terça-feira, 11 de junho de 2019

Meia Maratona de Salamanca - Um plano com muito alto e baixo

Quantas vezes é necessário fazer a mesma coisa para se tornar tradição?
Uma, duas vezes é suficiente?
O certo é que estava previsto o regresso a Espanha, não a Vigo desta vez, mas a Salamanca.
Um local cheio de história, e vários pontos de interesse para visitar. Mesmo com a ida no dia anterior, foi impossível visitar tudo, e ver com mais calma. Consegui pelo menos ter uma pequena noção daquela cidade, e sabia que à partida no dia seguinte enquanto corria iria passar em vários locais, por todas aquelas pequenas ruelas que cruzavam com alguns dos vários edifícios históricos.
Era um local histórico, notava-se bem em todas as fachadas dos edifícios, ao manterem uma arquitectura idêntica como se tudo fizesse parte da mesma época.
O hotel ficava mesmo junto ao local da partida, e de todo o grande centro e atracção turística, o que facilitou bastante tanto para dar uma visita rápida, como para o levantamento dos kits.


É um facto que o sítio escolhido era óptimo para estas situações, contudo para descanso, já não foi o ideal, a noite é animada para aquelas bandas, e as muitas conversas na rua, gritarias dos grupos ouviram-se noite dentro.
Não dava para mais, o despertador tocava e já eu o aguardava alguns largos minutos, tinha que me levantar e começar a preparar.
Este hotel, acabou por ser uma surpresa desagradável, o seu interior não era o mais acolhedor, mas para uma noite não seria problema, mas na hora do pequeno almoço foi quando me desagradou por completo, com a falta de variedade, e somente um funcionário a correr para servir e limpar toda a sala, obrigando a muitos estar à espera que fosse possível haver alguma coisa para comer, ou mesmo para sentar. Valeu pelo menos pela cedência do quarto até depois da prova para um banho mais confortável.

Faltava cerca de 1.30h para a partida, tinha tempo de sobra para fazer as coisas com calma. Tardei a saída do hotel pela brisa matinal que ainda era fresca, e quando dali saísse já queria fazer um ligeiro aquecimento até à partida.
Aos poucos fui-me arrastando para a porta e ganhar coragem para apanhar um pouco de frio. Ao sol a coisa ainda melhorava, mas aquela zona ainda não tinha visto um raio de sol, devido aos prédios, que pelo menos protegiam do vento.
Lá teria que ser, e entre alguns arrepios vou correndo em direcção à partida, junto a um jardim, onde se ia vendo alguns portugueses aqui e ali, mas não me deixei ali estar muito tempo.
Queria tentar um bom aquecimento, e coloco-me mesmo em frente ao local de partida, numa longa recta a par de outros tantos.


A hora aproximava-se, e queria tentar um brilharete. O cenário ideal era 1h25m, tendo como objectivo principal baixar da 1h30m.
Procurava o local designado para esse tempo, e junto-me aos já vários alinhados para arrancar.
Sentia-me confiante, um pouco reticente, mas confiante enquanto aguardava pelo tiro de partida.
Ouvia-se ACDC, quando fazem a contagem decrescente e dávamos os primeiros passos de corrida. Tentava e pensava em não entrar em euforias, queria marcar um ritmo de 4.20 min/km, de início, e progredir gradualmente.
Como é habitual e normal nestas provas não se consegue, tinha ritmos alternados constantemente, não que fugissem muito aquilo que queria, mas que desregulava a sintonia que queria ter entre respiração e pernas.

Era tudo praticamente plano, e mantinha-me certo com um grupo que ia mais ou menos ao mesmo ritmo que eu. Deixava então o balão da 1h30m para trás, e só pensava que o queria ver ao longe. Iniciavam-se as primeiras descidas, mesmo que ligeiras e começava a aproveitar para recuperar um pouco o fôlego.
O sol já ia ocupando algumas estradas, e sentia-se que queimava, mas pelo menos esta fase, devido às ruelas que iríamos passar, ainda passaríamos por muitas zonas sombrias. As ruas estavam sempre com alguém, ou com alguma multidão para dar uma salva, os espanhóis sabem como fazer a festa.
Vinha com velocidade a mais do que a que tinha planeado, mas continuava a sentir-me fresco e com pernas para isso, comecei a idealizar outro plano e iria tentar um brilharete, se corresse bem, espectáculo, se não paciência.
Ao fim de cerca de 4/5 quilómetros lá encontrava o parceiro que me iria servir de “isco”, íamos algum tempo a ultrapassar um ao outro, por isso teria de ser ele. Acho que inevitavelmente ele também percebeu isso, e nesta fase coloco-me eu à frente e ele segue colado a mim.


A pequenas ruelas envolvidos pela zona histórica serviam para distrair a mente, a praça cheia de gente, completamente repleta foi uma boa sensação, mas agora iríamos sair do centro, e seguíamos para a periferia da cidade.
Uma coisa que apenas reparei no final da prova, e que não tinha dado a devida atenção, é que estávamos num autêntico planalto. A cerca de 800 metros de altitude o oxigénio não é o mesmo que 200 metros de altitude, e o corpo ressente isso, não no início, mas a meio ou mesmo no final.
A saída do centro, foi uma lavagem com centrifugação no máximo. Para além de estarmos em altitude, ficamos totalmente expostos ao sol, e ao forte vento. Por momentos, parecia que estava a chegar à praia da Barra, mas não. Ali não havia mar, apenas um rio que já havíamos deixado para trás.

Surgia uma subida não muito inclinada, mas longa, quase 2 quilómetros de extensão, totalmente a céu aberto com exposição ao sol, e uma forte ventania em sentido oposto.
Comecei a pensar seriamente o que iria ser o resto da prova com aquelas condições, do confortável, virei para o desconfortável num abrir e fechar de olhos, só queria chegar ao topo, e iniciar a descida.
Aproveitava para me encostar a alguém que fosse melhor do que eu, o que não era difícil, para ver se o vento era menos forte, mas não conseguia.
Atingia o topo e surgia uma pequena descida que me levava aos 10 KM, e pensava que pronto, agora faltava outro tanto. Do outro lado da estrada ia aparecendo os primeiros atletas, de volta do retorno pouco ali mais à frente.


Ali pelo menos o vento já não batia de frente, e parecia ter atenuado um pouco, mas para não teria que ser fácil, tinha que surgir uma subida bem inclinada e curta. Tentava a todo custo manter o mesmo ritmo de princípio a fim, mas mesmo a terminar tive que ceder, não dava para mais.
Enchi os pulmões de ar, e logo de seguida expulso o ar devagar, repito 3 vezes, e volto à carga.
O piso virava plano com ligeiras descidas, e aí conseguia recuperar, abusando logo de início para recuperar alguns segundos que fossem. Retorno feito, e tinha a distracção toda do meu lado esquerdo, tentando encontrar caras conhecidas. Não seria por muito tempo, a descida era acentuada, e eu continuava a abusar, pelo menos de caixa já tinha recuperado, agora faltava saber como estavam as pernas.

Procurava novamente a minha “lebre”, mas via que ficara para trás. Fazia novamente uma tentativa em encontrar alguém, mas não estava a conseguir, ou depressa demais, ou estava a abrandar. Teria que ser eu e o relógio, a lutar contra o sol que cada vez mais me fazia confusão.
Era o regresso a Salamanca onde podia finalmente distrair-me com mais apoio, ou pensava eu que sim. A travessia da ponte pedonal, pelo menos estava cheia de apoiantes, o vento também fez-se sentir, mas foi sol de pouca dura, devido aos edifícios. Precisava de beber água, o sol vinha a fazer-me forçar nestes últimos 2/3 quilómetros, e sentia a boca seca. Água pela garganta abaixo, e pelas pernas, soube-me pela vida, parecia ter rejuvenescido.
A passagem junto ao rio, alegrava-me, mas o sol estava directamente exposto sobre nós, era uma zona pedonal, e caminho um pouco mais estreito, por vezes tinha que abrandar para arranjar maneira de ultrapassar alguém, não que me incomodasse, aproveitava para descansar um pouco.

Restavam pouco mais de 3 quilómetros para o final, e a coisa parecia querer complicar-se.
Junto ao rio, apesar de exposto ao sol, ainda surgia alguma pequena brisa, ou sombra, o que terminou assim que voltamos a pisar o asfalto, novamente a céu aberto.
Valeu pela descida inicial para conseguir colocar algum ritmo mais rápido, mas que finalizava instantaneamente mal contornássemos a rotunda ali no fundo.
Seguia-se a subida da prova, com já cerca de 19 quilómetros nas pernas, uma subida que nos triturava tanto por fora, como por dentro. Cerrava os dentes, como se a minha vida dependesse disso, tentava manter o ritmo, mas não estava a dar, estava cheio de calor, nem os aplausos me valiam ali.
Ao olhar por cima do ombro, vejo o balão da 1h30m a alcançar-me, e chega mesmo a ultrapassar.


Recordo de o passar no início cheio de gente, mas agora seguia sozinho, a puxar pela malta para o último quilómetro. Já não queria saber de tempos, já começava a pensar em caminhar, as pernas estavam pesadas, estava a atingir o meu limite naquele momento.
20 quilómetros, e era o fim, aquela tortura terminava, provavelmente a minha cara naquele momento seria de alguém que levou semelhante porrada e estava a acabar de se levantar sem saber o que se tinha passado.
Agora era descer, e plano, contornar o jardim e atravessar a meta.
O balão continuava à minha frente, a um par de metros a chamar por nós, e eu atendi à chamada, mas desrespeitei-o, acabei por o ultrapassar. Dei o que tinha e o que não tinha para o ultrapassar, e depois foi só manter-me à frente para terminar abaixo do meu objectivo.
Contornava o jardim, e só queria atravessar aquela meta. 1h29m depois estava feito.

Foi uma luta até ao final, contra aquilo que não esperava que acontecesse. Sempre imaginei uma prova minimamente plana, mas aquelas subidas trocaram-me as voltas.
Os espanhóis sabem o que fazem, e em termos de organização estão totalmente de parabéns, para além disso, eles sabem viver as provas, e dar-nos a entender que estão ali para nós, pela segunda vez que corro em Espanha, e sinto vontade de lá voltar pelo forte apoio que dão.

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