quinta-feira, 31 de janeiro de 2019

Ultra Trail Medieval - A primeira


Já lá vão 3 edições desta prova, e pela terceira vez volto às terras de Santa Maria da Feira. Uma prova que ficou muito a desejar na sua primeira edição, mas bem melhor na segunda edição. Analisando bem a coisa, foi sempre a prova em que inicio cada ano, e que sempre aumentei a distância.
Já há muito que queria tentar a minha sorte numa ultra, e os 44 quilómetros, foram como se tivesse a chamar por mim. Digamos que é uma pequena ultra.
Conseguimos juntar um batalhão mais ou menos grande, divididos pelas várias distâncias (15KM, 30KM e 44KM).
Uma coisa que aprecio nesta prova é o percurso linear, outra é o que diferencia das provas que fiz até hoje, a animação durante a prova, com personagens vestidos à época medieval.

Créditos na foto
A manhã era fria, fazia tremer, e bater o dente. O facto de estarmos numa praia fluvial onde tudo em volta ficava branco devido às temperaturas baixas já era motivo suficiente para meter arrepios. A única maneira de aquecer era dentro de um pavilhão ali mesmo ao lado, onde nos mantínhamos até à hora de partida. Hora essa que chegou rapidamente, e onde nos alinhavamos de frente para o speaker Joca, que nos ia animando até ao arranque.

Gélida manhã. Créditos na foto
Era hora de partir, tinha 44 quilómetros para percorrer, mas tinha tempo. Saio da parte de trás do pelotão, e sigo sem grandes pressas, junto com a Márcia. Íamos na conversa e rindo enquanto dávamos a pequena volta à praia fluvial até finalmente entrar em piso mole.
Era a entrada em trilhos, num estradão rodeado de árvores e algumas silvas. Seguíamos assim durante algum tempo, numa tentativa de nos afastar o mais possível do longo emaranhado caminho com tanta gente a o percorrer.
Foi uma das situações que mais confusão me causou por parte da organização. Sei que o fizeram a pensar numa recepção dos atletas mais gratificante, mas esqueceram-se das centenas de atletas que se iam cruzar nos inúmeros single tracks. Recordava-me das inúmeras interrupções no ano anterior quando participei nos 29 KM, se juntarmos duas distâncias que iriam fazer o mesmo percurso até aos 30 KM, seguindo posteriormente para os 14 finais, seria uma verdadeira peregrinação.

Primeiro contacto com a terra. Créditos Organização
Nada a fazer, a primeira paragem não demorou muito, com a travessia de um rio, em que um simples salto bastava para poder avançar, estava um caos. De forma calma fui tentando avançar pelas laterais e prosseguir para não ficar ali retido vários minutos. As subidas eram a minha escapatória para ultrapassar mais gente. Era aqui que inúmeros atletas começavam a caminhar, e como estava com pernas e a sentir-me bem fisicamente, avançava sem problemas. As descidas também eram bastante rolantes, nada de muito técnico, com algumas pedras, mas que com alguma atenção se poderia abusar. Infelizmente acidentes acontecem, e ali já deitada na encosta do caminho vi uma rapariga maltratada, devido a uma queda um pouco aparatosa. Felizmente já havia pessoal a cuidar dela, não parei para não causar mais confusão.

Mais umas pequenas subidas e não descartava a corrida, só assim conseguia sair da confusão e evitar grandes confusões nos single tracks. Não tardaram a aparecer, sempre rodeado de eucaliptos, lá íamos serpenteando, naquilo que me parecia algo diferente da edição do ano passado. Apanhava o Fábio, que pensava já seguir bastante à frente, mas não, queria ir nas calmas e desfrutar, dizia-me ele. Seguia mesmo atrás dele, enquanto a Márcia, nos perseguia a poucos metros de distância.
Aguardava pela subida mais complicada da prova até à capela de São Marcos. Uma subida mais inclinada e com um pouco mais de técnica do que até ali fizemos. Ali no topo estava o primeiro abastecimento, que, diga-se de passagem, era bastante requintado e recheado.
O frio já era passado, aquela encosta era mais exposta ao sol e o curto tempo que ali estive dava para levar com alguns raios de sol.

Também se caminha. Créditos na foto
Chega de malandragem, dizia eu. Voltávamos a correr, agora também com o Roni.
Aos poucos fomos apanhando alguns elementos da equipa e íamos seguindo juntos conforme podíamos. Dali apenas eu, Fábio e Márcia, seguiríamos para os 44KM, os restantes para os 30, no entanto o percurso era o mesmo, e íamos dando boleia uns aos outros.
Transitávamos de estradões para single tracks num abrir e fechar de olhos, o percurso agora era o mesmo do ano passado, e o facto de me ir relembrando do que iríamos fazer ia contribuindo para abusar um pouco. Aos poucos eu e o Fábio fomos avançando, e seguimos, ficando a Márcia com o Roni um pouco mais atrás. As subidas ainda eram feitas a correr, e já estávamos dispersos da grande confusão de atletas, não havia motivo para continuar a insistir em correr, apenas o facto de nos sentirmos bem, e estar tudo a correr na perfeição.
Comentava que deveríamos começar a nossa gestão, as subidas não poderiam ser feitas daquela maneira, e aos poucos fomos atendendo a isso, até finalmente optarmos pela ideia mais lógica de abrandar um pouco para gerir bem até ao final. Começamos a fazê-lo a partir dos 15 quilómetros sensivelmente, quando grande parte do desnível já estava feito. O que estava feito, estava feito, não havia volta a dar.

Já não nos esforçávamos muito a subir, mas no plano não arredávamos pé, e fazíamos por vezes exageradamente, mas tanto um como o outro sabíamos que só daquela forma é que conseguíamos ter gozo.
A proximidade do rio trazia mais diversidade e alguma técnica ao terreno, e com ele também o frio. Já algum tempo que não sentia frio, mas as temperaturas teriam baixado alguns graus, e dentro daquele mato mais cerrado não avistávamos o sol, nem entrava calor. Por momentos tive alguma dificuldade em aquecer. Tudo mudava quando reconheço o parque de merendas.
Ali sabia que ia conseguir correr e aquecia, já não ia ter problemas. As paisagens em volta são fantásticas, do género de um bosque, com o piso coberto de folhas das árvores e algumas raízes saídas do chão, primeiro num pequeno caminho feito para se passear, e depois num pequeno carreiro junto ao rio. Ali não se parava, ali desfrutava-se de um amplo parque natural.
Apenas uma pequena pausa no abastecimento, último em comum com os 30 quilómetros. A simpatia dos voluntários mantinha-se fiel ao ano passado, sempre prontos a ajudar.

Recuperado alguns mantimentos para seguir viagem, retomamos em direcção ao local da meta. Estávamos cada vez mais próximos do centro da feira reconhecia bem aquele caminho, a subida para o castelo era logo ali.
Colocamo-nos imediatamente a passo para conseguir gerir o que dali para a frente ainda viria. Segundo o gráfico, os últimos 14 quilómetros seriam bastante rolantes, só não sabemos se são técnicos, e se teremos pernas para o fazer, por isso caminhar seria a melhor prevenção. Pelo menos até ao castelo. A descida do castelo, essa já é outra história.
Adorava aquela descida, e na edição anterior não a consegui correr devido a um aglomerado enorme do pessoal da caminhada e dos 15 KM. Hoje não poderia ser assim, teria que a fazer a correr. Saí do castelo a correr como se estivesse a sair da escola. Ali estava ela, tinha algumas pessoas, não tantas como já havia apanhado, não olhei a mazelas nem a gestão, apenas queria corrê-la. Curva contracurva, raízes aqui, algumas pedras enterradas e estávamos mesmo a chegar à meta.

Vamos a ela! Créditos Organização.
Já ouvíamos o speaker e o ambiente de festa. Havia muita gente das restantes distâncias que terminaram e que ainda ali estavam a apoiar, e aguardar muitos que ainda não tinham terminado.
No final da descida já se via alguns aplausos, e na zona de meta era um festival. Ainda consegui ver os meus pais, mas não estava do lado deles, teria que fazer um pequeno desvio para mais 14 quilómetros. No ano passado terminei ali, daqui para a frente seria o desconhecimento e a capacidade de ser resiliente.
Aproveito o abastecimento para me recompor, e demoro um pouco mais. Estava bem, e estava confiante, brincávamos com a voluntária que a prova iria começar agora, por não conhecermos o restante percurso.

Primeira passagem pela meta. Créditos na foto
Afastávamo-nos da zona da meta, enquanto dizíamos um até já, essa fica para mais daqui a um bocado.
Iniciamos em campo aberto, onde várias vezes caminhei aquando da visita à feira medieval, o som da música e de toda aquela calorosa recepção ficava para trás, e à medida que entravamos no meio das árvores o som ia ficando para trás. Entramos logo em single tracks, piso muito enlameado. A juntar a isto tínhamos um sobe e desce constante. Tinha as pernas frescas e boas para correr, só não sabia de que forma iria conseguir gerir aquela montanha russa. Se caminhar nas subidas vou andar num para e arranca desgraçado, se correr pode correr bem, como correr mal.
Acabei por não pensar muito nisso, e seguir o caminho como me desse mais jeito, e conforme me sentia.

Ainda mantinha a corrida, abrandava um pouco nas subidas, quando se metia plano era mais técnico. Tinha algumas semelhanças com vários caminhos que já havíamos feito, só que desta vez tínhamos mais quilómetros em cima das pernas.
O ritmo era tão bom, que íamos ultrapassando vários atletas, que começavam a mostrar dificuldades. Aos poucos isolamo-nos, sem ninguém à vista à nossa frente como para trás, apenas víamos gente dos abastecimentos e os figurantes vestidos à época nos saudavam e animavam.

Eram 36 quilómetros, algumas horas depois de termos saído daquela praia fluvial gélida, e as pernas começaram a queixar-se. Recordo-me particularmente, porque ainda tinha alguma sanidade mental para antever o que me esperava. As pernas estavam a começar a ficar duras e pesadas, já não conseguia retomar a corrida como havia feito por diversas vezes.
A energia que reavia sempre que saía de um abastecimento já não estava a dar, receava cãibras, enquanto reconhecia e comentava com o Fábio que não estava preparado para aquela ultra. Os treinos não tinham sido suficientes, nada que já não soubesse, apenas não quis pensar muito nisso. Riamo-nos o que era bom sinal naquele momento. Enquanto pude ainda corria, mais a descer do que em terreno plano, e as subidas, essas já não davam. Tentava, mas não queria rebentar por completo, e aos 38 quilómetros decidi abrandar por completo, e aguardar pelo abastecimento. Estava a poucos metros de lá chegar, quando sinto o estômago algo frágil, e comecei a antever o que poderia fazer.


Créditos Organização

Enchi os flasks, que dariam até à meta, e peguei em algumas coisas mais suaves do abastecimento enquanto vou cumprimentando mais um grupo de voluntários bastante prestáveis. Revejo o gráfico através do dorsal e vejo que teremos uma última subida, nada de muito grave em condições normais, mas como estavam as pernas não daria.
A saída do abastecimento também não facilitou, com alguns saltos, descidas mais técnicas, estava a triturar as pernas. Entravamos em trilhos que só apetecia rolar, e tentava, mas não estava a dar, não enquanto as pernas estiverem pesadas, e o estômago não deixar entrar comida razoavelmente. Já me encontrava a meio da subida, quando começo a sentir-me mais confortável para ingerir alguma coisa, e com algumas coisas que levo na mochila vou tentando a minha sorte aos poucos. Aguardo uns minutos e começo a ter uns ligeiros sintomas de melhoria, enquanto retomo a corrida e explico ao Fábio que já estou a sentir-me melhor, se tudo correr bem já vamos correr. Mais uns risos, e cerca de 20 metros depois paro, estava mesmo a terminar aquele último cume, mas foi tudo falso alarme.

As descidas eram o único refúgio às pernas já perras, sinto-as mais soltas e deixo ir. Abrando quando me tento rever a subir por uma escadaria improvisada em paletes, dali não poderia sair coisa boa. A boa disposição ainda reinava na cabeça, e na brincadeira com os voluntários que se ofereciam para ajudar a subir, começo a correr. Fico algo espantado como consegui fazer sem problemas, tento uma vez mais, e desta vez engatou. Estava novamente com pernas mais ou menos soltas, mas passiveis de rolar.

Teria que subir o castelo novamente, algo mais lento que na primeira passagem, mas já só pensava que ia fazer pela segunda vez a descida até à meta. Não penso duas vezes e desligo-me novamente do massacre das pernas enquanto tento apanhar o Fábio que segue poucos metros à minha frente. Começamos a ver o piso verde ao fundo, o que significa que a ultra estava terminada. Mais uns passos de corrida, e era só atravessar a meta.

Outra vez? Créditos na foto
Aí estava, 5:24h depois terminava a minha primeira ultra maratona.
Uma ultra, pequena em distância, mas grande em muitas outras coisas. Começaram mal há dois anos atrás, reconheceram e melhoraram, o que não é para todos. Existe ainda muita coisa a ser melhorada, mas a base está lá, e têm conhecimentos para isso, basta quererem.

Um pouco de esforço, mas está lá. Créditos Organização
Finalmente ultra-maratonista (pequeno ainda).


quarta-feira, 16 de janeiro de 2019

São Silvestre de Ovar - Uma delicia


Desde a minha primeira corrida, não há muitos anos, que recordo bem de que forma atravessei pela primeira vez a meta após 10 quilómetros.
Na altura, corria há poucos meses, e os ritmos, … bem esses eram devagar, devagarinho. Como tudo na vida, tudo tem um início. E foi aí que se iniciou este bichinho pela corrida.
Aos poucos, e naturalmente fui evoluindo, a coisa foi melhorando e os minutos a baixar, até chegar a um patamar em que os tempos finais rondavam os 41/42 minutos. Foi aí que me desafiei a conseguir correr uma prova abaixo dos 40 minutos. Sabia que naquela altura ia exigir muito de mim, sendo uma fase inicial. Mas não tinha como uma data limite para o fazer, iria esforçar-me para tal, mas sem pressas.
Contratempos, e a participação em cada vez mais provas longas, e de trail, colocaram este objectivo um pouco de parte. Sabia que eventualmente iria voltar às distâncias curtas, e que aí iria tentar novamente a proeza.

As “São Silvestres” são uma delícia para se conseguir esse feito. O convívio, e a forte presença de apoiantes pelas ruas ajudam, e era a minha oportunidade de terminar o ano em beleza.
Escolhi a de Ovar, na fresca noite de Dezembro para tentar a minha sorte.
Pelo que havia feito nos últimos treinos estava confiante para ser finalmente um “sub 40”, mas naquela noite de Sábado não me sentia capaz de o fazer, não sabia o quê, nem o porquê, mas estava reticente, e não quis elevar a fasquia. Optei por apontar para o tempo final de 40 minutos. Já seria bom, pelo menos retirava 1 minuto ao meu recorde pessoal.

Lá no fundo tinha uma pequena esperança que tudo ia correr bem, e que ia conseguir um brilharete, e segui à risca a estratégia que já tinha delineado. Aquecimento q.b., e tentar posicionar-me o mais à frente na linha de partida.
O aquecimento foi mais que bom, estava quente o suficiente para poder arrancar. E a faltar ainda 10/15 minutos para o arranque, deparo-me com uma quantidade enorme de atletas já inseridos bem atrás do pórtico. Tento “furar” o máximo que consigo, até não conseguir mais, e vejo a coisa a andar para trás.
Aguardo pela contagem enquanto arrefeço e vou trocando palavras com pessoal.
Aproximava-se a hora, e finalmente podemos chegar à frente após entrada do pessoal de elite. Estava relativamente mais perto do pórtico, mas a confusão era tanta, que parecíamos sardinhas enlatadas.

Foto Organização
À hora arrancamos, e o que suspeitava confirmou-se. Grande parte dos atletas que ali estavam à minha frente são daquele tipo de atletas que mais me enerva em provas. Colocam-se na frente apenas para atrasar quem quer tentar alguma coisa. Não que fosse o meu caso, mas tentava retirar pelo menos um minuto ao meu melhor tempo. Enfim.
Queria tentar manter um ritmo entre os 4.10, 4 min/KM durante o primeiro quilómetro. E só com alguma destreza o consegui. Eram ritmos inconstantes, um para e arranca infernal, e muita confusão. Tentava fugir ao máximo daquela confusão, mas com o passar dos primeiros 1000 metros, o relógio apontava um ritmo médio de 4 min/KM.
Nem tudo era mau, pensei, agora seria manter e consequentemente aumentar.

Uma das funções que gosto de utilizar no meu relógio, é a previsão de tempo final de uma determinada distância consoante o ritmo que vou. Foi o meu apoio desde início.
Logo a princípio apontava para uns 42 minutos, o que achei normal, dado a velocidade que até ali mantive. Não estava preocupado, pois estava a sentir-me solto, e sem cansaço ou ofegante devido aos ritmos inconstantes.
Algumas curvas e contracurvas até entrar numa recta onde a estrada era mais larga, e se tomava sentido à dimensão de quantidade de atletas que ali estavam. O ritmo havia melhorado, e já estava abaixo dos 4 minutos, o que era fantástico, mas achei prematuro naquela fase.
Aproveitava a “boleia” de alguns que me ultrapassavam para seguir atrás deles, até finalmente estar mais disperso da multidão.
Já levava cerca de 3 quilómetros quando já vinha a completar um pequeno grupo de 4 elementos. Eramos 4 atletas, sendo uma feminina, todos eles pareciam estar a fazer de lebre, e ela a tentar a sorte dela. Após me sentir bem naquele ritmo mais forte que adoptei deles, fui avançando deixando para trás um dos atletas, e colocando-se ao meu lado um outro, a rapariga percebeu a ideia, e colocou-se mesmo logo atrás de nós.
Era a descer e aí todos os santos ajudam, tanto consegui manter a velocidade, como fui aumentando e acabei por me afastar deles, deixando-os para trás.
Era um percurso perfeito, sem nos apercebermos bem das subidas, por ter um declive tão reduzido, e por conseguirmos “deslizar” nas descidas.

Era altura de passagem pela zona da partida (e meta) novamente, e aos poucos que nos vamos aproximando do centro de Ovar, o apoio vai aumentando, cruzando com algumas pessoas aqui e ali.
Olhava para o relógio e já apontava para uns 39 minutos de tempo final, com tendência a baixar mais. Estava a achar aquilo estranho, mas estava com pernas, caixa, e força para mais. Pensei que tivesse abusado na primeira parte, e iria sofrer dali para a frente, mas o meu corpo ia-me dizendo o contrário.
Estava com 5 quilómetros, e ali estava o abastecimento de água que evito sempre deixar para trás. Desta vez, ia ser diferente, via os voluntários a estender o braço do meu lado esquerdo, e alguns atletas na direcção deles. Afasto-me e mantenho o ritmo, dali para a frente seria eu e o meu guia, vulgarmente conhecido como relógio.

Havia partes que coincidiam com a meia maratona de Ovar, que já conhecia, e sabia se podia abusar, e nestes últimos 5 quilómetros, havia alguns desses segmentos.
Contudo eram os quilómetros mais mórbidos da prova. Tanto pelas ruas vazias, como pela escuridão tornando o percurso perigoso. Foram vários os passos que dei sem perceber onde colocava o pé, tentava sempre seguir quem ia à frente.
Consultava o relógio novamente e o tempo final, apontava para uns 38 minutos e tal, pensei para comigo que isto iria ser melhor que um brilharete, alguma coisa não estava bem, mas o que era certo é que os ritmos estavam sempre certos desde o arranque, e tudo batia certo.
Sentia que ia ser aquele dia, sentia que iria ser ali que ia finalmente ser um sub 40.

Já algum tempo que havia sido ultrapassado por um conterrâneo, mas sempre se manteve a uns 20/30 metros à minha frente. Até ao quilómetro 7, o meu objectivo foi evitar que ele fugisse de vista, agora era tentar alcança-lo, para evitar perda de ritmo. Aumento o ritmo, e vejo a placa do quilometro 8, ultrapasso numa ligeira subida, e entro em terreno plano.
Era altura de puxar pelas pernas, não que não o tivesse feito até ali, mas dali para a frente seria um contrarrelógio.
O relógio continuava a apontar para os 38 minutos e alguns segundos, queria tentar tirar o máximo possível, e apertei de maneira a aguentar aqueles 2 últimos quilómetros, com o mesmo ritmo de princípio a fim.

As palmas já se iam ouvindo, os festejos e o speaker. Sentia-me concretizado, a multidão em redor aplaudia, não para mim directamente, mas para os muitos que ali passavam, mas fui egoísta, corria como se aqueles aplausos fossem só para mim. Aproveitava também as descidas para acelerar mais um pouco. Era os últimos 100 metros, e seria a subir até à meta. Subida quase sem declive de início, mais acentuada no final, mas sem dar para esforçar os músculos. Aí estava, o tão esperado sub 40. Tempo líquido de 37:55.

Infelizmente não posso afirmar ser o meu tempo final dos 10 quilómetros, por a prova ter uns 300 metros a menos. Fiquei um pouco triste, mas sabia que aqueles 300 metros iriam ser feitos certamente sem problema algum, colocando o meu tempo nos 38 minutos e alguns segundos.

A noite fria ajudou a que não quebrasse, e a corrente humana que havia a apoiar junto à meta foram uma grande ajuda. Apenas um reparo para validarem a certeza da distância final, nas zonas escuras, e no abastecimento, que apesar de não o usar vi que tinha apenas uma pequena bancada, que não daria para dispersar a maioria do pessoal quando começassem a chegar aos grupos.
São pequenos pormenores que podem facilmente serem rectificados, e ter uma prova de excelência.

O que ficou mesmo na memória, foi um final de ano com objectivo realizado. E um belo pão de ló de Ovar, que é uma delícia.

Tirada do Google. 


quinta-feira, 10 de janeiro de 2019

Pisão Extreme - Um empeno fácil


É dura, muito dura, uma trituradora de atletas incrível.
O Pisão Extreme comprometeu-se a dar um empeno, e cumpriu em pleno. Felizmente tive a consciência e juízo de me inscrever apenas nos 20 quilómetros.
Chamavam-lhe “Pisão Adventure”, e de facto foi uma aventura e peras.
No fundo de um vale, a única vista que tínhamos por entre aquelas árvores eram uns picos altíssimos, onde pensaríamos se realmente a prova nos iria lá levar. Tendo em conta o grande desnível da prova, era um dos possíveis cenários.
 
Créditos: Organização

A partida era num pequeno parque, e o ambiente era engraçado, por não se saber o que realmente dali vinha, com tanto desnível, e quando a esmola é muita o pobre desconfia.
À contagem decrescente do speaker “Joca”, lá fomos nós na descida mais rolante de toda a prova nuns cerca de 200 metros até entrar rapidamente num trilho encosta acima.
Não fizeram por menos, se é para dar nas pernas, que comecem logo a subir. Num para e arranca, tamanha era a confusão que não se conseguia sair dali sem se pedir licença para ultrapassar.
Segundo o gráfico, eram subidas loucas e descidas vertiginosas, mas nem isso impediu que muitos, eu inclusive, de não poupar energias e seguir a correr. De certa maneira até ajudou a aquecer, e a afastar da confusão normal.

A subida parecia não ter fim, e assim que a terminávamos não existia espaço para descansar, a descida estava logo ali, por um estradão bastante rolante, mas que não me dei ao luxo de o desfrutar como queria. Já tinha abusado na subida, estava na altura de ser eu a tomar as rédeas e ajuizar os próximos quilómetros.
O final da descida foi como um pequeno engenho criado pela organização para verificar a nossa técnica para o que ali vinha. Numa pequena encosta, por entre eucaliptos, zagueavamos de um lado para o outro tendo como apoio as árvores, para não cair, já que o piso estava todo remexido devido à passagem já de vários atletas. Um pé em falso e era queda certa. Muitas vezes apenas colocava os pés no chão e deslizava nas descidas, como se estivesse a fazer ski.

Os picos bem lá no alto
Um pequeno riacho ditava o fim do escorrega e a repentina subida.
Uma vez mais, não houve espaço para recompor, nem para descanso. Parar ali, simplesmente não dava, obrigava todos os que me precediam a uma manobra mais brusca para puderem me passar. Eram um terreno rochoso, e o trilho não existia, teríamos que improvisar e saltitar entre as pedras. Houve alturas em que um caminho parecia existir, mas era apenas por breves momentos.
Olhando em frente vou colocando o meu olhar no alto daqueles picos, que afinal se confirmava os que havia avistado no local da partida. A passagem seria por ali, naquele pico rochoso, e até lá chegar ainda tenho muito que galgar. O terreno não permite grandes correrias, excepto quando nos afastamos um pouco das habituais pedras.
Estava ali, a poucos metros, o ponto mais alto, agora seria descer um pouco, para mais à frente voltar a subir. Era o cenário que estava estampado na minha inocente mente, e que veio a provar-se o contrário.
Aquele monte de rochas, apenas ocultava o que ali vinha.
Vínhamos de um ponto de vista difícil de prever o que realmente existia ali atrás, e assim que a contornamos, surge a continuação de mais rochas, mais trilhos inexistentes, apenas tendo como referência a fita seguinte, o trilho seriamos nós a fazer e antever para evitar grandes esforços.

Seria assim até pisar o estradão no cume da serra da Arada.
O primeiro tormento havia terminado, estamos no alto da montanha, tudo o que iriamos apanhar a partir dali seria algo natural, algo que só mesmo as entranhas daquelas montanhas deixam existir e crescer de forma natural.
Não estava sozinho, tínhamos juntado um pequeno grupo de 5 elementos. O Fábio já havia ali passado, a Márcia estava a pisar os meus calcanhares desde o início, e o Roni e Paulo vinham um pouco mais atrás.
Seguia junto com a Márcia e estávamos com uma boa passada nas subidas, e menos boa nas descidas.
Isto iria se confirmar novamente, mal se retoma a descida, uma vez mais sem qualquer trilho, apenas uma vegetação rasteira que esconde alguns buracos da terra e pedras sobressaídas naquela encosta. A descida era louca, com muita pedra solta até atravessarmos estradão que nos levava ao trilho da garra.

Créditos: Organização
O início era idêntico ao que acabávamos de fazer, só que piorava aos poucos. Às pedras soltas, juntava-se pedras aguçadas, que parecem espetos saídos do chão. Evitava a todo o custo uma entorse, e estava a conseguir.
Estava à espera dos trilhos técnicos já há muito que tanto me referiram, e estavam ali, a descida era fantástica, mas perigosa. Via-se todo o caminho bem longe sobre aquelas encostas, uma imensidão autêntica.
Aos poucos o terreno suavizou e finalmente havia um pequeno trilho para poder rolar. Esqueci toda a gestão, e comecei a correr desenfreadamente por aquele single track.
As coisas voltavam a complicar já no final, passando de uma descida mais ou menos rolante, para um precipício em terra batida. Era calcular todos os passos até ao fundo e atravessar o rio.

Estávamos a pouco tempo de chegar ao primeiro abastecimento na aldeia de Gourim, e nem o caminho até lá era facilitado.
Optei por aguardar uns minutos, e esperar pela Márcia que tinha ficado ligeiramente para trás.
À saída do abastecimento, iniciava-se mais uma nova escalada. De início eramos obrigados a usar os 4 membros, num caminho improvisado pela encosta rochosa acima, até entrar em mais uma encosta rochosa. Dava a sensação de ser uma cascata já seca, mas que nos deixava a suar, e os músculos duros como uma pedra, de tanto massacre em declive, mas ainda estavam capazes de continuar. Cerrava os dentes quando se pronunciavam, respirava fundo e continuava seguro que conseguia chegar ao topo.

Já no alto, foi a primeira vez que não subiríamos até ao alto, apenas a contornávamos na parte interior, mas nem assim seria um trabalho fácil, com o terreno completamente acidentado. As fitas distantes indicavam apenas o próximo ponto de referência, e entre pequenas subidas e descidas fomos avançando para a última subida implacável.

Créditos: Organização
Os rios que fomos atravessando já me atacavam o psicológico. Sabia que de imediato alguma calamidade ia aparecer, e vinha-se a confirmar.
Provavelmente a subida mais dura e violenta da distância. O desnível andava sempre entre os 30 e 40% de inclinação, e para perturbação mental, conseguiríamos sempre ter o ponto mais alto como referência. Sem contrariar o que até ali foi feito, o trilho não existia, as pedras estavam sempre no caminho, e a vegetação escondia muitas vezes o piso onde poderíamos colocar o pé.
A subida era louca, e gozona, com cerca de 1 quilómetro de distância, e com 3 ou 4 patamares distribuídos pelo caminho. Sempre pensei que em algum destes patamares poderíamos terminar, e deslizar por aquele estradão, mas não, seria para cima o caminho.
Já algum tempo que uma prova não conseguia puxar por mim e insultar, esta conseguiu fazê-lo.
Cerrei os dentes até ao cimo, usei todos os músculos que as coxas me podem oferecer, e mesmo assim conseguiu insultos meus. Estava feito.

Estava aliviado, por saber que já não existia subidas monstruosas, nem nada que se pareça, seria agora a última descida até aos 15 quilómetros, e finalmente um terreno mais apetecível para poder rolar.
Não havia maneira mais fácil de começar a descer. Adivinhem? Pois é, sem trilho, pedra solta, …
Estava numa altura de me auto avaliar, e ver como e o que necessitava para continuar, e já quando a descida começa a dar-nos um terreno mais confortável, surgem os primeiros sintomas que queria evitar. Aquelas pedras que levo nas pernas, começam a dar sinais de queda iminente, e se ali o acontecesse seria uma derrocada enorme. Estava com receio de ficar no estado que fiquei em Manhouce, e seria altura de prevenir o mais possível.

Créditos na foto
Reforçava com alguma alimentação e cápsulas de sal que levava comigo, bebia água, mas estava não queria esvaziar na totalidade as garrafas. Teria que gerir de outra forma.
Inevitavelmente as flasks secaram, e aguardava o abastecimento dos 15 quilómetros.
Voltei a estar em autossuficiência, e seria altura de retomar ao caminho. Bem antes de arrancarmos, um dos voluntários indica-nos que a Márcia estava na terceira posição da geral feminina, estando a quarta posicionada mesmo a chegar ali.
Foi como uma energia extra para ela, e um novo objectivo.
As cãibras, não me tinham atingido, mas não me largavam de maneira nenhuma, e disse-lhe para avançar e não esperar por mim. Ainda consegui correr um pouco, mas foi sol de pouca dura. Enquanto ela avançava, mantinha-me atento à quarta posicionada. Vinha a pouco mais que uns 10 metros atrás de mim, mas parecia em dificuldades.

Tentei alguma vezes voltar a correr, mas não estava a conseguir. Os estradões largos, não me davam energia psicológica suficiente para voltar a correr. Vou vendo a Márcia já distante, mas com algumas paragens.
Volto a tentar uma vez mais, e parece que é agora. As pernas estão ligeiramente mais soltas, e consigo colocar ritmos bons, até alcançar a Márcia.
Digo-lhe que estou recuperado, enquanto ela me diz que está a quebrar, mas que já que está ali iria tentar o pódio.
Sinto a pressão dos músculos a aliviar, e se o piso rolante se mantivesse, não teria mais problemas.
Mas nem tudo seria bom. Quando vejo as fitas a indicar um caminho por entre umas rochas posicionadas umas em cima das outras. Ali parei, coloquei as mãos sobre os joelhos e chamei nomes. Não sei a quem, nem sem bem porquê, mas não queria perder as pernas que havia recuperado. Foi uma curta passagem, mas técnica o suficiente para voltar a colocar pedras nas coxas.

O speaker já se ouve e seria rolar até ao final. Estava feito.
Mesmo junto à meta, estava o Fábio à nossa espera, que ainda fez um pequeno trote connosco a levar-nos até à meta.

Implacável, é um bom sinónimo para esta prova. Não houve tempo para descanso, nem sequer para respirar fundo. É lindíssima, mas agressiva ao mesmo tempo, consegue dar-nos paisagens fantásticas, enquanto nos atira pedras para as pernas. A organização está de parabéns, achando que para bem, poderiam retocar alguns pormenores que metem esta prova na perfeição.

“Um empeno fácil”, apelido que faz jus ao Pisão Extreme.

O nascer do sol a caminho de um empeno fácil