segunda-feira, 25 de novembro de 2019

Maratona do Porto - Uma vitória sofrida

E vão cinco. Foi a quinta maratona, e terceira participação na Maratona do Porto.
Já conheço o percurso da frente para trás, e de trás para a frente, o que só de o antever, já cansa a mente. Tem vários segmentos, que são fantásticos, outros menos interessantes, enfim, tem de tudo.
Queria fazer udo de forma diferente desta vez, e a começar por chegar a tempo e horas, e assim o fiz. Reunimos a comitiva para esta empreitada, e rumamos a Matosinhos, para mais uma participação.
Não fizemos a coisa por menos, e chegamos cedo, e com tempo que sobre para tudo e mais alguma coisa, acabando por conseguir colocar mesmo no inicio do bloco A, tendo pela frente apenas a elite e sub-elite.
A minutos da partida, cortavam-se as divisões dos blocos, e colocava-me a escassos metros da partida, mesmo atrás da elite, e a adrenalina começa a surgir.


Foto da organização

O inicio é sempre de arrepiar, e deixei-me embalar por tudo em redor, e deixei-me ir na onda de todos que me rodeavam e corriam ferozmente logo de inicio.
Não durou muito para se dar o clique, e cair na realidade, que aquilo eram 42 quilómetros, e não meia dúzia, e abrando o ritmo.
Ia seguir a “receita” da Maratona da Europa, que resultou na perfeição. Manter um ritmo certo, e controlar pelo relógio. Sabia que tinha os balões das horas, mas não gosto da confusão em volta, que pode ser um problema em alguns casos durante o decorrer da prova. Para ajudar a minha decisão, foi o ritmo louco que o responsável por aquele tempo estava a fazer, com previsão para terminar abaixo das 3 horas em cerca de 10 minutos, e aquilo certamente não era para mim.

Deixei-me ficar para trás, a minha passada no meu ritmo e sem atropelos. Mesmo assim as coisas não seguiram o plano à risca, não que tivesse uma faca encostada às costas para correr mais depressa do que o que devia, mas por ter o sangue a ferver e ver aquele grupo a afastar-se, acabava por apertar mais um pouco, e elevava o ritmo para um patamar inapropriado.
Não descolava o olhar nem deixava o grupo distanciar-se em demasia, tentava controlar aquilo tudo enquanto corria, e me surgia os primeiros problemas ainda em direcção aos primeiros 10 quilómetros.
Havia arrancado com vontade de verter líquidos, que pensava que com o decorrer da prova se afastaria, e como quando surge um problema não vem sozinho, também surgiram imensas cólicas, e assim não ia dar para estar bem e correr bem.


Foto da organização

Assim que tivesse vontade de largar aquele ar todo, não ia olhar para trás, e teria que o deixar, mas isso não acontecia. É complicado correr 42 quilómetros com uma indisposição na barriga.
Poucos momentos houve em que não sentia aquele incomodo, felizmente foi sempre quando passava pelas zonas mais movimentadas e mais emblemáticas do percurso, e a rotunda da anémona este ano estava fantástica. Já levava 12 quilómetros quando passamos pelo castelo do queijo, e deixávamos Matosinhos para trás, seguindo pela longa recta da marginal, um pouco mais deserta de apoiantes, mas sempre bonita de apreciar.
Ali ainda se vai fresco, e não custa fazer a travessia com cabeça erguida e olhar para o fim daquela longa estrada.




Já estava em direcção à Ribeira, com cerca de 17 quilómetros, e já vinha alguns a olhar para um sitio para encostar e verter águas, tinha que ser, e ver se conseguia acalmar aquela indisposição.
Não demorei muito, e voltei, acelerei um pouco para retomar onde estava, e continuava a sentir em perfeitas condições. Dava-me a sensação de haver mais gente, mais aplausos e mais entusiastas daquele que é um desporto em ascensão já há vários anos, e os espanhóis e franceses juntavam-se à festa, parecia haver um em cada canto, foram fantásticos.
A zona da ribeira é sempre o ponto alto desta prova, e a travessia da ponte Dom Luís é a cereja no topo do bolo. O aglomerado de gente ali, é qualquer coisa, só não podiam correr por mim. Chegava aos 21 quilómetros com 1:30h, estava bem folgado, e contente por ter aguentado tanto com toda aquela confusão na barriga.
A zona de Gaia, é manhosa, alguns altos e baixos e paralelos à mistura, trituram de forma lenta e impiedosa, e eu não fui excepção.
Foi ali que comecei a acusar tudo e mais alguma coisa, estava incomodado com aquele desarranjo, e com inicio de caibras na coxa direita, e não queria parar para evitar quebras de ritmo.


Há que dar ânimo. Passagem na Ribeira

Abrandei, e forçava a passada, implorava para passar rapidamente os paralelos, e não desgastar na subida para o tabuleiro da ponte, mas sabia que era questão de pouco tempo para rebentar e ter que caminhar, iria inevitavelmente bater no muro desta vez.
Não me importava, o que me importava era terminar, era atravessar a meta seja de que maneira fosse.
Atravessava a ponte novamente, e rumava em direcção à ponte do Freixo pela marginal, mas nem a vista sobre o rio, ou aquela gente me conseguia dar incentivo para forçar, estava derrotado.
O abastecimento dos 30 KM estava, ali, a poucos metros de mim, quando tenho a primeira quebra, não me envergonhava estar a caminhar, nem me envergonho de o admitir, mas não conseguia correr mais.
Não pus de parte a desistência, mas interrogava-me se não conseguia terminar na mesma, nem que seja a ritmos mais lentos. Ia intercalando alguma caminhada com corrida, mas seria capaz de o fazer? Ia tentar.


Passagem pela ponte D. Luís I. Foto da organização

Punha a cabeça em ordem, enquanto ia tentando um trote aqui e ali a ver se a máquina já queria funcionar. Só consegui correr algumas centenas de metros, até entrar no túnel e ouvir “Chariots of Fire”, dos momentos mais especiais desta prova, dá para arrepiar.
Estava revoltado, queria correr, mas o corpo não deixava, não era psicológico era mesmo falta de treino e capacidade para estar ali naquele dia, treinasses.
Foram várias centenas de metros feitos a caminhar, alguns intercalados com uma espécie de corrida, mas era o melhor que conseguia.
Por momentos senti-me com energia, e ainda consegui alguns minutos com ritmo confortável de corrida, e assim me mantive até quebrar de novo na longa recta interminável da Av.ª do Brasil.


Tunel e "Chariots of Fire"

O apoio ali deixou de ser feito somente de fora, mas também de todos os que ainda participavam, e mesmo em esforço não deixavam de dar o apoio, e contribuíam para os últimos quilómetros. Também deixou de ser para os atletas em geral, mas sim individualmente para cada um de nós. Sentia que estava feita, não sabia como, mas sabia que ia terminar, sofri, passou-me de tudo pela cabeça, mas consegui, estava frustrado, mas contente, só queria ver alguma cara familiar.
Chegava à rotunda do castelo do Queijo, e ali uns poucos metros tive que abrandar de novo e abanava a cabeça, como se não conseguisse mais, não fosse eu acordado de seguida. Não lhe consegui agradecer devidamente, mas puxou por mim, alguém, que caminhava em sentido contrário ao meu. Reparou que estava derrotado, e ali berrou por mim, não sei como o fez, mas deu-me alento, deu-me a coragem e a força que necessitava para o final, já feito sem pernas, mas com cabeça e coração, apenas com vontade de atravessar a meta. OBRIGADO!


Inicio da Avª. do Brasil

Longa, a recta, e as pessoas começam a aparecer, os últimos aplausos, e a última subida para a meta, aquela subida da rotunda da anémona para o queimódromo onde as pernas começam a querer quebrar novamente, mas agora não, corria com a cabeça e lutava para continuar, enquanto a minha família ali estava a apoiar e gritam por mim. Levanto a mão e tento não deitar uma lágrima, viro para o recinto e só mais uns metros e atravesso o pórtico. Estava feito.
Não da maneira que devia, mas da forma que consegui, sofrida e arrebatadora.
Encostei-me a uma das grades, e debrucei-me a acalmar a respiração e a esticar um pouco as pernas, enquanto pensava em tudo o que havia passado naqueles 42 quilómetros loucos.
Desde o arranque frenético, ao acalmar os cavalos e controlar o ritmo, as cólicas e inícios de caibras, a corrida e a caminhada, a imensidão de gente em vários pontos, e ruas despidas, o apoio mais individual que já experienciei, e a admiração pelos apoiantes de Espanha e França, que contribuíram em grande para que as partes mais monótonas fossem vividas de outra forma, o saber correr já não com as pernas, mas sim com a cabeça, e o ver a família ao fim daquela conquista.


A chegada sofrida. Foto da família

Foi sofrida, dolorosa, mas vivida e conquistada.