quarta-feira, 28 de fevereiro de 2018

24 Horas Portugal

Nem sempre as coisas correm pelo melhor, e a última prova já realizada há cerca de 2 meses, foi grande prova disso. Forçado a parar com a corrida, tive cerca de 1 mês em que a única função não sedentária que fazia era umas caminhadas, e mesmo estas eram poucas.
O desânimo e a falta de paciência por estar ligeiramente incapacitado e não poder fazer nada era grande, e só queria fechar aquele ciclo e voltar a fazer o que gostava.

Felizmente a recuperação correu como era de esperar, faltando apenas a fisioterapia, mas essa já não me impedia de voltar a correr. Aos poucos fui voltando a treinar e tinha uns quilos a perder. Recomeço em inicio de Agosto, com imenso calor, talvez a melhor maneira para queimar a gordura. Contudo, o meu maior problema era na respiração, já não tinha a caixa que antes tanto treinei, o que me dificultou um pouco voltar à normalidade. Longe de mim estava o pensamento de me inscrever em provas, muito menos no 24 Horas Portugal que estava tão próximo. A vontade de voltar aquele dia frenético era grande, mas conscientemente fui tendo juízo e fui adiando a inscrição.
Obviamente a minha grande vontade iria acabar por se impor, e sucedeu-se a inscrição e a forte vontade de voltar a treinar para estar minimamente preparado para uma valente porrada psicológica e martelada nas pernas.


Já sabia o que iria enfrentar e estava mentalmente preparado para uma grande dose em grande estilo.
Após a minha primeira participação nesta prova em 2016, sabia que ali teria de voltar. Só que agora queria algo maior e diferente. Em primeiro lugar estabeleci o meu objectivo para 50 voltas, conseguindo assim atingir os 3 dígitos (100KM), em segundo lugar não ir a casa para dormir, ou seja, ter uma presença assídua durante as verdadeiras 24 horas. Isto era tudo muito bonito se não tivesse tido a maldita queda que me obrigou a parar. Em consequência disso, estes prognósticos foram logo colocados obrigatoriamente de lado, e iria fazer conforme conseguia, sem nunca me expor a grandes esforços que prejudicassem futuramente.

Fim das queixas e lamechas (desculpas) e vamos ao que realmente importa, a prova, ou melhor a introdução à prova.

A prova em si não tem muito para se dizer, pois não existe grandes paisagens que fiquemos boquiaberto, não existe trilhos, single tracks, subidas ou descidas de grande declive ou técnicos para que sejamos obrigados a mostrar os nossos dotes de agilidade. Apenas um circuito com pouco mais de 2 KM, em que o piso é grande parte feito de pedras cobertas por cimento, um pouco de empedrado regular, e umas 3 pontes em madeira. A única destreza é aguentar as 24 horas tornando-se um verdadeiro desafio tanto competitivo, como pessoal.
Como disse não existe grandes palavras que a descrevam, mas tem tanto para ser vivido.

Como tem sido habitual uma das particularidades que gosto dali estar, é pelo convívio que existe e a grande entreajuda por e para todos. O facto de haver um local para podermos montar a tenda torna tudo isto bem mais evidente aquando a passagem naquela zona com um forte apoio. Para além disto há a grande tenda, local reservado para descanso e comer, sendo um “refúgio” para muitos atletas, quando querem pausar um pouco na duríssima e duradoura etapa, ou mesmo conviver.

A base de toda aquela logística já está bem desenhada, e o briefing mostrou isso mesmo, que à excepção de alguns pequenos pormenores que se modificaram devido algumas falhas em anos anteriores, tudo se manteve. Desta forma só se pode dar reconhecimento e valor à organização por ouvir e responder desta forma aos participantes. O único parênteses que posso fazer, é o valor da inscrição e o que têm vindo a retirar na oferta aos participantes. Sendo que a nível pessoal a grande falha, foi mesmo as 3 refeições que cada atleta tinha direito, pelo menos na edição anterior.

Está a tenda armada, ou as tendas?
E agora sim, a prova!

Finalmente, e ao fim de 2 meses, tenho novamente um novo dorsal para dar uso.
A partida estava marcada para as 12h de Sábado, terminando às 12h de Domingo, e não falhou. À hora certa, ou melhor antes uns minutos um pequeno momento à UTMB, com a famosa música de Vangelis para dar o tiro de partida. Os dados estavam lançados e já estava dado os primeiros passos de corrida para a primeira volta ao circuito.
O primeiro objectivo foi simples, antes da primeira paragem para descanso fazer 21 KM, ou seja, fazer uma meia maratona para iniciar a prova de resistência. Consegui meter a máquina a funcionar, e ir dando atenção ao corpo para o caso de algum sinal menos bom. Foi um bom teste de forma a ver como estava. A corrida seria sempre bem mais lenta, chegando a um ponto que se intercalava com caminhada. Esta seria a gestão para conseguir obter o melhor de mim. As paragens serviam para repousar e comer alguma refeição mais “pesada” que o abastecimento.

Nas fases seguintes a progressão modifica completamente, com número de voltas bem mais curto, mas que consiga manter um ritmo constante para as restantes horas.
O apoio externo é o que nos vai mantendo com força e animo, e felizmente este ano houve um bom exemplo disso. Dos momentos mais altos, é quando a inclusão de atletas na prova de 3 horas a solo ou equipa, estes trazem um ritmo diferente, que nos faz roer de inveja dado o desgaste que já levamos.

Já ao final da tarde, opto por um descanso mais longo, comer algo e um banho para refrescar um pouco. Sendo vizinho do local da prova, o meu local para tudo isto, é em casa obviamente.
O banho pôs-me como novo, e a refeição ajudou-me bastante a repor energias.
De regresso à pista, a festa é de outro nível, bastante gente a apoiar e a dar aquela energia extra a todos. As 3 horas em equipas funcionando por turnos, tem uma maior aderência à noite que durante o dia. Neste momento para além da “confusão” devido ao aumento de atletas, a festa do lado de fora também era maior, a passagem na meta para concluir mais uma volta era sempre um momento de festejo. Após andar quase todo o dia acompanhado, à noite andei um pouco mais só, desde que regresso, até ter conhecido a Ana que me vai acompanhando em algumas voltas.

Terminando as 3 horas deste último turno de Sábado, aos poucos os festejos vão acalmando e quem por lá anda, fica mais solitário. Para além do desgaste físico que vamos acumulando ao longo das horas, o desgaste psicológico é tão ou mais importante para continuar em frente.
Já são poucos os que continuam a correr, ficando apenas alguns resistentes. Ainda desapareci, por cerca de 2 horas para tentar dormir um pouco, mas ao final de algum tempo por não estar a conseguir dormir em condições e já de madrugada, volto a calçar as sapatilhas e prossigo. Nesta altura são poucos os que correm, a gestão era caminhar a um ritmo calmo para aguentar para o dia seguinte.

A noite acaba por ser boa, mas ao mesmo tempo estranha. Com ela o frio chega, após um dia de calor ameno. Por acaso estava ansioso por chegar à noite, mas poucas horas depois já estava a pensar no amanhecer e como aquela escuridão já se tornava aborrecida. As camisolas foram uma grande ajuda, e só assim se conseguia evitar o bater do dente. Durante a noite acabei por andar por vezes em algumas zonas não tão bem iluminadas a sós comigo mesmo. Estes foram dos momentos mais bons e estranhos que alguma vez senti a correr. Com todo aquele acumular, vários são os pensamentos que passam pela cabeça, que por vezes dava vontade de rir, e ao mesmo tempo para colocar aquela lágrima no canto do olho.


Como indiquei no inicio, os objectivos passaram de algo em concreto, para o desconhecido. O objectivo que tinha de chegar aos 3 dígitos estava adiada para outra altura e a distância final seria uma incógnita até ao fim, mas nada mais me surpreendeu, quando a meio da noite, comecei a fazer contas. Ainda perto da meia noite, já rondava os 70 quilómetros, cerca de 34 voltas ao percurso. Quando comecei a fazer contas ao tempo restante, comecei a perceber que o objectivo colocado de lado, afinal poderia estar de pé. Não as 50 voltas, mas pelo menos chegar aos 100 KM, visto que com cerca de 46 voltas já seriam as suficientes para atingir a marca.
Quando me apercebi disto, não arredei pé do percurso e com boa gestão foi acumulando voltas, para o meu mais recente objectivo.

Com o amanhecer, os “dorminhocos” voltam ao palco principal, e o tempo começa a aquecer. Toda a roupa que fui vestindo à noite vai-se colocando de lado, e volto a dar os primeiros passos de corrida ao fim de algum tempo. Seguindo sempre num grupo de 4 elementos desde meio da noite, foi o grande pilar para continuar em frente. O acumular de quilómetros, começaram a fazer efeito, e já começava a ter algumas mazelas. Os músculos dos gémeos já começavam com algumas queixas, e o pé direito já não tinha a mesma mobilidade. Contudo não era nada que impedia continuar, e sem sofrer um pouco não tinha piada. Já com o sol a meio da subida até o seu pico do dia, atingi a tão desejada meta dos 100 KM. Um objectivo que tinha colocado de lado e afinal foi atingível e concretizado.

Com o aproximar da hora final o bom ambiente nocturno, estava de volta. Bastante apoio junto da meta, e algum extra pelo percurso, que deram alento para as últimas voltas.
O grupo com quem até ali segui, optou que iriam terminar ainda antes do fecho das 24 horas, mas surpreendentemente sentia-me com energia para mais. Obrigado a todos pelo apoio, e uma excelente prestação de todos, mas vou tentar dar mais uma volta.

Com tempo de sobra ainda antes do meio-dia de Domingo, passo na meta, onde muitos já descansavam, e sigo para mais uma e última volta. Seria a de despedida desta edição, e esperar que volte o próximo ano, para repetir a dose.
Coincidência, naquele momento não sabia quantas voltas tinha dado. O meu objectivo para aquele dia já tinha sido concretizado, e estava mais do que satisfeito com isso. Mas inconscientemente sabia que tinha e que queria mais uma.
Aquando a passagem na meta, o speaker anuncia a minha distância e número de voltas, totalizando as 50 voltas. Com grande espanto vi que consegui atingir o meu primeiro marco para este dia, e que obrigatoriamente tive que colocar de lado antes do inicio.


Um verdadeiro teste, passado com sucesso. Consegui evitar lesões e ainda terminar com um sorriso de orelha a orelha na cara.
Como disse inicialmente, esta prova não prima por beleza, pois ao fim de algum tempo estamos fartos de passar no mesmo local, prima sim por toda a envolvência deste dia. Desde o speaker, aos voluntários, aos atletas, aos apoiantes, ao esforço daquele atleta, ao nosso esforço, à resiliência e resistência de cada um. Acima de tudo uma superação individual num dia de grande festa. Não há texto algum que demonstre a natureza e o ambiente destas 24 horas, há sim uma experiência única a ser vivida. 

terça-feira, 27 de fevereiro de 2018

Trail Caminhos do Caima

Para este ano, ou pelo menos para o inicio do ano o objectivo era participar em mais provas de trail. Felizmente estive em condições para tal e não tive grandes queixas a nível muscular tendo em conta as recentes provas. Assim, uma vez mais fiz-me à estrada para mais uma corrida em trilhos, na Branca.
Era a primeira edição da prova, e mesmo com duas distâncias, 26 KM a mais longa, e 14 KM a curta, não houve grande afluência. O facto de sermos poucos, pode significar que haja menos confusões em abastecimentos e em alguns trilhos mais estreitos, o que até se torna mais confortável para quem participa. O que se veio a confirmar.


Ambas distâncias arrancam à mesma hora, e com alguns minutos de atraso deu-se a partida.
Com ritmo baixo e certo vou afastando do complexo desportiva da Branca onde era dada a partida, para logo de seguida entrar num estradão largo numa das matas que ali o rodeiam.
Era em terra batida, e apesar de não sermos muitos, éramos os suficientes para levantar bastante pó. O pó aliado ao bastante calor que se encontrava naquele dia era garganta seca com toda a certeza.
O inicio é bastante rolante com algumas descidas, onde comecei a abusar um pouco aumentando o ritmo e sair dali disparado. Seguimos em direcção ao rio Caima, e finalmente um pouco de ar fresco e uma bonita paisagem sobre o grande caudal do rio na base da indústria, já abandonada, daquela região.

Indústria abandonada

Como seria de esperar, e ao contrário do que fizemos até ali, onde se corria e descia bastante, agora seria para subir. E subir como? Por escadas obviamente. Numa longa extensão de escadas, escalamos entre degraus altos e desnivelados, até então entrarmos num novo mato.
Sabia já à partida que iríamos ter 4 subidas mais agrestes, e aqui estava a primeira. Ao fim de 4 quilómetros bem rolantes e de alguma descida, temos uma subida não muito extensa, mas com alguma inclinação.
Fui gerindo o inicio e sem grandes esforços prossegui sem problemas. Cruzamento com algumas aldeias e seguindo entre matos.
A fase inicial era um pouco desinteressante, não fugindo muito à regra, o cenário era sempre o mesmo, sem grande técnica ou algo que fosse mais desafiante.

Para subir, certo?
Para contrariar um pouco a regra até aqui, após nova descida, e chegada a zona habitacional, aproxima-nos novamente do rio caima, para paralelamente a ele prosseguir caminho.
Finalmente o percurso tornava-se bem mais interessante e desafiante.
Entro a todo o gás por uma pequena descida entre árvores que me presenteia ao fundo o rio, nunca sem antes ter que atravessar pedras com alguma humidade e escorregadias que faziam parte deste segmento.
Com cautela pisando as pedras, apercebo que estou a seguir erradamente as fitas e num local bem mais perigoso. Assim que tento dar a volta para rectificar o caminho, coloco o pé numa das pedras, e dou um valente bate-cu para a minha estreia em quedas. Com uma queda um pouco agressiva, bati com o rabo e as costas no chão, enquanto que por instinto coloco a mão direita para tentar aparar a queda. No entanto tudo em vão, a única coisa que consegui fazer em condições foi soltar um grande “Fo…-se”. Penso que todos nós entendemos.

Não via ninguém naquela zona e assim que me levanto, ouço uma outra atleta que seguia à minha frente e se apercebeu, a perguntar se precisava de ajuda. “Não. Obrigado! Estou bem.”
Assim que me levanto sinto uma pequena dor nas costas, devido ao impacto, mas que apercebi ser um arranhão. Mas uma dor maior me preocupava, a mão direita. Parece que tinha perdido a movimentação e força. Vejo que tenho algum sangue na mão, mas nada demais. Pensei ter partido o pulso, e que a minha prova terminava já ali. Parei de correr e vou para junto do rio, onde tinha água fresca para tentar limpar o sangue, e simular o gelo a ver se aliviava. Após esta pequena limpeza, tento mexer a mão e consigo ter mobilidade. Ora, se estivesse partido, certamente não conseguiria ter movimento. Tento fechar a mão, e também o conseguia fazer, fantástico, está tudo bem. Tenho mobilidade, apenas esta dor, que deve ser devido à queda e ficou com alguma pisadura. Assim pensei e continuei até chegar ao abastecimento a ver se tinham gelo para ver se aliviava a dor.
Reencontro com alguns colegas que acabam por tirar as mesmas conclusões e pensarem que pode ser pisado, e quando um me fornece um comprimido para as dores.

Prossigo a viagem, e aos poucos a medicação começa a fazer o efeito pretendido, e a dor da mão ia aliviando. O efeito obviamente contribui para minimizar o desgaste dos músculos até ali, e senti-me novamente com pernas para abusar um pouco, e tendo em conta que o terreno ajudava, já sabem o que se sucede.
A segunda parede era já ao virar da esquina, e felizmente tive consciência do que estava a acontecer para não abusar. Sentia que toda aquela “falsa energia”, era devido à medicação e que não podia abusar da sorte, senão iria sofrer bastante quando terminasse.
Um passo de cada vez e fiz sem grandes problemas. Finalmente o tipo de terreno ia-se modificando e os single tracks começavam a aparecer com maior facilidade, inclusive algumas passagens em levadas. A vegetação é mais intensa e diversificada, o que torna tudo bem mais interessante.

Abastecimento à sombrinha!
Novo abastecimento, e paro para comer um pouco mais, e beber. Prossigo, e a inclinação começa a acentuar-se em grande. A penúltima grande subida estava a iniciar-se, e em asfalto. Seguindo as marcações que a meu ver estiveram sempre bem visíveis, chegamos a um troço em terra, e por ali seguimos numa constante subida que parecia não ter fim. As pequenas pedras soltas dificultavam a progressão, e as curvas desgastavam o psicológico. Enganado umas 3 ou 4 vezes que logo após à curva seria para descer, eis que surge mais uma nova rampa de lançamento para o topo. Por fim, finalmente e desta vez sem enganos pois dava para perceber a descida, numa rápida virada iniciamos a descida com cerca de 2KM.
Acelerei um pouco o passo e aproveitei para gozar um pouco aquele momento.

Até à última subida, foi mais ou menos rolante, tendo apenas uma pequena entrada para junto ao rio, que me deu gozo, mas ao mesmo tempo assustou por causa da mão. Antes de entrar neste trilho, tínhamos um abastecimento somente de líquidos, que me deu jeito para encher as garrafas, mas que ao mesmo tempo deu para perceber que a mão não estava nas melhores condições. Ao tentar abrir as garrafas reparei que era uma tarefa dura, e que algo não estava bem, no entanto continuava a conseguir mexer sem problemas. Prosseguindo a viagem, e entrando num trilho que percorria junto ao rio, iniciava-se algumas descidas que obrigavam a usar as mãos em árvores para travar e desviar. Uma tarefa também impossível, pois a mão doía bastante sempre que fazia esse movimento, sendo obrigado a fazer toda esta tarefa apenas com a mão esquerda. Algumas travessias pelo rio, e aqui sempre com cuidado, e também devido à minha mão, pois sabia que o mínimo de descuido seria o suficiente para ter outro problema maior, não quis arriscar. Após algum tempo, achei que fosse um pouco exagerada aquela travessia no rio, inclusive atrasava muito a progressão devido às grandes pedras lisas e escorregadias.

Num mato, bem mais denso e num pequeno trilho fui progredindo na que seria a última subida. A mão já começava a inchar, mas lá continuei, ignorando. A última parede, e por já estar muito calor, fez-me secar as garrafas de água, que tinham sido enchidas pouco antes da subida. As energias já eram poucas, e a subida que inicialmente se fez com ritmo alto, rapidamente baixou e atrasou a progressão.
Concluída a última parede, lá fui conseguindo rolar até ao final, e onde finalmente abasteci.

Relativamente à prova, gostei de alguns trilhos, contudo outros achei algo monótonos e sem interesse.
Já a minha mão, e ao contrário de tudo o que pensava, foi a desgraça.
Após o final, e por descargo de consciência, dirigi-me ao hospital para fazer um raio-x.
O resultado – Fractura do metacarpo 3 - Mão engessada.

sexta-feira, 16 de fevereiro de 2018

Trail Serra da Freita

O porquê?

Há quem me chame de tolinho, maluco, masoquista entre outros nomes (designemos de “insultos”). No entanto e de forma natural, gosto de os ouvir, por saber interpretar o seu verdadeiro significado. Não pelas distâncias, pois ainda não são das maiores, mas sim pelo que faço sem obter nada em troca à excepção da satisfação/diversão e superação pessoal ao desafiar-me a mim e aquilo que vou encontrando ao longo deste percurso. Percurso esse que para muitas pessoas é incompreensível, ou não querem saber o porquê de fazer o que fazemos.
Agradeço assim esses “insultos”, que sei que são amigáveis, mas que tanto contribuem para dar mais alento e vontade de fazer aquilo que tanto gosto.
Não é um desabafo, mas sim um agradecimento a estes aplausos (”insultos”).

Movido apenas pelo desafio, as tréguas tinham que ser feitas com a minha vizinha. A Freita deixou-me de rastos no nosso último encontro. Quando pensava que estava a correr numa passadeira vermelha em piso plano, eis que a serra surge em todo o seu esplendor me tira a carpete e mostra o seu verdadeiro terreno implacável. Deitou-me abaixo, mas ensinou-me a levantar.
Regresso, porque a Freita é um local que gosto, e pretendo conhecer mais e melhor.

Sabia que era o berço do trail em Portugal, e que era desafiante, não estivéssemos a falar da Freita. Contudo para ajuizar as coisas e como não seria de esperar outra coisa a prova mais curta (28 KM) seria a minha escolha. As longas e/ou ultras terão que aguardar para o futuro, pois ainda não me sinto com preparação para tal.


A Prova

A prova mais curta foi a prova com mais criticas que fui ouvindo. Desde o percurso, abastecimentos, organização, … enfim uma data de situações.
A distância dos 28 KM era a mais apupada, principalmente pelo percurso. Seriam cerca de 9 quilómetros a subir por um trajecto que de interessante não tinha nada até ao cimo da serra, correr 10 KM no alto e descida pelo mesmo local onde inicialmente subimos. Ou seja, isto realmente dá vontade de dar uma nega logo à partida, tendo em conta o valor da inscrição na prova, e o que esta representa. A prova em si seria apenas uma visita rápida à Freita e vamos embora, e um trajecto que não vislumbre um pouco das excelentes paisagens que este local proporciona.
Contudo, e como gosto de ter a minha própria experiência e opinião, seria a minha segunda travessia pela Freita, desta vez pelo lado de Arouca, local onde se dá a partida.

Cheguei a Arouca com bastante tempo de antecedência. Tempo para levantar o dorsal, preparar-me, aquecer e juntar à festa. Festa essa que presenciei pela primeira vez. Num pavilhão onde seria o palco da meta, respirava-se trail running. Muita gente e alguns balcões com vários artigos à venda que saltavam à vista a quem ali passava. Já os preços, esses conseguiam afastar qualquer interessado.
A hora da partida estava quase a chegar, e ainda teria que ir para o exterior do pavilhão. Às 9h em ponto deu-se o arranque e sem que demorasse muito já estávamos todos a subir. Inicio feito com ligeira inclinação em estrada, mas nada que incomodasse nem fizesse abrandar todos aqueles atletas que pensavam subir a Freita. Ao fim de aproximadamente 1,5 KM temos a os primeiros trilhos, com ainda bastante confusão, aos poucos fomos avançando e dispersando.
A travessia da estrada seria inevitável já que ziguezagueava a encosta que “trepávamos”.

Mais uma vez tive a companhia do meu primo que já várias vezes referi aqui. Tendo ele já participado em edições anteriores, conhecia o percurso, mas rapidamente começou a estranhar os locais que íamos atravessando. Isto tudo é normal, visto que a organização felizmente e finalmente lembrou-se de o alterar, ou pelo menos a subida inicial não coincidia com o final.
Diga-se de passagem, que foi uma escolha acertada.
Trilhos bem mais interessantes não sendo muito técnicos na fase inicial, que aos poucos foi dificultando.

Esta distância seria o meu recorde até então em provas de trail. A gestão teria que ser feita desde o tiro de partida. Subida feita sem grandes esforços e de forma a poder usufruir de alguns trilhos mais técnicos e alguns single tracks. A meio da subida existe uma pequena descida que conseguia enganar os mais desatentos, com o que ainda faltava até ao topo.
A Freita deste lado é totalmente o oposto do lado onde vivo. Se na minha localidade a serra tem uma vegetação bem junta ao solo, e com árvores bastante dispersas excluindo quase a sombra, aqui não há falta destas. Bastantes árvores até ao topo. Apenas algumas zonas em que conseguíamos ter uma vista mais privilegiada e conseguir vislumbrar as bonitas paisagens à nossa volta, inclusive Arouca.
Já no cimo, o habitual arvoredo desaparece e surge a vegetação mais rasteira com algumas pedras.


Chegando ao primeiro abastecimento, aproveito para me recompor e hidratar bem. Estava bastante calor e não queria acusar uma nova desidratação. Aos poucos apercebo-me de uns comentários entre os voluntários e atletas de que algo não está a correr como se esperava. Teoricamente os primeiros atletas ainda não tinham passado naquele abastecimento. O que me pareceu algo confuso. Mas como não tinha ouvido a conversa desde o inicio, ignorei e continuei a minha viagem. Por um trajecto que não gosto particularmente devido ao tipo de terreno.
A típica vegetação desta serra aliada às bastantes pedras que a compõem, tornavam aquele percurso incerto escondendo por vezes alguns buracos, provocando facilmente uma queda e/ou uma entorse.

Com isto, optei por ir mais à cautela e sem grandes euforias, o que fez com que vários atletas fossem aproximando e continuavam com a mesma conversa do abastecimento. Ora, qual não é o meu espanto que vou vendo atletas a vir em direcção contrária e vou assimilando toda aquela conversa e finalmente entendi toda aquela algazarra. Significava que aquela prova estava arruinada.
Sensivelmente ao quilometro 8/9 onde tem um pequeno cruzamento do percurso da subida inicial e da descida final, existe um desvio em que uma voluntária teria que trocar uma fita para indicar o caminho certo a percorrer. O sucedido, foi que os primeiros atletas seguiram pelo local que deveríamos descer, pouco depois colocou a fita no local certo o que fez com que os restantes seguissem pelo trilho certo.
Resumindo, uma grande confusão que se alastrou rapidamente, e que fez com que os elementos da organização quase participassem na prova. Visto andarem a correr de um lado para o outro e com telefonemas para ver como poderiam resolver o problema. Enfim, confusão implantada devido a um pequeno erro que se tornou enorme (nota: esta prova pertencia ao campeonato nacional de trail).


Sem grandes lamentações, pois a mim não me impediu de prosseguir e divertir continuei o meu caminho que ainda faltava bastante.
Num pequeno estradão bem plano deu para dar às pernas e soltar um pouco o atleta de estrada. A sombra no cimo era pouca ou inexistente em grande parte do percurso, então todos os riachos eram fonte de refresco. Inclusive um pequeno mergulho num dos muitos lagos que encontramos no cimo desta serra.
Sim um pequeno banho, apenas faltava um sabonete, refresquei as pernas e sigo viagem em direcção à aldeia Albergaria da Serra entre PR’s que já conhecia de quando era mais miúdo.
Aos poucos o terreno tornava-se mais acidentado com calçada feita em pedra e o espaço mais apertado, o que obrigava alguma agilidade e corrida. Num espaço que era dedicado a algumas rochas, teríamos que escolher o melhor caminho e evitar grandes desgastes e pior ainda, quedas. Para aliviar aquela empreitada toda atravessamos uma pequena ponte, mas temos continuidade de piso empedrado, mas estreito o que uma vez mais obrigava a correr, ou então era obrigado a encostar para deixar passar os mais apressados.
Cruzamento em algumas aldeias, e seguimos por PRs para último abastecimento num parque de merendas junto ao parque de campismo do Merujal.

Curiosamente, e sem novidade nenhuma, o tema de conversa era a confusão que houve na prova devido à falha que houve. Aos poucos começaram a comentar que a prova estava cancelada e que muitos até ficavam por ali. Um descontentamento geral e desalento que se foi espalhando. Curiosamente penso ter visto vários a desistir naquela fase e a ir de carro para o final, outros a continuarem, mas em modo de treino, ou diziam eles. O que sei é que queria comer alguma coisa e devido ao grande aglomerar de pessoas ali estava uma confusão danada, e como não estava para competir iria continuar fosse como fosse.

Entendo e respeito, que para muitos toda esta situação seja chata e não seja admissível um erro destes, principalmente pelo que a prova representa. Mas também têm que entender que errar é humano e por um lapso de uma pessoa, que foi fulcral é certo, não se pode culpar a organização toda. Isto devido aos insultos e ofensas à entidade responsável pela prova.

Enfim desabafo feito, e após alguns minutos de paragem e fugindo da confusão toda continuo com o meu primo para seguirmos em direcção à descida final.
O percurso aqui foi de todo desinteressante, mesmo até ao final tirando alguns pequenos locais. Seguimos em direcção às eólicas que se encontravam junto ao primeiro abastecimento e desviamos para iniciar a longa descida de ca. 10 quilómetros.
Pouco depois de iniciarmos a descida em conversa de toda aquela confusão com o meu primo cruzamos no local onde se sucedeu toda aquela situação e onde ainda se encontrava a rapariga lamentou o sucedido. Sem problemas da minha parte.


Como disse anteriormente esta descida era sem grande interesse, onde realmente entendo o descontentamento de outras edições em que a subida e descida por este local se tornava bastante maçador e desinteressante.
Já em solo arouquense, temos alguns quilómetros em estrada que nos levam até à meta.
Subindo umas escadas e entrar no pavilhão e cruzar o pórtico final com o sabor de superação, e objectivo concluído.

Obviamente que ao ler o relato, subentende-se que foi um desastre e está cheia de problemas. No entanto não a vejo assim de modo geral. Houve um erro que condicionou tudo, e que fez com que muitos perdessem a credibilidade da organização. Acabo por me repetir, mas um erro de uma pessoa, não responsabiliza toda a entidade que trabalhou para aquele dia. Mas resumindo, é uma prova que tem tudo para conseguir ser bem mais sucedida do que o que já o é. Estamos a falar da Serra da Freita e trilhos não faltam, e locais para explorar. Tem uma imensidão de alternativas para se fazer desta prova uma excelente referência. Felizmente os abastecimentos tinham o suficiente para a prova, e arregaçaram as mangas para dar um inicio de prova diferente e bem mais interessante que as edições anteriores. Falta mesmo arranjar um final (descida) diferente com algo que demonstre bem melhor qualidade que aquele. Ou então uma prova diferente em que o local de partida e chegada não coincida, por exemplo.

sexta-feira, 9 de fevereiro de 2018

2ª Esmoriz Night Race

Regressar onde já se foi feliz.
Repetente ou não, tinha que ser feita. Uma prova no final de um dia de primavera, com o verão já à espreita para se poder apreciar o pôr do sol, com a temperatura já a refrescar um pouco, diferentes tipos de terreno e com um excelente ambiente.
A quantidade de atletas não disparou significativamente em relação à 1ª edição, no entanto éramos mais, a boa disposição mantinha-se, e as expectativas eram boas. Pelo menos para mim. Apesar do problema do último trail, estava a sentir-me bastante bem. Conhecia todo o percurso, sabia exactamente onde podia ou não puxar e daria o meu melhor custe o que custar.


Pela 1ª vez coloquei-me bem na frente da partida, não teria muita gente para ultrapassar ou assim pensei eu.
Com o tiro de partida dado, tentei conter-me, mas foi impossível. Estava na frente e fui completamente engolido por aquela multidão que só queria acelerar. Para mal dos meus pecados, também tive que fazer o mesmo, senão arriscava-me a levar nas pernas, tal era o movimento desta gente. Ritmo razoavelmente forte durante o 1º quilometro, até verificar que estava mais disperso e sem grandes malucos a correr desalmados. Finalmente começo a abrandar, e tento colocar um bom ritmo que me permita avançar até ao final sem grandes problemas.
Sabia que a areia estava a chegar e o desgaste seria maior, então abrando um pouco, de maneira a manter também um bom ritmo. Sorte a minha já conhecer este trajecto, pois os restantes que inicialmente iniciaram como uma moto de pista, neste momento seguiam como uma bicicleta de pneus furados. O entusiasmo é muito e dá nisto, de vez em quando ainda passo por isso.

Pronto para arrancar!
Um traçado completamente “encharcado” de areia, durante uns 2KM sensivelmente. Felizmente não custou como o ano anterior e notei isso quando volto a pisar o asfalto. Quis colocar novamente o ritmo alto e as pernas deixaram.
Passagem para os passadiços que percorrem paralelamente à estrada, novamente os mesmos “pirilampos” que achei piada na edição anterior.
Uma situação caricata do ano anterior, foi quando estava perto do final, ter sido ultrapassado por uma mulher, que mais tarde confirmei ser a 1ª a terminar no sector feminino.
Nesta altura com cerca de 6/7 quilómetros percorridos, eis que surge a 1ª mulher a ultrapassar-me, mas com tanto ainda para o final.
Alto aí, estou com melhor forma que o ano passado, estou com um excelente ritmo que me permite aguentar bem até ao final, e já estou a ser ultrapassado? Não, não. Desta vez não me apanham desprevenido.


Não sei porquê, fiquei com a sensação que era a primeira feminina, o que me levou a ter um objectivo para esta prova, tentar acompanhar a rapariga até ao final. Esta ideia, foi o que me conseguiu manter com as pernas a andar e com um ritmo bastante constante. O ritmo era semelhante ao meu, e esforçava-se para não o perder. Cruzando com outros atletas apercebi-me que já tinha algum rótulo nestas correrias.
Com uma pequena quebra, quase me colocava como derrotado, mas felizmente o meu organismo conseguiu fazer uma pesquisa e sacar umas energias que ainda me restavam para recompor e voltar à luta.

A caminho do traçado de areia!
Ao chegar à entrada para o estádio, eis que surge a confirmação do que já vinha a matutar algum tempo. Era a 1ª feminina! Um deja vu?
Ela não tendo entendido à primeira, tive que repetir, acabando, ela, por soltar um berro de alegria. Começou logo a perguntar, se vinha alguém para trás. Estávamos dentro do estádio, com uma boa animação e apoio, no entanto não lhe conseguia confirmar se sim ou não, apenas lhe disse que estávamos quase no final e que se mantivesse o ritmo, conseguia facilmente ganhar.

Aguardei um pouco para lhe iluminar o caminho, pois tinha ficado sem frontal. E já junto à recta final começou a quebrar, mas com alguns berros lá foi andando e conseguiu ser a primeira feminina.
Uma multidão aguardava na meta e dava o apoio a todos que terminavam. Com 55 minutos voltei a passar a meta e a sentir-me bem e concretizado.

Um dos cenários que fomos deixando para trás
A organização passa completamente despercebida, no entanto não quer dizer que seja mau, antes pelo contrário. Apesar de não ter tido o mesmo sentimento que no ano anterior, continuo a achar uma prova engraçada, e relembrando sempre a alegria com que cheguei ao final da 1ª edição.

Trail de Manhouce

Serra da Freita, minha vizinha, onde nasceu o trail em Portugal e onde ainda se pratica, e pode vir a praticar bom trail. Muito associada à famosa prova UTSF, acabamos por não associar a outras provas que lá também se realizam. Penso que podiam realizar diversas provas nesta serra que seriam sempre surpreendentes.

Uma delas foi o Trail de Manhouce. Não conhecia a localidade, muito menos a prova. Apenas em conversa com outros amantes dos trilhos é que me falaram, e vi que seria a primeira oportunidade de correr na Freita. Muito já tinha ouvido e lido sobre correr nesta serra. É muito enganadora, no momento que se pensa que está tudo controlado, consegue virar qualquer um do avesso.





Manhouce, uma pequena aldeia já do outro lado da serra, seria uma viagem ainda um pouco longa. Obrigado a levantar um pouco mais cedo e a arrancar de maneira a chegar sem atrasos.
Havia 2 distâncias anunciadas para além da caminhada, no entanto sendo uma prova não muito conhecida na totalidade rondava os 100 atletas.
Arranque marcado para as 9h, o que acabou por atrasar devido a um breve briefing inicial que me trouxe a primeira grande lapada.

Ora como já falei acima, já tinha ouvido e lido vários relatos de provas na freita. O que mais me tinha chamado à atenção foi o facto de haver um percurso que era bastante complicado ao qual chamavam “Besta”. Se já não chegava referirem que a besta era complicada, que foram devorados pela besta, que a besta os derrotou, … Tinham mesmo que dar o nome de “Besta” à “Besta”? (perceberam?)
Voltando à grande lapada, foi quando anunciaram que os 24KM, prova que a minha pessoa iria percorrer, iriam passar na “Besta”. Agora digam-me se não é de ficar já derrotado sem sequer começar a dar os primeiros passos de corrida!



Bem, esquece lá isso, quando lá chegares fazes à tua maneira. Por acaso era um local que queria passar, mas não naquele dia, não me sentia pronto para tal.
Arranque feito numa ponte antiga romana, e vamos lá subir a Freita.
Para animar um pouco, tínhamos cerca de 5 quilómetros a subir, que seria até ao topo da serra. Após algumas passagens por estrada e terra batida e uma pequena aldeia, finalmente pisamos a vegetação característica desta zona. A céu aberto com algum calor à mistura, apenas com vegetação rastejante subi hidratando bem, e sempre evitando esforçar. Consegui minimizar o esforço que em companhia e entre gargalhadas segui até ao topo.
Subida feita e mudamos de cenário. Num estradão largo que acompanha as turbinas eólicas, o calor mantém-se do nosso lado e traz um companheiro chamado vento.

A caminho do topo!
O topo
Ao KM 6 temos o 1º abastecimento e único de certa maneira. Estavam previstos 2 abastecimentos, sendo que era o mesmo, pois voltaríamos a passar no mesmo local vindo de outra direcção. No entanto o abastecimento, pareceu-me um pouco fraco, tendo apenas os mínimos do básico. Como me sentia bem, apenas parei para comer alguma coisa, encher um pouco as garrafas e seguir.
Seguimos em frente, e o vento manteve-se forte, mas acabou por saber bem, devido à temperatura.
Já um pouco saturado daquele estradão, eis que finalmente seguimos por uma descida encosta abaixo um pouco acidentada. Pode-se dizer que bastante perigosa. Muita pedra solta e escorregadia, pequenos traçados de água finalizando em lençóis, e algumas ervas que facilitavam uma valente queda. Comecei com força, mas mal vi que podia facilmente cair, optei por abrandar, afinal queria chegar ao final. Mais à frente o terreno melhorou bastante, e tivemos oportunidade para apreciar um rio que se encontrava alguns metros mais abaixo da nossa descida.

Final da descida começa o plano, mas bastante rolante, passando por um pequeno lago, onde a passagem era feita aos saltos por cima de enormes pedras como se uma ponte fosse.
Dobrada a serra, e por uma levada, um pouco tapada pelas ervas, prosseguimos, onde muitos optavam por seguir dentro da mesma, enquanto outros iam saltitando de lado para lado.
Adorei este local, devido ao cenário que nos rodeava. De um lado tínhamos um plano em que apenas víamos verdura e a passagem da estrada, enquanto do outro tínhamos uma enorme serra que nos faz lembrar o quão pequenos somos. Era como estar no fundo de um desfiladeiro, e olhando para cima víamos o topo. Para agradar mais a vista, atrás de nós, à medida que avançávamos vislumbramos a união de duas serras, formando um “V” perfeito”.

Improvisação da ponte!
Aos poucos fomos afastando da levada até chegarmos a estrada e descermos brutalmente até à aldeia Póvoa das Leiras, constituída com casas em pedra. Aldeia percorrida e chegamos a uma entrada onde achei estranho verificar que havia imensa gente. Abaixo vejo um autocarro, talvez seja uma excursão. Quando de repente fazem um corredor e começam a aplaudir e a dar o incentivo extra que tanto gostamos. Devido à passagem que fizeram, não me apercebi, mas tínhamos entrado num PR que ligava Póvoa das Leiras a Candal.
Um caminho bastante interessante e que me deu algum gozo.


Uma das coisas que geri bem inicialmente era a água e cuidados para não abusar muito nas descidas. No entanto nestes últimos quilómetros devido às distracções das paisagens, rápidas mudanças de cenários e “gozo” que me estava a proporcionar, desleixei um bocado tanto na hidratação como no esforço tendo em conta o que ainda tinha para fazer (“Besta” lembram-se?). Chegado a Candal tínhamos uma subida com bastante declive até a um estradão bem largo que nos levaria à entrada da famosa “Besta”.

Entrada na Besta

Pequena ilustração da "Besta"
A “besta” para quem não sabe é nada mais nada menos que uma subida com cerca de 1000 metros de extensão. Até aqui tudo bem, para quem fez 5000 metros a subir, 1 quilometro não é nada demais. O problema desta subida e de terem chamado o nome que lhe chamam tem a ver com o tipo de terreno que o subimos, ou melhor, gatinhamos. Desde enormes pedras posicionadas entre elas que mais parece efeitos de uma derrocada, com algumas plantas e arvoredo que sobem entre elas, e água que desce desde o alto até ao fundo.
Se inicialmente as pedras são secas e um pouco soltas, mais acima ficam mais fixas, mas bem mais escorregadias. Um passo em falso e temos o caldo entornado. Aos poucos fui subindo o que para mim estava a ser um sacrifício. Roguei várias pragas e chamei vários nomes à “Besta”. Vejam lá que tipos de insultos fiz, tendo aquela extensão um nome daqueles.
Nunca demorei tanto a fazer 1 KM, a água já tinha terminado e o corpo não estava a reagir nada bem àquele acumular. Se até ali tinha tudo corrido na perfeição, o caldo entornou por completo. As pernas começaram a queixar-se e não tinha nada comigo para poder alimentar ou beber.

Besta feita. Yuuupiii!


Nabice minha, talvez por pouca experiência, mas não soube gerir aquela subida. Ainda tive a oportunidade de beber pelo riacho que pelas pedras percorria, como tantos o faziam, mas não, não era necessário, afinal já estou a chegar ao topo, ou pensava eu que sim. 
Finalmente no cimo, o meu pensamento foi de que o pior já estava feito. De facto, a pior subida estava feita, mas ainda tinha uma descida enorme até ao final.
Penso que um dos erros da organização foi não ter referido a passagem por este percurso, antecipadamente. Certamente a minha decisão seria ir para outra distância, ou talvez uma preparação diferente mesmo em termos de suplementos. Dos poucos géis que levei, em vez de ter tomado mal iniciei a subida (mais uma burrice minha), tomei apenas no final, e que a partir daí não teria mais nenhum.

Nova passagem pelo abastecimento e encho os bidões de água para finalmente beber. Coisa que já devia ter feito antes, mas que já era tarde demais. A mesa já parece estar um pouco abandalhada, e fico um pouco reticente neste aspecto, que houve grande desleixo a meu ver.
Volto a correr, ou tentar fazer algo semelhante. Por um trajecto que pessoalmente não gosto. Tipo de terreno escorregadio com bastante pedra solta e buracos, fácil para fazer uma entorse. Era a descer, e pensei que aqui conseguisse recuperar fôlego e ao beber com maior frequência conseguia melhorar. Mas não estava a conseguir. 
Houve a necessidade de parar e caminhar. As pernas não estavam a reagir da melhor forma e estava a sentir os músculos presos. Bebendo água melhorava, mas ao iniciar a corrida a situação piorava.

Descida louca!
Descida a serra, poucos quilómetros faltavam, mas já não dava para mais. Sentia cada vez mais os músculos presos, e inicio de cãibras. Repetidamente dizia “Raios parta a besta”, mas já não valia de nada. Quando pensei que tudo tinha corrido da melhor forma, a freita mostrou que não era desta forma que tinha que a abordar, e deu-me uma lição que nunca tinha levado antes.
Já não havia remédio que me tirasse aquele incomodo todo, apenas o final e a meta, poderiam abrandar aquelas dores. Após a longa descida, seguimos novamente pela última aldeia, e finalmente a prometida meta que ansiava alguns quilómetros atrás. Atravessada a meta, os músculos orgulharam-se tanto de mim, que fizeram uma vénia, caíndo por completo.

Caminho da meta!
Esquecendo um pouco o empeno que arrecadei, e pensando bem naquilo que foi a prova, gostei num modo geral. Tem trilhos técnicos e bastante desafiantes, e ao mesmo tempo paisagens de arregalar os olhos. A “Besta”, tenho a dizer que sim é um percurso algo complicado, mas possível de ser feito com boa gestão e com calma.
Um dos pontos fracos para mim nesta prova foi o abastecimento, tanto durante a prova como no final, e saliento o final por falta dele. Este último ponto é opinião pessoal, e a meu ver houve falha de comunicação pelo menos relativamente aos locais de passagem no momento da inscrição. Pelo simples facto que a "besta", é algo que exige muito de nós, e que nem todos podem estar preparados. De resto, marcações bem visíveis, e existia pessoal espalhado ao longo de toda a prova para ajudar, mesmo em locais mais perigosos. Uma prova bastante desafiante e com bastante potencial para crescer, se assim o pretenderem.