É dura, muito dura, uma trituradora de atletas incrível.
O Pisão Extreme comprometeu-se a dar um empeno, e cumpriu em
pleno. Felizmente tive a consciência e juízo de me inscrever apenas nos 20
quilómetros.
Chamavam-lhe “Pisão Adventure”, e de facto foi uma aventura
e peras.
No fundo de um vale, a única vista que tínhamos por entre
aquelas árvores eram uns picos altíssimos, onde pensaríamos se realmente a
prova nos iria lá levar. Tendo em conta o grande desnível da prova, era um dos
possíveis cenários.
Créditos: Organização |
A partida era num pequeno parque, e o ambiente era
engraçado, por não se saber o que realmente dali vinha, com tanto desnível, e
quando a esmola é muita o pobre desconfia.
À contagem decrescente do speaker “Joca”, lá fomos nós na
descida mais rolante de toda a prova nuns cerca de 200 metros até entrar rapidamente
num trilho encosta acima.
Não fizeram por menos, se é para dar nas pernas, que comecem
logo a subir. Num para e arranca, tamanha era a confusão que não se conseguia
sair dali sem se pedir licença para ultrapassar.
Segundo o gráfico, eram subidas loucas e descidas
vertiginosas, mas nem isso impediu que muitos, eu inclusive, de não poupar
energias e seguir a correr. De certa maneira até ajudou a aquecer, e a afastar
da confusão normal.
A subida parecia não ter fim, e assim que a terminávamos não
existia espaço para descansar, a descida estava logo ali, por um estradão
bastante rolante, mas que não me dei ao luxo de o desfrutar como queria. Já
tinha abusado na subida, estava na altura de ser eu a tomar as rédeas e ajuizar
os próximos quilómetros.
O final da descida foi como um pequeno engenho criado pela
organização para verificar a nossa técnica para o que ali vinha. Numa pequena
encosta, por entre eucaliptos, zagueavamos de um lado para o outro tendo como
apoio as árvores, para não cair, já que o piso estava todo remexido devido à
passagem já de vários atletas. Um pé em falso e era queda certa. Muitas vezes
apenas colocava os pés no chão e deslizava nas descidas, como se estivesse a fazer
ski.
Os picos bem lá no alto |
Um pequeno riacho ditava o fim do escorrega e a repentina
subida.
Uma vez mais, não houve espaço para recompor, nem para
descanso. Parar ali, simplesmente não dava, obrigava todos os que me precediam
a uma manobra mais brusca para puderem me passar. Eram um terreno rochoso, e o
trilho não existia, teríamos que improvisar e saltitar entre as pedras. Houve alturas
em que um caminho parecia existir, mas era apenas por breves momentos.
Olhando em frente vou colocando o meu olhar no alto daqueles
picos, que afinal se confirmava os que havia avistado no local da partida. A
passagem seria por ali, naquele pico rochoso, e até lá chegar ainda tenho muito
que galgar. O terreno não permite grandes correrias, excepto quando nos
afastamos um pouco das habituais pedras.
Estava ali, a poucos metros, o ponto mais alto, agora seria
descer um pouco, para mais à frente voltar a subir. Era o cenário que estava
estampado na minha inocente mente, e que veio a provar-se o contrário.
Aquele monte de rochas, apenas ocultava o que ali vinha.
Vínhamos de um ponto de vista difícil de prever o que
realmente existia ali atrás, e assim que a contornamos, surge a continuação de
mais rochas, mais trilhos inexistentes, apenas tendo como referência a fita
seguinte, o trilho seriamos nós a fazer e antever para evitar grandes esforços.
Seria assim até pisar o estradão no cume da serra da Arada.
O primeiro tormento havia terminado, estamos no alto da
montanha, tudo o que iriamos apanhar a partir dali seria algo natural, algo que
só mesmo as entranhas daquelas montanhas deixam existir e crescer de forma
natural.
Não estava sozinho, tínhamos juntado um pequeno grupo de 5
elementos. O Fábio já havia ali passado, a Márcia estava a pisar os meus
calcanhares desde o início, e o Roni e Paulo vinham um pouco mais atrás.
Seguia junto com a Márcia e estávamos com uma boa passada
nas subidas, e menos boa nas descidas.
Isto iria se confirmar novamente, mal se retoma a descida,
uma vez mais sem qualquer trilho, apenas uma vegetação rasteira que esconde
alguns buracos da terra e pedras sobressaídas naquela encosta. A descida era
louca, com muita pedra solta até atravessarmos estradão que nos levava ao
trilho da garra.
Créditos: Organização |
O início era idêntico ao que acabávamos de fazer, só que
piorava aos poucos. Às pedras soltas, juntava-se pedras aguçadas, que parecem
espetos saídos do chão. Evitava a todo o custo uma entorse, e estava a
conseguir.
Estava à espera dos trilhos técnicos já há muito que tanto
me referiram, e estavam ali, a descida era fantástica, mas perigosa. Via-se
todo o caminho bem longe sobre aquelas encostas, uma imensidão autêntica.
Aos poucos o terreno suavizou e finalmente havia um pequeno
trilho para poder rolar. Esqueci toda a gestão, e comecei a correr
desenfreadamente por aquele single track.
As coisas voltavam a complicar já no final, passando de uma
descida mais ou menos rolante, para um precipício em terra batida. Era calcular
todos os passos até ao fundo e atravessar o rio.
Estávamos a pouco tempo de chegar ao primeiro abastecimento
na aldeia de Gourim, e nem o caminho até lá era facilitado.
Optei por aguardar uns minutos, e esperar pela Márcia que
tinha ficado ligeiramente para trás.
À saída do abastecimento, iniciava-se mais uma nova escalada.
De início eramos obrigados a usar os 4 membros, num caminho improvisado pela
encosta rochosa acima, até entrar em mais uma encosta rochosa. Dava a sensação
de ser uma cascata já seca, mas que nos deixava a suar, e os músculos duros
como uma pedra, de tanto massacre em declive, mas ainda estavam capazes de
continuar. Cerrava os dentes quando se pronunciavam, respirava fundo e
continuava seguro que conseguia chegar ao topo.
Já no alto, foi a primeira vez que não subiríamos até ao
alto, apenas a contornávamos na parte interior, mas nem assim seria um trabalho
fácil, com o terreno completamente acidentado. As fitas distantes indicavam
apenas o próximo ponto de referência, e entre pequenas subidas e descidas fomos
avançando para a última subida implacável.
Créditos: Organização |
Os rios que fomos atravessando já me atacavam o psicológico.
Sabia que de imediato alguma calamidade ia aparecer, e vinha-se a confirmar.
Provavelmente a subida mais dura e violenta da distância. O
desnível andava sempre entre os 30 e 40% de inclinação, e para perturbação
mental, conseguiríamos sempre ter o ponto mais alto como referência. Sem
contrariar o que até ali foi feito, o trilho não existia, as pedras estavam
sempre no caminho, e a vegetação escondia muitas vezes o piso onde poderíamos
colocar o pé.
A subida era louca, e gozona, com cerca de 1 quilómetro de
distância, e com 3 ou 4 patamares distribuídos pelo caminho. Sempre pensei que
em algum destes patamares poderíamos terminar, e deslizar por aquele estradão,
mas não, seria para cima o caminho.
Já algum tempo que uma prova não conseguia puxar por mim e
insultar, esta conseguiu fazê-lo.
Cerrei os dentes até ao cimo, usei todos os músculos que as
coxas me podem oferecer, e mesmo assim conseguiu insultos meus. Estava feito.
Estava aliviado, por saber que já não existia subidas
monstruosas, nem nada que se pareça, seria agora a última descida até aos 15
quilómetros, e finalmente um terreno mais apetecível para poder rolar.
Não havia maneira mais fácil de começar a descer. Adivinhem?
Pois é, sem trilho, pedra solta, …
Estava numa altura de me auto avaliar, e ver como e o que
necessitava para continuar, e já quando a descida começa a dar-nos um terreno
mais confortável, surgem os primeiros sintomas que queria evitar. Aquelas
pedras que levo nas pernas, começam a dar sinais de queda iminente, e se ali o
acontecesse seria uma derrocada enorme. Estava com receio de ficar no estado
que fiquei em Manhouce, e seria altura de prevenir o mais possível.
Créditos na foto |
Reforçava com alguma alimentação e cápsulas de sal que levava
comigo, bebia água, mas estava não queria esvaziar na totalidade as garrafas. Teria
que gerir de outra forma.
Inevitavelmente as flasks secaram, e aguardava o
abastecimento dos 15 quilómetros.
Voltei a estar em autossuficiência, e seria altura de retomar
ao caminho. Bem antes de arrancarmos, um dos voluntários indica-nos que a
Márcia estava na terceira posição da geral feminina, estando a quarta
posicionada mesmo a chegar ali.
Foi como uma energia extra para ela, e um novo objectivo.
As cãibras, não me tinham atingido, mas não me largavam de
maneira nenhuma, e disse-lhe para avançar e não esperar por mim. Ainda consegui
correr um pouco, mas foi sol de pouca dura. Enquanto ela avançava, mantinha-me atento
à quarta posicionada. Vinha a pouco mais que uns 10 metros atrás de mim, mas
parecia em dificuldades.
Tentei alguma vezes voltar a correr, mas não estava a
conseguir. Os estradões largos, não me davam energia psicológica suficiente
para voltar a correr. Vou vendo a Márcia já distante, mas com algumas paragens.
Volto a tentar uma vez mais, e parece que é agora. As pernas
estão ligeiramente mais soltas, e consigo colocar ritmos bons, até alcançar a
Márcia.
Digo-lhe que estou recuperado, enquanto ela me diz que está
a quebrar, mas que já que está ali iria tentar o pódio.
Sinto a pressão dos músculos a aliviar, e se o piso rolante
se mantivesse, não teria mais problemas.
Mas nem tudo seria bom. Quando vejo as fitas a indicar um
caminho por entre umas rochas posicionadas umas em cima das outras. Ali parei,
coloquei as mãos sobre os joelhos e chamei nomes. Não sei a quem, nem sem bem
porquê, mas não queria perder as pernas que havia recuperado. Foi uma curta
passagem, mas técnica o suficiente para voltar a colocar pedras nas coxas.
O speaker já se ouve e seria rolar até ao final. Estava
feito.
Mesmo junto à meta, estava o Fábio à nossa espera, que ainda
fez um pequeno trote connosco a levar-nos até à meta.
Implacável, é um bom sinónimo para esta prova. Não houve
tempo para descanso, nem sequer para respirar fundo. É lindíssima, mas
agressiva ao mesmo tempo, consegue dar-nos paisagens fantásticas, enquanto nos
atira pedras para as pernas. A organização está de parabéns, achando que para
bem, poderiam retocar alguns pormenores que metem esta prova na perfeição.
“Um empeno fácil”, apelido que faz jus ao Pisão Extreme.
O nascer do sol a caminho de um empeno fácil |
0 comentários:
Enviar um comentário