fazer bom tempo estava em cima. Alimentei-me, enchi novamente
as garrafas que já se encontravam quase vazias dado o tremendo calor, e siga em
frente.
Rio Inha. Créditos - Organização |
Estava a ser um dia perfeito, e uma prova praticamente
perfeita, mas em alguma altura teria que cometer um erro, e foi ali. Não por
não ter comido uma das sandes de presunto que tinha no abastecimento e um cálice
de vinho do Porto, mas sim por ter comido algo que sabia que o meu estomago
iria aceitar sem queixas, mas que teria de lhe dar tempo para digerir. Pois,
mas não dei. Assim que termino e agradeço uma vez mais aos prestáveis
voluntários, começo a correr como se numa prova de estrada estivesse, nem dei
tempo ao estômago para dar as boas vindas aos alimentos, nem agradecer a minha
generosa bondade. Mais tarde acabou por me dar a resposta a todo aquela
agitação, e não foi nada generosa. Um mau estar, e alguma má disposição
deitaram-me abaixo e não estava a conseguir recuperar. Lembram-se do individuo
que falou da subida que ainda teríamos por fazer? Bem ali estava ela! O meu
pensamento acabou por sair pela boca, e já derrotado apenas disse “outra vez
não!”.
Talvez esta subida tenha sido o melhor que me aconteceu naquele momento. Não que não me proporcionasse dores de pernas, pois estava a abusar da boa disposição que tinham naquela manhã, mas lá se aguentaram, mas sim por manter uma passada mais lenta, e ajudar a acalmar o estomago que teimava em revoltar-se contra mim. Ao fim de alguns minutos lá me fui começando a sentir melhor, mas ainda não era o suficiente para soltar as pernas. Vim praticamente todo o caminho acompanhado por alguns atletas, mas o cenário estava a mudar de figura. Com a travessia de um longo caminho empedrado percorrido por um pequeno caudal de água que regava algumas ervas que cresciam entre as pedras, começo a ficar sozinho. E assim que chego a uma zona de mato bem aberto via bem ao longe já numa longa subida quem me precedia, mas que rapidamente desaparecia aquando a viragem numa longa curva. Olhando para trás não conseguia ver ninguém, estando ali naquele local completamente sozinho. O cenário daquele um mato completamente limpo onde se via a terra castanha a virar um pouco para o vermelho e límpida, e várias árvores dispersas foi o meu ponto de viragem e da mudança de cara de enterro que tinha.
Sandes de presunto e vinho do porto. Créditos - Organização |
Já faltavam poucos quilómetros para terminar, e após
renascer, volto finalmente a colocar um andamento semelhante à corrida, mas
desta vez sem parar ao fim de alguns metros.
O som da música e do speaker começava a ser audível, o que
significava estar mesmo perto do final. Não dei a parte fraca e optei por dar
corda às pernas para terminar em beleza. Logo após a travessia de um pequeno
caminho, estamos de volta ao local de partida que se encontrava mesmo à frente
do nosso nariz. Mas com este pessoal nada podia ser mais enganador e nada é
certo. Começamos a descer, e teríamos que terminar a subir, obrigando-nos a
descer uma escadaria paralela à subida da meta, e subir até ao fim. Enfim,
“peanuts” ao fim de 30 KM, ou será que não?
Consegui gerir e aguentar bem até aos 25 KM, sem dar
qualquer sinal de mazela, ou queixa que me derrotasse. Um pequeno erro no
final, obrigou a lutar para fazer os últimos quilómetros, mas felizmente tudo
se compôs e consegui terminar sem grandes queixas.
E por falar em queixas, também não as posso fazer com uma
organização destas. Estiveram impecáveis, garantindo a boa disposição sempre
que víamos ou cruzamos com alguém, nem que fosse um simples “força aí”, era
garantido seja para o mais veloz como para o mais lento. Ou pelo menos foi essa
a impressão que fiquei.
Os abastecimentos com uma qualidade fantástica e com pessoal
bem prestável sempre que era necessária alguma coisa.
As marcações, não que tivessem mal marcadas, mas por incluir
fitas de cores diferentes para as diversas distâncias. Não que fosse daltônico,
ou esquecesse da cor que tinha que seguir, mas quando cruzávamos com as outras
distâncias, existia várias fitas, e por vezes não coincidia estarem todas
juntas, o que causou algumas dúvidas ao pensar que teria passado algum corte.
Nada de grave, mas que é fácil de resolver, com umas setas a indicar o desvio
dos atletas.
E por fim, falar das maravilhosas sandes de presunto com ovo
estrelado e mini, que no fim daquela distância, foi um autêntico manjar de
deuses. Foi um forrobodó!
Medalha finisher interessante. Créditos na foto |
Para o ano apenas sugiro colocar duas sandes e duas minis à
disposição por atleta, fica a dica! EHEH.
Deliciosas! Créditos - Organização |
0 comentários:
Enviar um comentário