sexta-feira, 1 de julho de 2022

Runcambra - Mais que uma corrida

É muito mais que uma corrida. Dizem e tentam transportar essa mensagem para quem por lá aparece, nem que seja para apoiar. O Runcambra, tem características próprias que me fazem esquecer os trilhos.
Sou suspeito, aliás, o Runcambra simboliza a minha estreia oficial no mundo da corrida, realiza-se no local onde vivo, e onde já conheço os cantos à casa.
Desde 2016, primeira vez que participei, fui acompanhando as alterações do percurso, ainda que fossem uns metros, ou a alteração do ponto de partida/chegada. Uma coisa era certa, era um trajecto com cerca de 170 metros de desnível positivo, o que para uma prova de estrada propriamente dita, torna-a com um grau de dificuldade acima da média.
Foram dois anos de silêncio devido aos cancelamentos das provas, até que surge 2022, com um trajecto reinventado, e na opinião geral para melhor em vários aspectos.

Runcambra

Com tempo, tive oportunidade de fazer o reconhecimento por duas vezes, e confirmei que a dificuldade era bem inferior ao que era costume. Não era para menos, o desnível positivo veio para baixo dos 100 metros, o que facilitava. 
Estava entusiasmado com a prova, mas com algum receio por não fazer provas de estrada desde 2019. Apesar de andar a treinar com regularidade, não sabia como iria reagir a uma prova rápida, em que queria ir a fundo e fazer abaixo dos 40 minutos.
Conhecia o percurso na totalidade, e sabia onde, quando e como deveria puxar mais, ou abrandar para não quebrar, só a minha cabeça estava preocupada em como o corpo ia reagir.
Eram 10 horas, hora de partida, e já estava mais que pronto atrás da linha de partida, a evitar a cauda do pelotão.

O primeiro segredo estava na forma como gerir a primeira fase da prova, onde andamos num sobe e desce constante, com passagens pela zona de partida/chegada.
Como seria de prever, ignorei por completo, e andei com ritmos para além daquilo que seria o expectável, felizmente e para meu agrado a respiração nunca foi afectada, e o corpo sempre respondeu bem. A primeira subida que voltava a levar-nos a passar no pórtico de partida, seria a oportunidade de me autoavaliar. Ainda não tinha completado 2 quilómetros, mas que serviam perfeitamente para fazer uma avaliação rápida do que surgiu até ali, e o que se podia antever dali para a frente.
A sensação de querer puxar ainda mais, deu logo a certeza que estava bem fisicamente, mas com juízo não cometi aquilo que poderia ter sido a morte do artista. Impus o ritmo que queria como média final, e assim o tentei manter durante o resto do percurso, só fugindo à regra quando descia.

Vai aquecendo

Foram cerca de 1,5 quilómetros até o piso inverter o declive. Não sendo nada de extraordinário, mas durante 1 quilómetro, percorremos o parque da cidade do lado norte sempre em sentido ascendente. Já do lado sul do parque, em sentido descendente, surgia o segundo segredo de saber gerir a fase mais rápida da prova. Quase 4 quilómetros, que havendo pernas, o limite é a falta de forças.
Até ali usei um pouco a boleia para minimizar o desgaste, mas estava na altura de seguir à minha vontade, e assim o fiz. 
Pouco mais de 200 metros depois, sou obrigado a parar completamente por um erro meu em não ter atado as atacas em condições.
Não tardou muito a voltar a acelerar o passo, e voltar à posição que havia deixado. Entrava então na ciclovia, a grande novidade de todo o percurso. Segmento que estou mais que habituado a percorrer, sempre paralelo ao rio com alguma sombra, e sempre a convidar a puxar pelo ritmo.

Continuei a ser muito ponderado nas minhas escolhas, demasiado que parece que fui demasiado conservador, e mais uma vez, optei por não cometer loucuras, apenas manter uma passada rápida, e minimamente confortável.
Chegava à praia fluvial, e só pensava na meta que ficava a uns 2 quilómetros dali. Toda aquela gestão exagerada fez com que não sentisse quebra alguma durante o percurso, e nem ali estava com ideias de abrandar. Ignorei qualquer pensamento de gestão, respirei fundo e fui atacar aquela que seria a subida da prova.
Antes daí chegar, uma pequeno sobe e desce até finalmente começar a subir.
Esta era uma zona comum às edições anteriores, e normalmente era onde me sentia mais desconfortável, o que não se sucedeu desta vez. Abrandei ligeiramente, ainda que a tentar forçar o máximo que achava possível para não rebentar, até o declive não ser tão inclinado. 

A descer tudo é mais fácil.

Foi o esforço ideal, a longa recta que faltava até à meta ainda que a subir, foi possível acelerar a passada até ao final, e atravessar a meta com o objectivo dos 40 minutos.
No final, fiquei com um sabor agridoce. Satisfeito por ter cumprido o objectivo, mas por querer mais, penso que se não tivesse sido tão cuidadoso poderia ter feito melhor marca numa prova que se adivinhava bem mais rápida que as restantes edições.
Como disse no inicio, sei que sou suspeito pelas várias condicionantes também mencionadas, e no que relatei não descreve de forma alguma o ambiente que se experiencia. Felizmente é um evento que para além de encher as ruas com mais de 1000 participantes, se juntarmos a caminhada, também traz alguma gente à rua que vem aplaudir e dar sempre uma palavra de força. O facto de passarmos na zona de partida e circundarmos em estradas ali ao lado, ajuda a que haja ainda mais apoio. 
E o final? Bem, esse é já uma característica típica do Runcambra, comer e beber à descrição. Se mesmo assim há dúvidas, nada melhor que vir participar.

segunda-feira, 11 de abril de 2022

Trilhos dos Abutres - Contagiante

Algum dia havia de ser a minha vez, os Trilhos dos Abutres acho que inevitavelmente acaba por se cruzar no calendário de todos os amantes da modalidade. Mesmo aqueles que acham demasiado dispendiosa, acabam por tentar a sorte no famoso e controverso sorteio.
É um assunto que acaba por dividir muito as opiniões, e respeitando a de todos, na minha maneira de ver, é uma prova feita com organização do primeiro ao último minuto.
Foi com grande espanto que no Sábado, após um breve passeio pela Serra da Lousã, que ao levantar os dorsais, vi com grande espanto que estava num evento de outras proporções daqueles que até então havia participado. O espectáculo, o apoio, a envolvência com os locais, entre inúmeras outras coisas, eram de facto algo que realçava e que dava um nervoso miudinho por saber que no dia seguinte ali iria estar.

Não há quase fotos. Por isso vai uma de longe a longe para não enjoar tantos parágrafos!
Créditos na foto



E estive, mas já com o coração aos saltos.
Domingo, 30 minutos faltavam para a hora de partida, e eu sem sair do recanto onde aproveitei para passar o fim de semana.
Faltavam 10 minutos para a partida, e eu acabava de estacionar o carro umas centenas de metros do local de partida.
Foi pegar em tudo o que necessitava, na esperança de não deixar nada para trás e foi correr até ao mercado, onde o Joca já ia aquecendo e preparando a malta para arrancar.
Fiquei mesmo no fundo da cauda de todo aquele montão de gente que se alinhava para os 30 quilómetros de trilhos.

A manhã era fresca, mas aqueles minutos intensos até estar dentro da zona de partida foram os suficientes para aquecer, e em pouco tempo lá arrancamos.
Soube bem aqueles quilómetros iniciais feitos em estrada num pequeno sobe e desce pela localidade, sendo possível dispersar-me por completo do maior aglomerado.
A rápida passagem pelo Parque Biológico deu para perceber o quão distante ia daquele “grupo” em que vemos que tem o mesmo andamento que o nosso. Ainda assim, a primeira subida que nos deixava no Templo Ecuménico foi momento de abrandar pela primeira vez os motores, e acompanhar as dezenas que ali já iam também eles com ritmo mais moderado.
Apesar de me sentir confortável e saber que ainda me aguentava com uma corrida suave, achei mais sensato não abusar da sorte. Desconhecia o percurso, sabia por diversas fontes que era técnico, e queria guardar pernas para os 8 quilómetros com 700 metros de desnível positivo que dividiam os abastecimentos.

Uma das várias cascatas. Créditos na foto.



Ao fim de 8 quilómetros, lá se iniciou os famosos “single tracks”, que me fazia recordar o Vouga Trail, por em ambos os trilhos serem muito semelhantes (já sei de onde veio a inspiração para o Vouga).
Envolto em arvoredo, não havia forma de ultrapassar nem de ser ultrapassado sem alguém se encostar a uma árvore para dar passagem, assim seguia num pequeno grupo de 3 ou 4 não cometendo o habitual erro de ir na frente a “abrir” caminho.
Ao fim de algumas centenas de metros, já estava preparado para dar o passo em frente e descolar, e mal vi uma frecha aproveitei-a, e comigo seguiu somente um.
Ali inevitavelmente acabei por ser eu a manter o ritmo até ao primeiro abastecimento, onde acabaríamos por separar.

Deu-se o clique, que a partir dali a coisa se ia tornar séria, mas com o ambiente efusivo que ali se vivia, esquecia isso enquanto vislumbrava pela primeira vez a famosa escadaria da Senhora da Piedade. Por mais cansado ou esgotado que alguém esteja, acho que é inegável que alguém ali não coloca um passo de corrida. O apoio tão próximo que ali se experiencia é uma injecção de adrenalina em qualquer um.
Só é pena ser de curta duração, porque mesmo no final da escadaria correr pelo menos para mim ainda não dá, usava os 4 membros para me transportar até à estrada que nos retirava dali, e onde ouvia os comentários “agora é que vai começar”.

Mais uma para desenjoar. Créditos na foto

Ora, eu já sabia, só ficou mais claro, e não demorou muito para perceber isso. Se já tinha tido pequenos “deja vú” do Vouga Trail, ali parecia estar lá novamente.
Um trilho junto ao rio, onde acabaríamos por o transpor por diversas vezes mostrava que não ia ser muito meigo logo à partida.
Não havia grande margem para corrida, sei por experiência própria, após algumas tentativas que metia a minha integridade física em jogo, acabei por desistir. As subidas eram feitas da melhor forma possível e rápidas, já as descidas a prevenir alguma queda.
Se inicialmente até pensei que ia bem fisicamente por ir apanhando um ou outro, acabei por retirar essa ideia da cabeça quando vejo que atrás se iam aproximando ainda que alguns metros de distância.
Após algum tempo finalmente saí daquela encruzilhada, deixando-me pela frente um estradão em forma descendente que não hesitei por um minuto em disparar por ali abaixo.

Aproveitei para recuperar algum tempo, mas não demorou muito até o terreno inverter a inclinação, mas que de maneira alguma me fez recuar, e ainda que mais lento, consegui não parar e sempre manter a cadência.
Já com quase 19 quilómetros, começava a controlar a água, lembrava que o abastecimento era entre os 20 e 21 quilómetros, mas encontrávamos a descer e sem fim à vista. Recordava que para chegar a Gondramaz, local de segundo abastecimento teria que subir, mas não estava a ver jeitos disso, os metros passavam e não via nenhum desvio e a escassez de água preocupava-me.
Com quase 21 quilómetros, segundo o meu relógio, lá começamos a subir já com as flasks vazias, na esperança que ali a uns metros virávamos algum cume e ali estava o abastecimento, só que não acontecia.
Após cruzar com um pequeno grupo que ali estava a apoiar a meio da subida, me indicavam que restavam umas centenas de metros.
Ainda bem, pensei já com os lábios secos e a necessitar de saciar a sede que já atingia um nível considerável.

Apesar de estar a ficar com alguns problemas que me iam condicionando, da melhor forma que conseguia, insisti em manter o ritmo mais forte possível mediante as circunstâncias.
Ao fundo, com quase 22 quilómetros, começava a ver Gondramaz, e com ela uma explosão de sensações.
Tive a feliz oportunidade de ali chegar sozinho, e foi um momento único, ver e sentir toda aquela gente a apoiar fez-me esquecer aquele último esforço.
Logo que chego ao ponto de água, encho uma das flasks e sem perder muito tempo tento hidratar o melhor possível, ainda a tentar impedir alguma mazela que dali pudesse surgir.

Restavam os 10 quilómetros finais, que na sua maioria eram em sentido descendente. Só queria ter pernas para levar as pernas à loucura dali até à meta. E de facto pernas havia, o caminho é que era tudo menos corrível. Não demorou muito para perceber que não ia ser bem assim. Descidas com algumas zonas escorregadias, pedras afiadas, pedras lisas também boas para alguns deslizes, enfim, aquele típico trilho junto ao rio repleto de obstáculos.
Só ao fim de 2 a 3 quilómetros os obstáculos foram ultrapassados e ainda que durante pouco tempo deu para acelerar de novo, porque os Abutres não é o mesmo sem lama.
Apesar do longo período de seca, sem gota de água, os canais de rega fizeram o seu trabalho e mostraram a verdadeira mistura de água e terra. Com as sapatilhas cobertas de lama, as pernas escuras, atravessei a meta que se destaca por toda a envolvência que é o mundo do trail.

Única foto minha. E chegou!

Não que tivesse dos melhores trilhos que já percorri, nem paisagens que nos faça arregalar os olhos. Mas pela primeira vez, vi uma organização a cumprir com o regulamento pela segurança de todos, um ambiente que nunca experienciei em nenhuma prova de trail, um percurso que dependendo da aptidão de cada um, consegue ser desafiante tanto pela tecnicidade como em manter a faca nos dentes para tentar competir pela melhor posição.
Na minha modesta opinião, tentam dar o melhor de forma a agradar o mais esquisito por não haver fitas ao fim de 5 metros, como aquele que dispensa os abastecimentos. Entendedores, entenderão.

quarta-feira, 12 de janeiro de 2022

Vouga Ultra Trail - Inesperado


Hora de partir. Créditos na foto

Até parece já tradição, ano novo, e vou para Sever do Vouga arrancar o ano em trilhos. Não é no sentido literal, mas está lá quase, depois de uma primeira edição estranha em 2019, uma segunda versão em 2020 já melhorada, 2022 foi com algum esforço, ano para a terceira edição.
Eu, para dar continuidade à já habitual presença, quis alterar um pouco a dimensão do desafio, e arrisquei-me na ultradistância com 55 quilómetros e 2400 metros de desnível positivo.
Nos tempos inconstantes que vivemos, foi um arriscar tudo, era treinar sem ter certezas se o evento seria adiado ou cancelado, fruto dos elevados números de casos Covid, ou mesmo eu testar positivo.
O minimizar contactos, tanto para me salvaguardar a mim como a quem me rodeia não foi o suficiente, e antes duas semanas, acabei por ser também eu vitima desta pandemia. Em circunstâncias normais, estaria livre dois dias antes da prova, e sem saber que consequências dali poderiam surgir, foi momento de pensar e avaliar a participação.
A prova estava confirmada pela organização que iria avante, a minha inscrição não podia ser adiada para uma futura edição. Fiz duas corridas antes do evento, para conseguir avaliar o quer que fosse possível avaliar, se era possível estar no tiro de partida.

Não houve problemas respiratórios, apenas algum cansaço no final de uma das duas corridas, que suscitavam alguma desconfiança se era possível concluir ou não.
Dúvidas houvessem, era mais que óbvio que cansaço não me ia impedir, a respiração estava controlada, por isso foram motivos suficientes para me agarrar ao desafio.
E assim foi, pelas 07:30h debaixo de nevoeiro e de uma persistente chuva miúda, liguei o frontal, e parti para o meu primeiro desafio de 2022.
Da equipa eramos três, o Fábio sumiu-se em pouco tempo, o Élvio ainda seguia ao meu lado, mas com a confusão inicial, acabei por perder de vista.
Foi sempre a subir pela estrada debaixo ainda das luzes públicas que fomos progredindo, até à chegada dos primeiros trilhos, onde o frontal era fundamental.

Créditos na foto

A primeira fase da prova é praticamente paralela a um pequeno troço de rio, que por si só já é um ambiente húmido. A chuva que não dava tréguas, oleando o percurso e dificultando a progressão. A fila era inevitável, e no longo single track segui a tentar esquivar-me ao terreno mais enlameado fruto já de quem havia ali passado.
Aproveitava algumas zonas de estradão, onde o piso era mais rígido e afastava-me da fila, assim conseguia ir à minha vontade. Foram quase oito quilómetros até Vila Fria, local do primeiro abastecimento e ponto de arranque até ao ponto mais alto da prova. Iniciei com um trote ligeiro que em poucos instantes foi substituído por uma passada forte e constante.
Não arrisquei em momento algum, tinha tudo controlado respiração, esforço físico, hidratação e comida, que fez descontrolar a autoconfiança, passando para níveis altos repentinamente.
Efeito esse que foi o suficiente para justificar a mim próprio que deveria abandonar a zona de conforto e arriscar numa progressão mais rápida. Chegava ao Arestal, ponto mais alto, com quase 15 quilómetros feitos e segundo abastecimento. A confiança estava a elevar a fasquia, não senti desconforto algum, e não sentia dificuldades que pudessem advir do covid, ou pelo menos mentalizei-me disso.

A meio da subida para o Arestal. Créditos na foto.

O terreno já havia melhorado há bastante tempo, não senti dificuldades em progredir, a lama já não era um problema, e mesmo a transição entre levadas era feita com bastante facilidade, por entre as diversas aldeias.
A separação de abastecimentos com maior enfase, cerca de 12 quilómetros, surgiam nesta altura, onde era igualmente na sua maioria feito de forma descendente.
A descer talvez perdesse um pouco de terreno para quem ali vinha comigo, mas em plano ou a subir acabava por ir apanhando um a um, acabando por se formar um pequeno grupo onde acabei por tomar as rédeas durante bastante tempo.
Comecei a meter o “tico e o teco” a conversar entre eles, e pensar que não poderá ser sempre assim, a manter-se desta forma, acabarei por quebrar. Abrandava na tentativa de alguém avançar e liderar o grupo, mas ninguém o quis fazer.
A fase com maior inclinação que nos levava até ao rio Vouga, forçou a que o grupo acabasse por partir, o piso tornou-se perigoso, para além da lama, algumas pedras soltas obrigaram a redobrar os cuidados, e só mesmo no fundo com uma vista deslumbrante sobre o rio é que as coisas acalmaram.

Acalmou de certa forma, pelo menos o meu ritmo acalmou, mas o desgaste nem por isso, comecei a sentir um ligeiro desconforto, ainda que tolerável. Dali até ao abastecimento em Amiais, o sobe e desce repentino era sistemático, tendo me dado uma ligeira marretada que não davam bons sinais para a continuidade. Será do covid? Será de ter estado uns dias fechado em casa? Terei abusado?
Foram as questões que começaram a imperar na cabeça, e não surgiam respostas.
Chegava ao abastecimento com quase vinte e oito quilómetros, e preparava a minha bebida como havia feito no abastecimento anterior, o pó mágico para dentro da garrafa, e pedi que me enchessem a garrafa. Não sei o que aconteceu, mas para meu espanto o pó havia desaparecido da garrafa, não sentia o sabor da mistura, após ter deixado para trás o abastecimento.

As fantásticas cascatas. Créditos na foto

Tentei não gerar mais problemas interiores, aceitei e tentei da melhor forma possível dar continuidade ao meu caminho, alguma coisa há de dar.
A descer a coisa ainda ia, mas a subir estava a ser desconfortável, e na última divisão de distâncias (35 e 55), virei para a barragem, e mentalizei-me que era uma fase. Não faço a correr, vai a caminhar, quando melhorar logo se prossegue. A travessia da barragem, indicava a longa e inclinada segunda subida, que acabou por ser feita a caminhar, sendo ultrapassado constantemente, e ficando apenas com outro que me seguia sem mostrar qualquer interesse em avançar.
Este pequeno monte estava a ser uma pérola cheio de surpresas, com subidas curtas e ingremes, descidas rápidas, e repete. A subir era impensável correr, a descer queria andar mais depressa, mas ao fazê-lo ia estar a esforçar algo que se estava a recompor.

Fico sozinho, e arrisco novamente uma corrida que me leva até ao abastecimento em Alagoa dentro de uma pequena cave. É o abastecimento que demoro mais tempo, aproveito o chá quente que servem e me vai reconfortando o estômago, e descanso um pouco. Ao fim de alguns minutos, e já abastecido retorno ao percurso, sem grandes pressas, mas cheio de frio. O tempo que estive parado, foi o suficiente para arrefecer o suficiente para tremer um pouco os lábios. O chá estava a fazer efeito, estava a sentir bem melhor, e o próprio terreno pedia para correr, e acabei por ceder. Ainda que contido, dei os primeiros passos num suave trote, até me sentir bem o suficiente e aumentar a velocidade aos poucos. Fui conseguindo aquecer, e já estava de volta à prova na integra. Verdade que a zona ajudou, era um bónus, mas com a chegada de zonas mais técnicas junto ao rio, não houve impedimentos.

Só fotos da cascata de Cabreia. Créditos na foto.

Não surgiu mais contratempos, e até ao último abastecimento em Paradela consegui sempre um ritmo mais ou menos certo.
Já restavam poucos quilómetros, mas faltava o que para mim ia ser o maior desafio nesta distância, a última subida até quase à meta.
Não demorou muito a chegar à ecopista do Vouga, que nos embalou durante um quilómetro num piso plano e limpinho até a uma encosta que nos metia logo com 20% de inclinação. Conhecia aquela encosta, ainda que feita em sentido contrário, e sabia o quão inclinada era, mais o acumulado e quilómetros que as pernas já sentiam, ia ser uma aventura chegar à meta. Sintonizei a passada, inclinei o tronco ligeiramente para a frente, e as mãos atrás das costas, e lancei-me até ao topo. Quando visivelmente o caminho nos convidava a correr, as pernas não queriam responder, sendo as descidas o único troço favorável para tal. Ou então com a meta à vista… Começo a reconhecer o local, sorrio e sem saber como, todos aqueles músculos das pernas contraídos se alinham e levam-me até à meta.

Tudo o que antecedeu a prova, certamente contribuíram para que fosse uma conquista inesperada. Houve momentos antes e durante que duvidei se seria capaz de o fazer por ter estado 10 dias fechado em casa. Verdade que o treino já estava feito, e acabei por fazer algum reforço em casa, mas a falta de regularidade aliada às possíveis mazelas que podiam surgir do covid, tornavam o desfecho imprevisível.
Já o evento em si, apenas com três edições, mas com um caminho positivo e crescente. Não que desgoste de correr com chuva, mas um dia de céu aberto tornavam o percurso bem mais interessante. Situação que obviamente não torna a organização responsável, só contribuía para realçar o percurso.

sexta-feira, 29 de outubro de 2021

Freita Skyrunning - Ajuste de contas

Havia um ajuste de contas a fazer com este percurso, algo que ainda não tinha aceite de animo leve, que das duas vezes que ali coloquei os pés, não havia corrido como pretendia.
O percurso é simples, 25 KM com 1500 D+, onde o segredo é desvendado à chegada da principal subida da distância, dependendo do desgaste que causaste até ali chegar. E aprendi isso facilmente logo na estreia, em 2018, quando me arrastei pela subida a suplicar que aquilo terminasse. Já em 2019, achei que duas provas seguidas não iriam ser um problema, e ao fim de cinco, seis quilómetros já adivinhava o desfecho, tendo sido a minha pior prestação.

 
Créditos na foto


Não que achasse que fisicamente havia melhorado, e talvez até estivesse, mas mentalmente sabia que estava empenhado, e com rigor, coisa que até então nunca foi o principal foco. Notei isso logo nos dias antes da prova, nas inúmeras vezes em estudei o percurso, onde abusar, onde descansar, onde comer, o que comer, enfim...
Admito que o facto de conhecer o percurso na sua totalidade, facilitou a vida, ainda que com algumas diferenças em relação às anteriores edições, mas na grande maioria não iria fugir aquilo que já haviam enraizado desde a primeira edição.

Passaram-se 15 dias desde Vadia, mas as lições que aprendi ainda estavam bem frescas, como aquela manhã na aldeia de Felgueira – Vale de Cambra.
O local de partida voltava às origens, no campo de futebol, onde vi partir os 42KM, enquanto aquecia e aguardava pelas nove horas para chegar à minha vez.
O habitual controle do material obrigatório, o que acho ser benéfico para ambas as partes, e aguardar pelo tiro de partida.
Eu e o Élvio eventualmente iriamos andar não muito distantes na fase inicial, depois mediante a condição e objectivos de cada um, poderíamos separar um do outro. O Fábio fez questão de vir testemunhar isso, e contribuir também para o melhor desfecho possível de ambos.
E isso verificou-se ao fim de uns 400 metros, já quando íamos a subir, quando ouço uma voz “João, cola-te aos da frente”, olhei para o lado e estava lá o Fábio, a fazer de treinador. O Élvio ia a poucos metros dos primeiros, eu mais contido estava um pouco mais para trás, e lá apressei um pouco mais a passada, tanto para desprender da maioria, como para dar mais “calor” à minha prova.

 
Ainda fresco. Créditos na foto

Mal iniciei a descida, deparei-me completamente sozinho, via por vezes alguém à minha frente, mas para trás deixei de ver ou ouvir, tanto que acabei por me desligar da possibilidade de ser ultrapassado.
Foi sensivelmente aos três quilómetros que apanhei o Élvio, estava a ser ultrapassado também ele pelo homem que vinha eu a seguir desde que iniciamos a descer.
Para mim não era novidade nenhuma que ali já se via muita gente a abrandar, após uma abrupta descida, e sendo bom tecnicamente, é feita a um ritmo louco, o problema é manter esse mesmo ritmo quando já não se desce mais.
Ia intercalando corrida e caminhada enquanto voltávamos para a Felgueira mesmo para o centro da antiga aldeia, primeiro por entre antigos caminhos cobertos de grande arvoredo, e depois pelos caminhos aos campos, onde o gado ainda percorre para se alimentar.

Era altura de deixar Felgueira para trás, e rumar a Cabrum, por um estradão que nos “obrigava” a correr. Hora também para dar inicio à rigorosa alimentação e hidratação mais rigorosa, fruto do meu intensivo estudo. Não que estivesse a desidratar, mas o frio já havia deixado para trás há alguns quilómetros atrás, e o calor do corpo já havia proporcionado alguma transpiração, e queria evitar o já habitual erro, beber só quando tiver sede.
Juntava-se a nós o Fábio, que fez questão de nos “rebocar” a partir dali, num estradão enganador, e que vai deixando algumas mazelas. É um autêntico carrossel, onde se está a subir ou a descer, mas sempre a correr, o próprio piso, parece que obriga a isso mesmo, e eu só me deixei levar. As pernas permitiam que conseguisse andar livremente, e a respiração sempre controlada, sem andar no limite acompanhava aquela loucura.
O Élvio teve algumas dificuldades em acompanhar numa inicialmente, mas com algum esforço e apoio do Fábio acabou por se encostar e voltamos a agrupar, pelo menos até ao abastecimento. Não era a melhor altura para ignorar o rigor, independentemente de tudo estar a correr na perfeição, e ao contrário do Élvio que seguiu, parei. Parava para encher as garrafas de água, que apesar de ainda não necessitarem de ser totalmente repostas, sabia que dali ao próximo abastecimento ia necessitar de uma boa quantidade de líquidos, para além do sol estar a dar algum ar da sua graça.

 
A chegar a Cabrum.

Voltava a correr enquanto trincava um pedaço de banana, rapidamente voltei a ritmos rápidos o suficiente para encontrar com o Fábio e Élvio. Mais uma vez, e após os apanhar, volto a apressar o passo e só abrando um pouco pelo trilho da levada não estar a 100% para ser feito a correr sem que tenha que benzer para não cair.
Dentro de água, fora de água, salto para um lado para o outro, enquanto ia apanhando os alguns dos 42 quilómetros que por ali andavam. Chegava a Paraduça, a última aldeia antes de derreter as pernas todas. Não havia abastecimento, mas havia regras a cumprir com a alimentação, e as barras estavam a cair na perfeição, dando energia suficiente e repor o que necessitava, mantendo fiel às barras, apontava em direcção à primeira subida mais aterrorizante.

Já não passava naquela zona desde 2019, mas recordava na integra aquela subida pelo meio do pinhal, não muito longa, mas bastante ingreme.
Enquanto descia para dar de frente com aquela pequena parede, estranhava estar a descer tanto e não me lembrava de assim o fazer, mas pensei, “fruto do esquecimento”.
Ignorando qualquer desconhecimento do local, imaginava que ao fim de 2 anos apenas não me recordava daquela zona daquela forma, até finalmente me deparar com a entrada a subida.
Não, aquela não era o pinhal que habitualmente rasgava algumas pernas, era pior.
O desconhecido era normal, afinal só tinha enfiado mais fundo, para dar inicio a uma parede ingreme.
Psicologicamente fiquei um pouco preocupado, porque não tinha previsto aquilo, sabia que havia uma alteração na parte final, mas ali parecia-me tudo igual, sem saber se sairia dali com muitas mazelas fisicamente. Restou-me agarrar às pernas, e zarpar dali para fora desse como desse.

 
Créditos na foto

O Fábio colava-se atrás de mim, enquanto o Élvio começava a ficar para trás. Achei por bem, dizer para ficar com ele, afinal ele estava com dificuldades, e eu ainda tinha pernas para andar.
Já me havia mentalizado que não havia tempo para me armar em vitima, e da melhor forma possível saí daquela subida com as pernas a ferver.
Dali seguia até ao fundo do freita vertical, e até lá teria que comer, pensei em gel, mas estava algo receoso por me dar a volta à barriga, então optei pelo mais seguro, e mantive as barras.
A marretada habitual era ali em baixo, mesmo no fundo de uma aldeia já abandonada, onde por uns degraus já algo desgastados ou mesmo destruídos damos inicio à aventura de um pequeno alto ali enfiado no meio das imensas colinas. Voltamos a descer para atravessar um pequeno riacho, e assim dar inicio ao tormento.
Normalmente chego a esta fase já a pingar em bica, e só tende a piorar mal atravesso o rio, tanto pelo tipo de terreno como pelo clima abafado que se faz sentir naqueles cerca de 400 metros iniciais.

Não deve ser mais que isso, mas é o suficiente para dar sequelas para o que daí vem. A zona é envolta em arvoredo, o que até é bom para proteger de vento e calor abundante, o problema é que o ar quente dali também não sai, tornando o ar “pesado”, o terreno, esse é feito a grande maioria em progressão lenta, apoiando por vezes os pés em alguma fenda das rochas ou da terra já calcada, por vezes com as mãos no chão ou em algum tronco de árvore que seja firme o suficiente para aguentar o nosso peso. É isto durante umas centenas de metros, num trilho estreito a tricotar aquela enorme colina, até pisar um caminho bem diferente. Daí já sabemos que o pior está feito, mas que levamos esse mal todo connosco cravado no corpo.
Ao fundo conseguia ver o carro dos bombeiros que estava a meio da subida, local onde cruzávamos com a estrada e ponto de abastecimento, que naquela altura até parecia perto, mas que penei até lá chegar.

Foi curioso e reconfortante conseguir identificar que fisicamente estava bem, e que em 2019 no mesmo local estava quase decidido a desistir, enquanto bebia a água que restava de um dos flasks e me faziam o favor de encher o outro. Tinha água suficiente para retomar caminho, e entrava na “choradeira”. Não era eu a chorar ou a lamentar, mas sim aquela a alcunha daquela secção da subida, onde a pedra cravada no chão sustenta as inúmeras pedras soltas que vamos calcando. Não houve um momento que tivesse corrido, caminhava mais apressadamente, mas não queria arriscar um esforço maior, não ali, não agora, estava a correr bem demais, e não queria estragar tudo tão perto do fim.
Olhava para o alto, e via exactamente o ponto onde iria dar, sendo por vezes assustador imaginar o que ainda teria que percorrer para lá chegar, nada que não se faça, mas que ainda iria arrancar muitos suspiros ou um simples “Aiiii” dentro de mim.

O Freita Vertical é matreiro, tem cerca de 4 quilómetros de extensão, com sensivelmente 800 metros de desnível, mais coisa menos coisa. Sendo a fase inicial e final as principais dores de cabeça, neste caso dores de pernas.
Se no inicio abusas, é para arrastar o corpo até ao final, se não abusas, vais massacrando até chegar às escarpas e rebentar o resto. Eu não fui excepção, na zona mais bonita, com uma vista deslumbrante, mas tão arrasadora fiquei com as pernas a arder uma vez mais, e ainda que com um trote me arrastei até ao abastecimento senti, algum cansaço. Talvez falta de reposição de comida, ou esforço da longa subida. Parei comi e hidratei, com o pessoal de abastecimento mais simpático que apanhei até hoje. Só não me trouxeram uma cadeira para me sentar porque não havia. Impecável.

 
A terminar o vertical. Créditos na foto


Agradeci e segui caminho. O Vertical não acabava ali, ainda havia mais, pelo menos até ao radar meteorológico, não sendo já muito extensivo, mas ainda duro. Foi o momento que dei por mim a falar sozinho, estava a ferver das pernas, e com a gana toda que estava a correr na perfeição, tal como eu queria, mas para não deitar tudo a perder agora, tão perto do final. E assim que atingi a torre, retomo a correr para descer até à Carvalheira, mas onde começou a surgir os problemas.
As malditas caibras que me atacaram 15 dias antes, estavam a dar sinais de vida, não que fosse um problema naquele momento, mas dentro de pouco tempo poderia ser.
Aproveito a descida para soltar as pernas, e ver se consigo libertar um pouco aquela pressão do esforço, mas sem grande sucesso. Contorno a aldeia e vou em direcção há única alteração que eu tinha conhecimento, e ao mesmo tempo acompanho um atleta dos 42 quilómetros que havia desistido por se ter enganado no percurso, e me dizia que devia estar em 10º lugar. Sinceramente não fazia ideia da posição, acabei por lhe responder, mas se assim o fosse já era mais que bom. Seguindo a minha vida, lá me encaminhei para a última subida.

O radar lá no alto. Créditos na foto

Para além de terem dificultado a subida do Pinhal, agora voltamos a subir em direcção ao radar, e só depois descemos.
As pernas já estavam rebentadas, as caibras começaram a falar mais alto novamente, e de uma forma qualquer lá fui subindo, comendo e bebendo a implorar que não rebentassem ali, estava tão perto do final, que podiam aguentar mais uma pequena dose. Não sei como, mas cederam aos meus pedidos, e aguentaram até ao final sem reclamações para comigo, ou de mim para com elas.
Desci, e ainda consegui acelerar um pouco quando o piso o permitia, e já na Felgueira cruzo com outro que já vinha a caminhar algum tempo, me dizendo que ia ficar pela oitava ou nona posição, deixando claro que já não fazia questão de se esforçar mais. Não muitos metros depois, vejo mais um a caminhar desgastado. Foi a minha hipótese para chegar mais um pouco à frente, e conseguir voltar à Felgueira e finalizar na 7ª posição da geral, 1º de escalão e contribuir para primeiro lugar de equipas.

 
Créditos na foto. Fritz para não variar :)

Um resultado que vale o que vale, tendo em conta a pouca afluência de atletas, mas sei reconhecer que houve esforço e controle suficiente para me vingar das duas tentativas que me deixaram de rastos anos anteriores.
O percurso teve duas pequenas alterações que a meu ver foram bem-vindas, dificultando um pouco mais a prova, que se resumia a uma boa gestão, e uma subida, nesta distância.

 

quarta-feira, 22 de setembro de 2021

Vadia Skyrace - O tão aguardado regresso

Já não me lembrava como era antes, foram vários meses, na verdade mais de 18 meses depois que volto a colocar um dorsal à cintura. Este tempo todo foram ocupados com treinos, e alguns, poucos, desafios e outras aventuras como a ida ao São Macário, e umas 12 Horas às voltas, que tiveram mais impacto a nível pessoal durante este período de bloqueio ao que nos era dado por garantido.
Talvez por este tão grande espaço temporal, ausente daquilo que já me era tão familiar, foram o que me levaram a recordar aquele nervoso miudinho que já não sentia, desde não sei quando, e aquela ansiedade de querer deixar tudo num percurso que já me era conhecido, tanto por já ter feito os vários trilhos que o componham, ou só pelo motivo de ser à porta de casa. 
Vadia Skyrace, 24 quilómetros, com 1600 metros de desnível positivo, era aquilo a que me propus para regressar às provas.

Vale de Cambra à vista, com Freita em plano de fundo. Créditos na foto

Fui sensato em perceber que devia arranjar as coisas de véspera, para não chegar a Ossela, a lamentar que faltava isto ou aquilo, infortuno do esquecimento do que deveria transportar comigo.
Numa falha que fosse daquele que era o material obrigatório, eram mais 30 minutos somados ao tempo final, o que a julgar pelo tempo que realizei, até parece que realmente me esqueci.
Foram preciso 3 horas e 45 minutos para terminar aquilo que a meu ver, me parecia, no pior cenário feito em menos 15 minutos, e mesmo assim era um abuso. Contudo, o meu cérebro hoje já encontrou o problema para este atraso, falta de treino mais adequado à exigência da prova.

Mas recuando um pouco, voltemos a Ossela, onde finalmente, voltei a respirar trail, ainda que filtrado por uma máscara por cada individuo que marcava posição atrás da linha de partida, mas respirava. Máscara essa que foi retirada uns 200 metros depois de arrancar, e que arranque… Sensivelmente durante um quilómetro, ainda que feito a descer, senti-me numa prova de estrada, tal era a velocidade praticada por aqueles velocípedes. Acabei por ir no arrasto, e com a ideia fixa de não me ficar muito para trás, pelo simples facto de saber que iriamos entrar em single tracks logo que deixasse o asfalto.
Enfiei-me no meio das feras, agora só tinha que aguentar o ritmo de quem ia à frente, e não empatar quem vinha atrás. Foi assim durante uns quatro quilómetros num trilho improvisado junto ao rio Caima, num sobe e desce curto, constante e inclinado. As subidas eram feitas a passo, as descidas a deslizar por entre as árvores que nos aparavam de uma eventual queda mais aparatosa.

Travessia do rio Caima. Créditos na foto

Virava costas ao rio, e à flora mais fofa e densa, para um piso mais técnico, e arejado, onde o sobe e desce já eram ligeiramente mais longo, mantendo as mesmas características do constante e inclinado. Sair do monte de Crasto e entrar na serra de Lordelo, é o mesmo que ir a um parque de diversões, e andar num carrossel para os miúdos e entrar numa montanha russa. O sobe e desce está presente em ambos, mas a aventura, adrenalina é outra, assim como a altitude e extensão das subidas, descidas.
Repito por diversas vezes os termos "subida" e "descida", por uma razão simples, simplificar aquilo que não é possível ilustrar por palavras, mas que fazem jus aquilo que esta prova é num todo. Numa serra como esta, com altura máxima de 500 metros, e mínima de 200 e qualquer coisa, não é preciso explicar muito o que é necessário para concluir os 1600 metros. Não há tempo para descanso, para grande correria, passamos grande parte do tempo a olhar para o chão, seja a subir para não desmotivar com o olhar para o topo, seja a descer para não ir aos trambolhões até ao fundo.

A "Manhosa", segmento baptizado pela minha pessoa e mais um grupo de amigos, por tantas vezes ali passar e ser massacrado lentamente, é a porta de entrada numa das extremidades desta serra até um ponto mais alto. Após um pequeno corte pela encosta, subia então até ao ponto mais alto. Subir, aqui não é o termo mais correcto, mas sim escalar, devido aos cerca de 100 metros de extensão, com uma média de 49% de inclinação, que havia conhecido uma semana antes.
Um novo recorte no percurso, desta vez criado propositadamente pela lateral direccionava até à descida da serra feita num corta fogo. Não é que seja muito extensa, mas o terreno, é daqueles que queremos evitar de qualquer forma, a quantidade de pedra solta, pode ser o menor problema, tendo em conta a irregularidade do piso, com buracos, regueiros ou mesmo troncos de árvores ainda cravados na terra.

Cume da Serra de Lordelo. Créditos na foto

Com nove quilómetros surgiu o primeiro abastecimento, tentei parecer um piloto da fórmula 1, comendo apenas uma banana, e enchendo as garrafas de água e arrancar. Trazia comigo mantimentos suficientes, ou achava eu, que eram os necessários para todo o percurso. Entrava na trialeira de Lordelo, a subir numa fase inicial, e a descer na fase final, até ao trilho do Castor. Gosto particularmente deste trilho, não pela beleza, mas sim pela falsa sensação que nos dá. Num momento parece que consegues correr, noutro estás ofegante agarrado às pernas a progredir em passo acelerado. Com isto feito significava o final da travessia da Serra de Lordelo, e descer na extremidade oposta à que havíamos entrado. Não significa nada, porque após a travessia da estrada, encontra-se uma pequena serra idêntica, muito mais pequena, mas igualmente severa, a Senhora da Graça. Onde imaginem, iria continuar com sobe e desce seja por trilhos já existentes, ou por novos tricotados pela encosta. Seja de que forma fosse, era para doer, e foi aqui que senti a necessidade de descansar um pouco e alimentar.

De novo no rio, desta vez o Antuã, que proporcionou o maior tempo a correr desde há muito tempo, voltando também a flora mais densa, o ar mais húmido e fresco. Abrandava apenas pela travessia das levadas, que por vezes implicava ir com os tornozelos submersos. Não era nada demais, comprado com o que ali seguiria. A descida levava ao leito do rio, à cascata da Pedra Má, e à travessia de um pequeno troço do rio, sob as pedras lisas, cobertas de verdete, algumas expostas ao ar, ainda que húmidas, outras completamente submersas.
É o tipo de terreno que menos me dou, o que mais me preocupa, pelos mais que óbvios motivos de não ser de bom agrado, nem para mim, nem para o meu esqueleto, uma queda naquele tipo de piso.
Queria sair dali, mas para isso só escalando até ao alto da Pedra Má, um rochedo que sobressaia, e alcançava o topo das árvores, para então descer novamente, assim que o transpunha.

Enquanto as pernas ainda davam. Créditos na foto

Foi ali que tudo começou, já no rio, quando tentava subir umas pedras, os quadríceps queixaram-se. Agora enquanto estava em mais uma caminhada até mais um ponto, o corpo começou a reclamar. Preciso disto, preciso daquilo, mas acima de tudo queria água, o que já não abundava por sinal naquela altura. Aliás, era tão escassa que já havia auto controlo na ingestão de líquidos, para aguentar até ao abastecimento. Mas era inevitável, a "Rolling Stones", e não, não é a banda, é só mais uma subida cravejada de pequenas rochas sobrepostas entre si, onde é impensável correr, forçou em espremer o que restava de energia dentro de mim. Não sobrou muito de mim no final daquela subida, e não restou nada de água, e mesmo assim não estava saciado. Aquele avanço que levava para o resto da malta, começou a encurtar, de tal forma que começava a ouvir algum movimento. Uma descida que em situação normal seguiria em forma parecida ao de correr, agora só em corrida misturada com caminhada atento a qualquer sinal de tentativa de cãibras.

Verdadeira Rolling Stones. Créditos na foto

Era o segundo abastecimento, e se no primeiro tentei passar-me por um piloto de F1, aqui parecia um coitado a pedinchar por tudo o que me parecia plausível para ingerir e recuperar. O problema, esse, é que o mal já estava feito, e até recuperar, não seria uns míseros minutos ali parado que me iriam salvar. Era ver imensa gente a chegar e arrancar, e eu em espera continua por algum sinal de melhoria, que me desse uma pequena esperança de continuar.
Dali seguia, para a subida mais complicada, mais massacrante e devoradora até então. Ou talvez não, mas na altura, e devido ao estado que estava foi a que me ficou memorizada, pelos mais diversos motivos, e pelo principal motivo de estar cheio de cãibras. Parei, dei um passo, não deu, parei novamente, e repeti o processo umas três ou quatro vezes, até começar a descer e pensar em ficar ali no abastecimento. Enquanto isto ia sendo ultrapassado e questionado pelo meu movimento contrário ao de todos. Parei novamente, olhei para cima, e pensei, vou tentar, pelo menos até ao topo. Um pé atrás do outro, arrastei-me, e quando digo arrastei, quero dizer com todas as letras, pois era um passo em frente, e as pernas a tentar impedir que desse esse movimento. Acho que nunca me senti assim numa subida, por mais duras que tenham sido em relação a esta.

A longa descida. Créditos na foto

Enfim, consegui, e lá pensei agora que fiz o mais complicado, nem que caminhe, até ao final, acho que chego lá. E assim foi, a descer, ainda com os quadríceps a tremer, consegui correr, ou algo semelhante, já a subir, devagar, ou com algum esforço, voltei até ao ponto mais alto da Serra de Lordelo.
Dali para a frente é só descer, o que ainda fazia "bem", ou pensava eu que sim. Não foi ao ritmo que queria, nem da forma que pretendia, mas foi como deu, na longa descida que nos levava até à meta na Vadia Brewpub.
Talvez tenha sido demasiado egocêntrico, ou talvez tenha gerido mal alguma situação que tenha comprometido, e justifique este final, mas estava convencido que tinha estofo suficiente para o fazer aquilo que planeava em termos de tempo. Sem dúvida que esta serra continua a massacrar-me, seja em treino, seja em prova, o efeito é o mesmo. E com isto, quero dizer também que conhecendo a serra, e sabendo o que ela tem, é de fraco conteúdo para um apreciador de trail puro, mas esta organização soube retirar o melhor, conseguiram esmiuçar e aprimorar o que já haviam feito na edição de 2019.

Já o resultado resume-se a uma só coisa - "Não treines não".

terça-feira, 29 de setembro de 2020

Aventura ao São Macário - Viagem de conquistas

São as “provas” dos tempos actuais, ou numa forma mais sintetizada, treinos pós-covid.

De todo o mal que esta pandemia nos trouxe, há que saber aproveitar as coisas boas, e no trail há que esmiuçar ao máximo para aproveitar aquilo que nos faz feliz.

Ainda que tenha demorado algum tempo para dar início a este tipo de aventuras, não podíamos ter começado de melhor maneira. A ideia era simples, juntar o máximo de elementos da equipa, conviver, desfrutar, e conquistar o Sâo Macário. O Hugo foi “colecionando” vários tracks, pedindo ajuda a outra malta que conhece locais que nos são desconhecidos, e lá foi criando o caminho. Não tinha que ser o exacto, mas mais uma forma de nos guiar até lá. Faltou marcar a data, até que conseguimos definir o dia 16 de Agosto, com arranque pelas 03:00h da madrugada, em pleno centro de Vale de Cambra.

Estava assim lançado o desafio da Aventura ao São Macário.


A Aventura ao São Macário


Se tiverem paciência, aqui vai a minha viagem:

Eram 02:15h, e o despertador tocava, e já eu estava acordado há mais de meia hora. A euforia, e entusiasmo já me tinham posto alerta. Levantei-me e fui dar inicio aquele todo desafio matinal para não me atrasar. Dentro de 45 minutos tinha que estar no centro de Vale de Cambra, que fica a poucos minutos de minha casa.

Fomos 7 que aceitamos o desafio, e encontramo-nos todos, ainda a noite ia a meio, à excepção do Marcos, que iria nos encontrar mais tarde.


Prontos a sair de Vale de Cambra



Conversa aqui, conversa acolá e lá arrancamos. Era ver aquela malta que ainda andava pelas ruas a olhar para nós como se tolinhos fossemos, e talvez o sejamos, mas somos felizes assim.

Havia a consciência por parte de todos que o percurso podia sofrer alterações, devido a não encontrar o caminho, algum troço fechado, falhas de GPS, o que fosse, e que para isso tínhamos que arranjar alternativas, o que só por si podia atrapalhar bastante nas contas no final, mas já lá vamos. Felizmente tivemos bastante sorte com os troços fechados, parecia que aqueles caminhos que sabíamos à partida que poderíamos ter problemas tinham sido abertos propositadamente para nós. Vimos logo isso ao fim de 1 quilómetro, quando entramos num PR que nos leva pelas levadas, aquilo tinha sido cortado naquela semana, e que bem que soube, gosto muito daquele caminho, que já se encontrava a monte há algum tempo. Ainda assim seguimos sempre com algum percalço, uma vez que o frontal era a nossa única fonte de iluminação. 

Até Costa Anelha a coisa fez-se sempre controlada, ainda nem 5 quilómetros tínhamos feito, e já íamos a gerir, caminhar nas subidas, correr/trote nas descidas e planos mediante se podia e conseguia dependendo do piso. A noite estava a entusiasmar todos, por não ser possível ver a continuidade das subidas, e davam alento a correr, daí termos optado por essa forma, além de não irmos atrás de nenhuma vitória. Não conhecíamos outros caminhos, e tivemos que optar pela estrada, ainda que tivéssemos escolhido uma estrada estreita e antiga, não evitaríamos um longo segmento no asfalto, que nos levaria até ao fundo de Açude, e nos reencaminhava de seguida para cima, até Rôge. A noite ainda estava cerrada, e a chegada à barragem Eng. Duarte Pacheco fazia com que o corpo, já quente arrefecesse um pouco.


Paragem por Rôge


Vagueávamos num mato onde a flora era mais densa, ainda que desse para passar, dava para sentir aquela carqueja a roçar nas pernas. Um pequeno contratempo fez com que parássemos ali uns momentos a pensar qual caminho deveríamos seguir. Não demoramos muito tempo, mas foi ali que caímos na realidade que as coisas poderiam complicar-se quando estivéssemos mais longe e em locais que desconhecemos por completo. Mas o espirito era esse mesmo, ser uma aventura.

Já em Função, sabia que as coisas iam começar a moldar, dali só havia um sentido, subir encosta acima até ao Merujal. Iam ser cerca de 4 quilómetros metidos num estradão que nos levava ao alto da Serra da Freita. Foi um momento diferente e entusiasmante, assim que nos distanciamos das casas, onde a escuridão da noite era de al forma dominante, que os frontais eram a nossa única esperança. O céu estava estrelado, era um espetáculo cada uma daquelas luzinhas espalhadas acima de nós. Estava a gostar, andava à frente, vinha para trás, metia-me no meio, todos nós fazíamos um pouco isto, de forma a irmos acompanhando uns aos outros, e entreajudando.

A primeira aldeia da Freita foi também local de primeiro abastecimento, rondavam os 15 KM, e tivemos direito aos primeiros alimentos mais consistentes ao final de algum tempo. Os abastecimentos tinham sido programados antecipadamente, e iriamos ter ajuda do Fernando em cada um dos pontos, somente neste do Merujal, e dada a madrugadora hora, o Paulo havia conseguido uma garagem para termos a nossa comida (o meu muito obrigado ao Hélder).


Era para ser feito, mas não deu :D

Estivemos ali um pouco mais de tempo que o normal num abastecimento de qualquer prova, o que fez com que arrefecesse, assim que venho para a rua, noto isso, com um bater de dentes constante. Imediatamente visto o impermeável e vou-me mexendo para voltar a aquecer. Estando enfiado na aldeia, as casas impediam de ver o nascer do sol atrás da serra, assim tentamos apressar o passo para tentar vislumbrar o que fosse possível.


Amanhecia no alto da Freita.

Nos entretantos já o Marcos havia comunicado a dizer que já vinha ao nosso encontro, que acabamos por combinar o encontro em Albergaria da Serra. Apanhamos o PR15, que nos levaria exactamente ao centro da aldeia, já sob os primeiros raios de luz. Segui com o Fábio, logo após a aldeia da Mizarela até ao ponto de encontro, e aguardávamos assim o resto do grupo. Estávamos com 20 quilómetros percorridos, e a sentir-nos bem, satisfeitos, não perdemos muito tempo e prosseguimos caminho. Ainda eram zonas que conhecíamos, e o terreno permitia alguns abusos, assim intercalava uma corrida mais rápida naqueles trilhos que parece que nos imploram para correr, com alguma caminhada ou trote em subidas.

Em Pedras Boroas iria dar início a um caminho que havia percorrida uma única vez, nos 65KM do UTSF, que nos levava a Gestoso, onde combinamos com o Fernando para o nosso 2º abastecimento. Foi ali o nosso primeiro e real problema com o caminho, não encontramos, ou fugimos do estradão, e andamos ali um pouco perdidos, no meio de toda aquela vegetação rasteira que as pernas querem negar para não ficarem “riscadas”. Fomos seguindo num caminho improvisado em busca do estradão correcto, e após alguns minutos ali estava ele. Dali foi sempre a correr até ao abastecimento, que havíamos combinado às 07:30h, não tendo falhado por muito, apenas uns minutos.


De regresso ao caminho

A descontração nos abastecimentos era notória, ninguém se preocupava com ser rápido, a brincadeira era comum por todos, e somente ao fim de alguns minutos é que tínhamos a real noção de nos meter a caminho. Sair dali, implicava voltar atrás umas centenas de metros, e assim o fizemos, retomando assim ao percurso combinado. O planalto não obrigava a grandes esforços, a corrida era mais regular, o sobe e desce era sistemático e fazia-se sem problemas. Ia recordando aos poucos cada metro que íamos percorrendo, e ansiava a chegada de uma descida envolta numa floresta mais densa, para variar a exposição ao céu aberto. Torna-se mais agradável visualmente, e a descida é um convite a abusos para as pernas. Foi sem dúvida momento de recordações, a aldeia de Tebilhão, estava mesmo à nossa frente, mas onde fomos “obrigados” a seguir pela estrada, a levada que conhecíamos, e que queríamos seguir estava coberta de silvas, não havia forma de passar lá, então, optamos por fazer 1 quilómetro sob o asfalto.

O corpo continuava a responder impecavelmente bem, já com pouco mais de 30 KM, e o desgaste ainda a boa disposição ainda reinava. Em contra partida, foi onde começou os problemas para o Roni e Hugo, músculos e tornozelo respectivamente. Nada que não suportassem, mas que traria impacto mais lá para a frente. A descida que nos leva até ao centro da aldeia é rápida, e dali para a frente era continuar a descer até ao rio, e que descida, toda feita ainda em pedra, coberta pelas árvores, é o reviver de outros tempos.


Descontraidos


Chegamos a Cabreiros, e após uma breve paragem para um café, voltamos a entrar no trilho do Caminho do Carteiro, que já seguíamos desde Tebilhão. Arranquei atrás deles, numa descida contínua sem fim à vista, no entanto das melhores descidas que fizemos, num single track cravado naquela encosta. Decidi desfrutar daquela descida até ao final, e esperava lá no fundo pelo resto do pessoal, já o Fábio tinha arrancado, vou passando o pessoal, e só o Paulo acaba por entrar no desafio de “queimar” sola por ali abaixo, pelo menos durante um pouco.

A dimensão daquela descida era incrível, e no final havia uma pequena recompensa que acompanhei com o Fábio, num pequeno riacho do rio, onde pude mergulhar um pouco as pernas, enquanto esperamos todos se chegassem. Se tínhamos ficados deliciados com a descida, a subida que se seguia não ficava nada atrás, fazendo relembrar o trilho dos incas, numa encosta, onde vislumbrava-se colinas no lado oposto, e os vários poços e cascatas do Rio de Frades no fundo daquele vale, sendo vertiginoso a vista.

O trilho até ao rio







Estava a ser uma caixa de surpresas, e a chegada a Rio de Frades, foi outro momento de admiração, efectivamente ficamos rendidos, com a beleza do local. Admiração também estava a ser reciproca por parte dos aldeões, sempre que perguntávamos alguma coisa relativamente ao caminho, havia sempre a pergunta para onde íamos ou de onde vínhamos, e a reacção era de espanto, o que de certa maneira nos fazia sentir orgulhosos.


Rio de Frades


Na saída de Rio de Frades houve um percalço, não seguimos correctamente o caminho, tendo andado ali um pouco à deriva até encontrar novamente o trajecto, sobe e desde em estrada, até então encontrar o trilho que nos levaria até ao fundo de todas aquelas serras, mesmo para o leito do rio Paivô, que é percorrido também no UTSF na prova dos 100 KM.

Era a minha primeira experiência em travessia de rio durante vários quilómetros. Foram 3 quilómetros, mas em marcha lenta, enquanto houvesse areia e pedras pequenas no fundo, a progressão era exequível, quando as rochas já desgastadas pela corrente do rio surgiam, era o problema, um pé em falso era uma queda garantida.

Ora o leito do rio, algo mais cheio do que é suposto nesta altura, ainda nos cobria a maioria das pernas, havendo partes em que podíamos ficar submersos. Quando pisamos as rochas, o cenário era mais desconfortável, sendo que a queda podia ser feia.


Rio Paivô - O primeiro contacto


Foi provavelmente os 3 quilómetros mais longos desde que corro, que apenas ficaram mais ricos quando vejo na estrada a minha família, que já se havia encontrado com o Fernando, e nos aguardavam ali em cima.  Era hora de abastecer e de recuperar algum tempo, estávamos bastante atrasados, e o caminho que faltava não iria facilitar.

Foi uma rápida passagem por Covelo de Paivô, e entrar numa encosta que nos levaria directamente a Regoufe.

Foi subindo gradualmente, ainda que acessível, foi-se misturando corrida com passada larga, mas o avanço que íamos dando entre nós já notório, e tivemos que aguardar uns minutos para agrupar. E foi em Regoufe que as coisas começaram a complicar-se seriamente.

O Hugo e o Roni estavam em sérias dificuldades tanto o tornozelo, como o joelho haviam piorado, e dali para a frente seria para estragar ainda mais, e a opção de ficar ali era a mais válida, e que dadas as circunstâncias foi a mais acertada. Restava ligar ao Fernando que nos aguardava em Covas do Monte, para voltar atrás e buscar vir buscá-los, o problema era que ali não havia rede, foram tentativas de todos os telemóveis, mas nenhum conseguia efectuar a chamada, até que ao final de alguns valentes minutos, o Paulo lá conseguiu, ainda que com alguma dificuldade, mas entendeu a mensagem.





Não fazia sentido ficar ali, combinamos prosseguir, só pensava em avançarmos, e não perder mais tempo, já pensava naquilo mais como uma caminhada do que propriamente uma corrida. Tinha consciência desde início que facilmente podíamos ter falhas no caminho, mas felizmente até ali sempre encontramos solução, e o facto de estarmos tranquilos de início em relação a isso, agora com tanto esforço já acumulado, já não era bem assim.

Sem o Hugo, por ser o traçador do percurso, e quem nos vinha a orientar praticamente desde o início, agora estávamos entregues apenas ao meu telemóvel onde tinha o track, mas a bateria já estava a chegar à reserva, o que me estava a fazer comichão naquele momento.

Vimo-nos desgraçados para sair dali, simplesmente não dávamos com o caminho, e após descobrir um troço que aparentemente nos levava pode onde queríamos, lá seguimos.






A verdade é que ele nos levava onde nós queríamos, à estrada do Portal do Inferno, contudo umas centenas de metros cá traz, o que nos obrigaria a andar pela estrada até à descida para Covas do Monte. Foi ali que comecei a ferver, estava profundamente irritado, a situação começava a enervar-me, e não conseguia acalmar, e só demonstrava isso correndo numa secção onde devia caminhar. Não estava a ver grandes soluções logo que perdesse bateria, e não tinha a powerbank comigo.

Talvez aquelas imensas horas ali já me estavam a dar conta da cabeça, e via as horas a passar e nós cada vez mais atrasados. Não era por mim, mas sim por todos os que nos acompanhavam, que estavam ali “pendurados” por nossa causa, e isso é que me estava a incomodar. A chegada ao portal do inferno, deu para cruzar com a minha mãe e o Fernando que já tinham vindo buscar o Hugo e Roni, o que aproveitei para pegar de imediato na powerbank para pôr o telemóvel a carregar.






Arranquei de imediato, ao encontro do resto do grupo que já se aproximava da descida arrebatadora.
Assim que ali cheguei fiquei a admirar aquela descida. A dimensão daquilo congelou-me ao solo por breves momentos vendo a aldeia, onde tinha que chegar, mesmo no fundo daquelas serras todas. Acordei, olhei para o lado, e já eles desciam, enquanto eu ficava boquiaberto com o que ainda tinha que atravessar. Meti-me a caminho, e logo percebi que dali ia sair com dores se não me controlasse. A descida era ingreme, repleta de xisto, pedras cravadas na terra e solta, era descer e esperar não pertencer à grande probabilidade de queda.

Segui mesmo até ao fundo, local onde já estava o Fábio à nossa espera, e ali aguardei pelos restantes. Enquanto descia, não fui confirmando se estava enquadrado com o track, o que só validei quando já estava na aldeia, erro crasso que nos fez desviar por completo da trajectória.


"Aquela serra ali é que era fixe para subir"


Seguimos por um caminho de cabras, enquanto atravessávamos a aldeia, à procura do melhor caminho para voltarmos ao original. Uma das mudanças do caminho que era para ser feito inicialmente, foi para 2 segmentos, conhecidos como “O caminho do morto que matou o vivo”, e “O monstro da Pena”, ainda com passagem pela Aldeia da Pena. Ora isto, seria a cereja no topo do bolo, uma vez que eram 3 sítios que tinha curiosidade em passar. Contudo, não passou de uma miragem, uma vez que mesmo após alguma insistência minha em seguirmos um caminho que nos levaria onde queríamos seguir, acabamos por seguir em direcção oposta, o que nos desviou por completo do caminho.





Foi ali que o meu psicológico começou a tramar das suas, enquanto via o topo do São Macário ao longe. Estava desiludido por não estar a correr conforme planeava, por não fazer dos trilhos que mais me cativava, e por ter que seguir um caminho totalmente distinto e sob o asfalto. Voltar para trás, seria acrescentar mais quilómetros, tardar ainda mais a chegada o que também não era benéfico para ninguém. As imensas horas ali, fizeram com que o desalento e a má disposição se metessem à frente de tudo e interrompem-se um momento de felicidade que até ali transportava.

Pôs-se várias hipóteses em cima da mesa, em como abandonar ali tudo, mas dali até ao São Macário, eram apenas 5 quilómetros por estrada, que se faziam bem. Já sem o mesmo sabor fizemos e terminamos, ao fim de 60 KM, junto de um grupo espectacular que nos aguardava já há largas horas.


A garra lá ao longe!


Nem tudo foi mau, foi uma experiência que fica na memória, foram momentos únicos, e uma superação fantástica. Reconheço que tivemos bastante sorte com os caminhos estarem de fácil acesso, praticamente limpos, falhou-nos sim a orientação por falta de conhecimento daquela zona. O final não foi o que quis, nem o que desejava, contudo há que tirar o melhor daquilo, que foi a conquista daquele ponto longínquo de casa, o São Macário, atravessando as serras da Freita e Arada, e sem dúvida o convívio de toda a malta.


São Macário conquistado


Fiquei fã deste tipo de aventuras, e daqui surgirão mais, tudo com um propósito que ainda não sei se irei conseguir, mas lá estarei para tentar. Mais para a frente o saberão.