Uma parede, uma parede
ligeiramente inclinada, com cerca de 4 quilómetros de extensão, é o caminho que
temos que percorrer desde a já abandonada, aldeia das Berlengas até ao radar
meteorológico no alto do Pico do Gralheiro da Serra da Freita. Eram
aproximadamente 800 metros de desnível positivo, mais coisa menos coisa.
Não havia os famosos
1000 metros, para ser denominado de quilómetro vertical, mas não deixava de ser
um percurso bem empinado que dava que fazer.
A modalidade de
Skyrunning traz destas coisas, provas diferentes do normal, bem curtas, que
despertam logo a curiosidade. O ano passado realizado ainda durante a noite, e
no anterior dia do Freita Skyrunning, da minha parte, foi colocado logo de lado
visto não querer levar um empeno a dobrar no mesmo fim-de-semana. Optaram por
fazer a coisa diferente este ano, no mês de Maio, durante o dia, com o evento
apenas associado ao Freita Vertical. O restante era em tudo semelhante à
primeira edição.
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O radar no Pico da Gralheira. Créditos: Organização |
Não se podia pedir
melhor cenário para aguardar, com partidas cronometradas individualmente, e
feitas de minuto a minuto, tinha que esperar que 38 atletas arrancassem antes
de mim.
O tempo de espera foi o
suficiente para arrefecer, e apanhar com alguns aguaceiros de uma manhã um
pouco imprevisível relativamente ao tempo.
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E continua a esperar |
Eram 10:05h e alguns
segundos, quando anunciaram o meu nome, chegava-me ao local onde confirmavam a
minha presença, e via os atletas das 10:06h a partir.
Fui autorizado a
avançar para o local de partida, e enquanto aguardava pela 38ª atleta
arrancasse, mostrava todo o material obrigatório. Apesar de calmo, eram minutos
que pareciam intermináveis, e em contagem decrescente lá deram a minha partida
pelas 10:08h.
Aqueles metros
iniciais, colocavam os músculos e a respiração descontrolados, alguns degraus,
já degradados e subitamente desaparecem, apenas troços em terra já calcados por
quem já havia ali passado.
Aquela parede inicial
era aliviada assim que entramos num single-track ligeiramente menos inclinado.
Coloco um pequeno trote,
e devido a um início repentino com zonas que obrigavam o uso dos quatro
membros, sentia as pernas ligeiramente duras, e a respiração ofegante. Não
desgarrei a vontade de querer continuar a correr, e assim apanhava o primeiro
atleta que me precedia, mesmo à entrada de uma zona de rochas um pouco afiadas.
Seguia-se uma ligeira
descida, até ao leito do rio, que após o atravessar, iniciava-se o segmento, provavelmente
mais técnico e triturador de toda a prova.
O uso dos quatro membros
era mais que obrigatório, o terreno calcado era a única base de apoio firme que
tinha para conseguir subir, as mãos agarravam-se aos troncos e ramalhos das
árvores, a raízes, pequenos pedaços de árvores cortadas, tudo o que fosse
visivelmente seguro, de forma a distribuir o peso do corpo e não massacrar as
pernas logo ali. Não evitei que ficassem como pedras, parecendo que a pele ia
rasgar a qualquer momento.
Ao mesmo tempo tentava
controlar a respiração, mas o ziguezague constante em piso incerto e inclinado
parece obrigar a prosseguir sem interrupções.
Já não procurava fitas
de marcação de percurso, não que fossem necessárias, por um caminho bastante
previsível sem saída possível, mas também por querer ver onde colocava os pés,
sendo que se as procurasse teria que andar sempre de cabeça virada ao céu
devido à tremenda inclinação.
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Créditos na foto |
Recordava da minha
passagem ali no mês de Outubro, no Freita Skyrunning, e o quão massacrado fiquei,
desta vez não estava a acontecer o mesmo, e estava a conseguir orientar bem as
coisas.
Aos poucos o terreno ia
ficando mais solido, mais firme e as árvores mais afastadas. Estava finalmente
perto o fim da tortura, podia voltar a correr.
Era um trote misturado
com alguma caminhada a passo rápido, e a poucos metros à minha frente, começava
a ver o meu primo, e uma atleta, que acabaria por ultrapassar.
O problema desta secção
até à estrada, onde mentalmente divido esta subida, é que as inclinações são
inconstantes, tanto dá para correr, como subitamente me curvo para a frente e caminho.
Das poucas vezes que
ergo um pouco a cabeça e espreito o que se seguia vejo a estrada, e alguns
elementos da organização, estava finalizado a primeira parte da prova.
Não que as coisas
fossem mais fáceis a partir de agora, bem pelo contrário. Não querendo comparar
com a escalada no início da prova, mas não fica muito longe disso.
As inclinações são
acentuadas a partir de agora, o piso rochoso, misturado com muita pedra solta,
a intercalação de corrida e caminhada era sistemática, as pernas duras e
pesadas iam piorando, conseguindo apenas controlar a respiração minimamente.
Era possível ver não o
cume, mas as partes mais acentuadas do resto da prova, todos os atletas que iam
à minha frente, e a uma das zonas mais bonitas de toda esta prova, à qual eu
apelidei de “Varanda”. Ainda tinha muito que andar até lá chegar, e após mais
uma ultrapassagem ia tentar correr o máximo que conseguisse. Não sobrevivi
durante muito tempo, mas não sumiu a vontade de continuar a tentar, pelo menos
até às escarpas, onde não se consegue correr.
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Créditos: Organização |
Local totalmente
rochoso e irregular, sem grande possibilidade para correr. Apenas tentava
encontrar o caminho menos agressivo por entres as rochas até as transpor. Sabia
que assim que o fizesse, podia correr à vontade, algum pessoal a dar apoio, e
finalmente ali estava eu no cimo.
Apenas cerca de um
quilómetro me distanciava do radar, o trajecto agora era fácil em terreno liso e
sem grande inclinação, curva e contracurva, fantástico para correr a um ritmo
rápido.
Estava animado, e tento
iniciar a corrida lentamente para não ser um impacto grande logo de início. Alguma
coisa não estava bem, quebrei logo ali, senti-me maldisposto, exactamente como
me aconteceu da última vez que ali passei.
Não podia correr, não
estava a dar, tinha que adoptar outra estratégia. Parei, bebi água, e comecei a
caminhar, a má disposição continuava ali, e teimava em não desaparecer.
Que se lixe, foi o meu
pensamento naquele momento, vou num ritmo mais lento a correr e logo se vê.
Comecei a correr, e ao passo que vou progredindo a coisa vai atenuando, estava
a resultar. Foi uma coisa passageira, que não entendi o motivo, talvez do
esforço, da altitude, ou ambas tenham provocado isso, não sei.
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Créditos: Organização |
À medida que vou
melhorando, vou aumentando o ritmo, mais uma ultrapassagem, e sigo direcção ao
radar.
Faltava o último sufoco
da prova, subir o radar pela escadaria mesmo até ao alto, uma meta com 40
metros de altura.
Entrei rápido na base
da torre, seguia-se uma escadaria interminável, zigue-zague, zigue-zague, os
primeiros degraus, ainda deu para uma espécie de corrida, contudo não durou
muito tempo. Agarrava-me ao corrimão da escadaria, e puxava pelo corpo, estava
de rastos. Ao mesmo tempo que pensava que já conseguia subir com mais rapidez,
o corpo recordava que era impossível.
Foram necessários 50
minutos, para fazer 4 quilómetros. Foi preciso todo este tempo para chegar ao
topo da serra, e escalar uma torre para uma vista de 360 graus sobre a Freita,
mas valeu cada minuto.
Muito bom. Bom post e prova muito interessante! So fiz uma vez um quilómetro vertical e adorei. Gostava muito de repetir. Parabéns pela tua subida!
ResponderEliminarObrigado Filipe.
EliminarTambém foi uma experiência nova, e de facto é difícil não gostar.