quinta-feira, 10 de janeiro de 2019

Pisão Extreme - Um empeno fácil


É dura, muito dura, uma trituradora de atletas incrível.
O Pisão Extreme comprometeu-se a dar um empeno, e cumpriu em pleno. Felizmente tive a consciência e juízo de me inscrever apenas nos 20 quilómetros.
Chamavam-lhe “Pisão Adventure”, e de facto foi uma aventura e peras.
No fundo de um vale, a única vista que tínhamos por entre aquelas árvores eram uns picos altíssimos, onde pensaríamos se realmente a prova nos iria lá levar. Tendo em conta o grande desnível da prova, era um dos possíveis cenários.
 
Créditos: Organização

A partida era num pequeno parque, e o ambiente era engraçado, por não se saber o que realmente dali vinha, com tanto desnível, e quando a esmola é muita o pobre desconfia.
À contagem decrescente do speaker “Joca”, lá fomos nós na descida mais rolante de toda a prova nuns cerca de 200 metros até entrar rapidamente num trilho encosta acima.
Não fizeram por menos, se é para dar nas pernas, que comecem logo a subir. Num para e arranca, tamanha era a confusão que não se conseguia sair dali sem se pedir licença para ultrapassar.
Segundo o gráfico, eram subidas loucas e descidas vertiginosas, mas nem isso impediu que muitos, eu inclusive, de não poupar energias e seguir a correr. De certa maneira até ajudou a aquecer, e a afastar da confusão normal.

A subida parecia não ter fim, e assim que a terminávamos não existia espaço para descansar, a descida estava logo ali, por um estradão bastante rolante, mas que não me dei ao luxo de o desfrutar como queria. Já tinha abusado na subida, estava na altura de ser eu a tomar as rédeas e ajuizar os próximos quilómetros.
O final da descida foi como um pequeno engenho criado pela organização para verificar a nossa técnica para o que ali vinha. Numa pequena encosta, por entre eucaliptos, zagueavamos de um lado para o outro tendo como apoio as árvores, para não cair, já que o piso estava todo remexido devido à passagem já de vários atletas. Um pé em falso e era queda certa. Muitas vezes apenas colocava os pés no chão e deslizava nas descidas, como se estivesse a fazer ski.

Os picos bem lá no alto
Um pequeno riacho ditava o fim do escorrega e a repentina subida.
Uma vez mais, não houve espaço para recompor, nem para descanso. Parar ali, simplesmente não dava, obrigava todos os que me precediam a uma manobra mais brusca para puderem me passar. Eram um terreno rochoso, e o trilho não existia, teríamos que improvisar e saltitar entre as pedras. Houve alturas em que um caminho parecia existir, mas era apenas por breves momentos.
Olhando em frente vou colocando o meu olhar no alto daqueles picos, que afinal se confirmava os que havia avistado no local da partida. A passagem seria por ali, naquele pico rochoso, e até lá chegar ainda tenho muito que galgar. O terreno não permite grandes correrias, excepto quando nos afastamos um pouco das habituais pedras.
Estava ali, a poucos metros, o ponto mais alto, agora seria descer um pouco, para mais à frente voltar a subir. Era o cenário que estava estampado na minha inocente mente, e que veio a provar-se o contrário.
Aquele monte de rochas, apenas ocultava o que ali vinha.
Vínhamos de um ponto de vista difícil de prever o que realmente existia ali atrás, e assim que a contornamos, surge a continuação de mais rochas, mais trilhos inexistentes, apenas tendo como referência a fita seguinte, o trilho seriamos nós a fazer e antever para evitar grandes esforços.

Seria assim até pisar o estradão no cume da serra da Arada.
O primeiro tormento havia terminado, estamos no alto da montanha, tudo o que iriamos apanhar a partir dali seria algo natural, algo que só mesmo as entranhas daquelas montanhas deixam existir e crescer de forma natural.
Não estava sozinho, tínhamos juntado um pequeno grupo de 5 elementos. O Fábio já havia ali passado, a Márcia estava a pisar os meus calcanhares desde o início, e o Roni e Paulo vinham um pouco mais atrás.
Seguia junto com a Márcia e estávamos com uma boa passada nas subidas, e menos boa nas descidas.
Isto iria se confirmar novamente, mal se retoma a descida, uma vez mais sem qualquer trilho, apenas uma vegetação rasteira que esconde alguns buracos da terra e pedras sobressaídas naquela encosta. A descida era louca, com muita pedra solta até atravessarmos estradão que nos levava ao trilho da garra.

Créditos: Organização
O início era idêntico ao que acabávamos de fazer, só que piorava aos poucos. Às pedras soltas, juntava-se pedras aguçadas, que parecem espetos saídos do chão. Evitava a todo o custo uma entorse, e estava a conseguir.
Estava à espera dos trilhos técnicos já há muito que tanto me referiram, e estavam ali, a descida era fantástica, mas perigosa. Via-se todo o caminho bem longe sobre aquelas encostas, uma imensidão autêntica.
Aos poucos o terreno suavizou e finalmente havia um pequeno trilho para poder rolar. Esqueci toda a gestão, e comecei a correr desenfreadamente por aquele single track.
As coisas voltavam a complicar já no final, passando de uma descida mais ou menos rolante, para um precipício em terra batida. Era calcular todos os passos até ao fundo e atravessar o rio.

Estávamos a pouco tempo de chegar ao primeiro abastecimento na aldeia de Gourim, e nem o caminho até lá era facilitado.
Optei por aguardar uns minutos, e esperar pela Márcia que tinha ficado ligeiramente para trás.
À saída do abastecimento, iniciava-se mais uma nova escalada. De início eramos obrigados a usar os 4 membros, num caminho improvisado pela encosta rochosa acima, até entrar em mais uma encosta rochosa. Dava a sensação de ser uma cascata já seca, mas que nos deixava a suar, e os músculos duros como uma pedra, de tanto massacre em declive, mas ainda estavam capazes de continuar. Cerrava os dentes quando se pronunciavam, respirava fundo e continuava seguro que conseguia chegar ao topo.

Já no alto, foi a primeira vez que não subiríamos até ao alto, apenas a contornávamos na parte interior, mas nem assim seria um trabalho fácil, com o terreno completamente acidentado. As fitas distantes indicavam apenas o próximo ponto de referência, e entre pequenas subidas e descidas fomos avançando para a última subida implacável.

Créditos: Organização
Os rios que fomos atravessando já me atacavam o psicológico. Sabia que de imediato alguma calamidade ia aparecer, e vinha-se a confirmar.
Provavelmente a subida mais dura e violenta da distância. O desnível andava sempre entre os 30 e 40% de inclinação, e para perturbação mental, conseguiríamos sempre ter o ponto mais alto como referência. Sem contrariar o que até ali foi feito, o trilho não existia, as pedras estavam sempre no caminho, e a vegetação escondia muitas vezes o piso onde poderíamos colocar o pé.
A subida era louca, e gozona, com cerca de 1 quilómetro de distância, e com 3 ou 4 patamares distribuídos pelo caminho. Sempre pensei que em algum destes patamares poderíamos terminar, e deslizar por aquele estradão, mas não, seria para cima o caminho.
Já algum tempo que uma prova não conseguia puxar por mim e insultar, esta conseguiu fazê-lo.
Cerrei os dentes até ao cimo, usei todos os músculos que as coxas me podem oferecer, e mesmo assim conseguiu insultos meus. Estava feito.

Estava aliviado, por saber que já não existia subidas monstruosas, nem nada que se pareça, seria agora a última descida até aos 15 quilómetros, e finalmente um terreno mais apetecível para poder rolar.
Não havia maneira mais fácil de começar a descer. Adivinhem? Pois é, sem trilho, pedra solta, …
Estava numa altura de me auto avaliar, e ver como e o que necessitava para continuar, e já quando a descida começa a dar-nos um terreno mais confortável, surgem os primeiros sintomas que queria evitar. Aquelas pedras que levo nas pernas, começam a dar sinais de queda iminente, e se ali o acontecesse seria uma derrocada enorme. Estava com receio de ficar no estado que fiquei em Manhouce, e seria altura de prevenir o mais possível.

Créditos na foto
Reforçava com alguma alimentação e cápsulas de sal que levava comigo, bebia água, mas estava não queria esvaziar na totalidade as garrafas. Teria que gerir de outra forma.
Inevitavelmente as flasks secaram, e aguardava o abastecimento dos 15 quilómetros.
Voltei a estar em autossuficiência, e seria altura de retomar ao caminho. Bem antes de arrancarmos, um dos voluntários indica-nos que a Márcia estava na terceira posição da geral feminina, estando a quarta posicionada mesmo a chegar ali.
Foi como uma energia extra para ela, e um novo objectivo.
As cãibras, não me tinham atingido, mas não me largavam de maneira nenhuma, e disse-lhe para avançar e não esperar por mim. Ainda consegui correr um pouco, mas foi sol de pouca dura. Enquanto ela avançava, mantinha-me atento à quarta posicionada. Vinha a pouco mais que uns 10 metros atrás de mim, mas parecia em dificuldades.

Tentei alguma vezes voltar a correr, mas não estava a conseguir. Os estradões largos, não me davam energia psicológica suficiente para voltar a correr. Vou vendo a Márcia já distante, mas com algumas paragens.
Volto a tentar uma vez mais, e parece que é agora. As pernas estão ligeiramente mais soltas, e consigo colocar ritmos bons, até alcançar a Márcia.
Digo-lhe que estou recuperado, enquanto ela me diz que está a quebrar, mas que já que está ali iria tentar o pódio.
Sinto a pressão dos músculos a aliviar, e se o piso rolante se mantivesse, não teria mais problemas.
Mas nem tudo seria bom. Quando vejo as fitas a indicar um caminho por entre umas rochas posicionadas umas em cima das outras. Ali parei, coloquei as mãos sobre os joelhos e chamei nomes. Não sei a quem, nem sem bem porquê, mas não queria perder as pernas que havia recuperado. Foi uma curta passagem, mas técnica o suficiente para voltar a colocar pedras nas coxas.

O speaker já se ouve e seria rolar até ao final. Estava feito.
Mesmo junto à meta, estava o Fábio à nossa espera, que ainda fez um pequeno trote connosco a levar-nos até à meta.

Implacável, é um bom sinónimo para esta prova. Não houve tempo para descanso, nem sequer para respirar fundo. É lindíssima, mas agressiva ao mesmo tempo, consegue dar-nos paisagens fantásticas, enquanto nos atira pedras para as pernas. A organização está de parabéns, achando que para bem, poderiam retocar alguns pormenores que metem esta prova na perfeição.

“Um empeno fácil”, apelido que faz jus ao Pisão Extreme.

O nascer do sol a caminho de um empeno fácil


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