quinta-feira, 27 de junho de 2019

Runcambra 2019 - Tradicionalmente


Já se tornou como uma tradição, já é obrigatoriedade minha percorrer as ruas de Vale de Cambra - “O Vale Mágico”. Foi a minha estreia oficial neste mundo das corridas, e como é da terra, gosto de estar presente, tanto pelo evento, como pelo convívio, e obviamente a grande oferta de iguarias no final da prova, esta sim a grande medalha.
A história tem sido sempre a mesma, e este ano especulava que iria ser em tudo semelhante, mas felizmente houve algumas alterações, que penso terem sido benéficas para o Runcambra.
A partida/meta, que desde a primeira edição se concentrava no parque da cidade, mudou a sua raiz para o centro da cidade, originando alterações ao percurso. Seria basicamente o mesmo, com algumas pequenas modificações.



O que ainda falta alterar, é a hora do arranque. 10 horas da manhã é uma hora tardia.
Desde pelo menos há 4 anos, que este dia tem sido bastante quente, o céu limpo, e um sol abrasador têm sido presença assídua, numa prova que nesta distância, e de todas as que fiz, posso afirmar que é bastante complicada devido ao sobe e desce constante.
Não foi diferente, debaixo do sol, estava pronto a arrancar, num panorama diferente das edições anteriores.
Estava curioso para ver como reagia neste percurso, e uma semana após a maratona de Aveiro.
Eram 10h, e numa embrulhada de atletas, uns mais rápidos, e outros mais rápidos que o normal por ser a descer, deixei-me ir no meu conforto. Foi 1 quilómetro entre descida e plano até começar a subir.
Não demorei muito tempo a ficar à minha vontade, sem grandes atropelos ou confusões, e na subida ainda fresco, deu para libertar ainda mais algum espaço, ultrapassando a maioria que já havia começado a subir.



Segue-se nova descida, e começa a construir um pequeno grupo de 3 elementos. Saímos da freguesia de Vila Chã, e teria que contornar o parque, inicialmente a descer, mas com uma inclinação tão mínima que nem se nota. Do lado oposto dava-se inicio à subida mais extensa de todo o percurso. Ainda que iniciada com uma inclinação mínima, e misturada com alguns segmentos curtos em plano, só terminamos de subir após cerca de 3 quilómetros.
Após iniciar a subida, acabava por ficar sozinho, e deparei-me com a situação de não conseguir encaixar em nenhum grupo, por irem em diferentes ritmos. A minha aposta, foi simples, tentaria alcançar todos os grupos que conseguisse.
A subida até ao centro não é das mais duras, mas das mais satisfatórias. Passamos novamente pelo centro da cidade, e onde está o forte apoio, um verdadeiro corredor humano.
Ali o terreno é bem mais plano, mas não dá grande tempo para acelerar, passo pela minha mãe e irmã, e recordo de dizer que está calor.
A subida voltava a surgir, e só ao quilómetro 6 chegava ao ponto mais alto.

Não abrandei para recuperar fôlego, tinha uma descida onde queria abusar para recuperar algum tempo. Não conseguia ouvir outra coisa que não os meus pés a bater forte no asfalto.
Repentinamente o terreno fica plano, e junto a um grupo que segue exactamente ao ritmo que queria, pelo menos até depois uns metros onde se mete uma ligeira subida.
Era nisto que me sentia mais confortável, mas que acabava sempre por me deixar sozinho.
Respirava fundo, enquanto esperava pela maldita subida que me custa tanto.
Já a fiz inúmeras vezes, e não há uma única vez que não sai de lá derrotado. São 44 metros de subida, num quilómetro, já fiz bem pior que isto é certo, mas é uma longa recta, onde podemos ver o cume, o que psicologicamente se torna massacrante, e exposta ao sol.
Focava o olhar no chão, nuns 2 metros à minha frente, de forma a não espreitar o alto, mas era inevitável não saber onde estava, conheço aquela subida como a palma da minha mãe.



Contudo tudo era mais fácil, quando revia o restante percurso, desta vez, como nos restantes anos, não tinha ainda mais cerca de 4 quilómetros pela frente, mas sim só mais 1.
Os prédios faziam sombra, e havia uma ligeira brisa que ajudava a refrescar, ainda que a subir novamente até ao centro, não arredava pé. Estava quase, aquele quilómetro final tinha que derreter o resto das energias.
A subida mantinha-se, mas menos agressiva, já se via o centro, e ouvia-se a música da meta, mas antes ainda tinha uns pequenos desvios para juntar mais alguns metros.
Primeiro desvio feito, e descia em direcção à meta, só tinha mais um retorno para chegar ao final.

O corredor humano estava ali novamente, acelerava ao ritmo daqueles aplausos, abrandava apenas no retorno, e voltava a acelerar, olhava para o relógio, e ia fazer o Runcambra abaixo dos 40 minutos. Estava orgulhoso de mim mesmo.



Foi sem dúvida um êxito este ano, pelo menos a nível pessoal. Mas a alteração também foi bem-vinda.
O que não devem alterar, é esta medalha final que apelidam de “Sensation Zone”, cheia de iguarias da terra que tornam esta prova única.

sexta-feira, 21 de junho de 2019

Maratona da Europa - Um brilharete


Foi uma surpresa agradável. Logo que soube que iria haver uma terceira maratona em Portugal, perto de casa, e com meses de separação em relação às restantes (Lisboa e Porto), não olhei para trás.
Era Aveiro a cidade escolhida, local conhecido por ser relativamente plano, em contrapartida, algo ventoso. Fosse como fosse, queria lá estar às 08.30h no final do mês de Abril.
A tarde de Sábado, foi para ir calmamente levantar os dorsais, e tentar apreciar alguma coisa do evento, como a feira da Maratona. Feira essa que escapava aos mais desatentos. O que não me escapou foi a forte ventania que estava naquela tarde. Vento forte e frio, valia o sol para aquecer um pouco, enquanto imaginava o sufoco que ia ser o dia seguinte se assim se mantivesse.
Créditos: Organização
Créditos na foto
Manhã de Domingo, e nada me incomodava, não estava com aquele nervoso miudinho de uma maratona, nem pensava muito nisso, parecia que iria só ali ao lado correr uma distância curta e já vinha. No entanto a minha ideia, e tendo em conta a minha (má) preparação, apontava para as 03.30h, mais coisa menos coisa, e como eu estava enganado.
A chegada a Aveiro, surpreendeu-me logo por dois motivos, o primeiro pelo tempo. Não havia ponta de vento, e o céu era coberto pelo nevoeiro cerrado, sem ser possível ver um raio de sol. O segundo motivo, era o evento em si, era uma partida/meta vistosa.

O evento juntava outras distâncias, e é nisto que culpo um pouco a organização, em juntar todos para arrancar à mesma hora, era algo confuso, para além das estreitas estradas logo de inicio que dificultavam a progressão.
Aguardava pela hora, eu e o Fábio, enquanto conversávamos íamos deixar rolar a ver no que dava. Sabia que aquilo era aquela habitual conversa pré partida, que quando estivéssemos no terreno a coisa era diferente.
Não demorou muito a comprovar isso, tiro de partida, e saímos ainda algo contidos, mas sempre com ultrapassagens devido à confusão. Mal o Fábio vê algum espaço para poder progredir, e isto ainda com sensivelmente 1,5km, avança, ainda me coloquei atrás dele, mas pensei para com os meus botões, “deixa-te ir aqui, que vais bem, e já vais a abusar”. Seria uma luta minha, sozinho e sem objectivos, apenas deixa andar. No entanto sabia que para aquelas 03:30h, teria que andar num ritmo próximo de 5 min/km, o que ia a fazer, era uns 4:20 min/km, e quando se metia descidas pelo meio, abusava um pouco.
 
Créditos na foto
Circundava Aveiro, junto à ria, depois mercado do peixe, algumas ruelas, e então a Avenida que nos levava aos primeiros 10KM. Ia-se vendo algum apoio pela rua, não tanto como era desejado, mas é compreensível por ser novidade na cidade.
Enquanto deixava Aveiro para trás, ia magicando como seria dali para a frente, o relógio apontava para um brilharete, mas estava reticente em relação a isso, não tinha treino para tal.
Foram cerca de 6 quilómetros uma zona industrial, e a separação da maratona da meia maratona, as estradas ficavam um pouco mais vazias, e após alguns quilómetros com “companhia”, procurava alguém a quem me colar para não seguir sozinho.
Ainda arranjei alguém com quem segui durante uns metros, mas rapidamente fiquei sozinho, continuava sempre no mesmo rimo, e sem sinal sequer de fraquejar, ou mínimo de cansaço físico. Seguimos até Gafanha da Nazaré, onde já encontrava mais companhia, as ruas começavam a ser preenchidas, ou mesmo nas janelas de casas, havia sempre alguém que aplaudisse, provavelmente a parte mais divertida. Chegava aos 21KM, e enquanto olhava para o relógio, via que acabava de fazer o meu segundo melhor tempo na distância, e sem sinais de quebras.

Juntava-me a outro atleta durante alguns quilómetros, enquanto metíamos conversa para nos distrair com o passar dos quilómetros.
Com 25 quilómetros, entro na Barra, local bastante conhecido por ser bastante ventoso, algo que me preocupava, mas nada, apenas pequenas brisas que só ajudavam a arrefecer o corpo.
Enquanto contornava a Barra, acabava uma vez mais por ficar sozinho, desisti de procurar companhia, e seria altura de seguir à minha vontade, e testar-me.
O relógio acusava os 30 quilómetros já percorridos, enquanto pensava nos míticos muros, mas ao mesmo tempo continuava a sentir em perfeitas condições. Foi ali que comecei a delinear o desfecho da prova, ia tentar um brilharete.

Eram longas rectas que me levavam até Aveiro, valia a zona habitada e os locais, espaçados em alguns grupos para dar mais algum animo. O sol começava a espreitar, todas as sombras que visse, eram o meu local de passagem.
Agradecia em jeito também de despedida a todos que me saudavam, enquanto seguia para o segmento mais me massacrou.
O sol já se conseguiu descobrir de todo aquele manto cinza, não que seja muito forte, mas aquecia o suficiente para me derrotar um pouco, e naquele descampado, numa longa recta, não facilitava em nada. Foi um pouco doloroso chegar a Aveiro, sob o sol, mas ali chegado as sombras ajudavam, e já faltava pouco. Estava curioso para ver aquela meta agora com 42 quilómetros nas pernas, mas ainda faltava uns longos 4 quilómetros.

Créditos: Organização
Começava a fazer contas de cabeça, a ver quanto tempo demorava a terminar aquilo, mas só me massacrava mais o psicológico. “Para, para de pensar nisso, e corre” – Pensava eu, enquanto percorria a universidade, mais algumas rectas, mas que valiam pela sombra, e ali sozinho sem ninguém atrás nem à frente, forçava o ritmo até ali feito.
O calor estava a afectar, e precisava de água para beber e refrescar. Ali estava, faltavam 2 quilómetros para o final, e estou no centro de Aveiro.
Era o culminar de tanta solidão ao longo de vários quilómetros. As pessoas na rua, aplaudiam e constatavam o que já sabia, que faltava pouco, mas quando ouço que faltava somente aquela subida, e depois era sempre a descer, foi como me dessem umas pernas novas. Podia não ser bem assim, mas naquele momento acreditei em todas as palavras que me tinham dito, e desatei a correr, forcei um pouco mais e estava mesmo no alto, parecia que tinha conquistado uma montanha.

Faltava atravessar a ponte, e depois era só descer, tal como me tinham dito.
Alegra-me ver a descida, mas ao mesmo tempo os músculos apertam, ignoro, levanto a cabeça e sigo em frente. A uns 200 metros parece-me ver o Fábio, mas não podia ser. Ele ia bem à minha frente, e provavelmente já teria terminado. A menos que alguma coisa tivesse corrido mal.
Aos poucos vou ganhando terreno, e era mesmo ele. Algo deve ter acontecido, para ele estar ali, alguma quebra o fez atrasar. Acelero um pouco mais para ver se conseguia terminar com ele, e dar-lhe força naqueles metros finais. Fim da ponte, e os quadríceps apertam de tal forma, que parece que vai dar cãibra. Não agora, não ali, uma vez mais ignoro, e tento ganhar mais alguns metros. Começa a cheirar a meta, surgem mais apoiantes, mais gente a aplaudir, e um enorme corredor humano que nos leva até ao final.
Apanho o Fábio, coloco a mão nas costas e chamo-o “vamos lá, até ao fim”, era uma meta cheia, cheia de gente, e cheia de boa disposição.
Foi um brilharete em todos os sentidos. Uma organização que para uma primeira edição esteve bem acima do razoável, obviamente existem coisas a melhorar, mas a estrutura de base é esta, e pareceu bastante sólida.
O brilharete maior para mim, foi a nível pessoal, que consegui atingir um tempo que jamais pensaria lá chegar se não treinasse para tal. Retirar 30 minutos ao tempo final é muita coisa, fiquei quase perto das sub 3 horas, mas as 03:05h de prova, já me satisfez por completo.

terça-feira, 18 de junho de 2019

Trilhos Termais - Um carrossel nocturno


Há provas, e provas. Umas que vamos juntando à lista de “A fazer”, outras que colocamos logo de lado, e outras que se der e puder, até faço. Os Trilhos Termais, enquadrava-se na última opção. Foram diversos os factores que contribuíram para acabar por ceder e participar, mas um dos principais era o facto de ser uma prova nocturna, em que a luz do frontal era a única forma de ver os trilhos .

Se era novidade correr à noite em trilhos, a chuva também ia marcar presença.
Água em abundância durante o dia todo, e eu a magicar em como iria ser. Caminhos alagados de água, lama, piso escorregadio, com a imprevisibilidade do terreno e falta de luminosidade, iria ser uma experiência e peras.
Ainda faltava 5 minutos para as 20h, a chuva já tinha abrandado, e o sol ainda conseguiu furar as nuvens, tornando uma partida ainda ligeiramente diurna.
Não éramos muitos atletas na prova nocturna, mas a estreita saída não dava para fluir da melhor forma.
 
Logo após a partida. Créditos: Organização
Contornávamos o edifício das termas e aproveito a recta para dispersar um pouco do pelotão.
Sabia que iríamos entrar em caminhos mais estreitos, e se não fugisse dali, iria correr o risco de ter que parar mais à frente.
As travessias em pisos sem qualquer atrito parecia uma pista de gelo, as pontes em madeira era uma preocupação, felizmente eram curtas.
Os primeiros passos em trilhos confirmavam o cenário de lama, tentava procurar o melhor terreno para colocar o pé. Ainda havia alguma luz do dia, e podia abusar um pouco mais. Metia-se a primeira subida, curta, mas inclinada. Não arredava pé e mantinha um ritmo confortável para as subidas, os single-tracks eram uma excelente surpresa, mas não dava para desfrutar deles, para além do piso enlameado tinha gente pela frente, e só com o alargamento do caminho é que dava para passar.

Na subida por entre um pinhal dava-se o início da falta de visibilidade, iria ser o verdadeiro e derradeiro teste ao meu frontal. Colocavam-se mais single-tracks, caminhos trabalhados, estava a gostar.
Alguns trilhos coincidiam com o Ultra Trail Medieval, e conhecendo começava a abusar um pouco mais. A primeira grande descida, já a conhecia. Ali não havia lama, só pedra solta e raízes das árvores, e em forma de zigue zague, deixei-me ir.
Dali até ao parque de merendas, era tudo caminhos que conhecia, início em estradão, mas a entrada no parque modificava tudo, vários single-tracks, e um género de bosque, estando protegidos por a vegetação das árvores.
 
No parque de Merendas. Créditos: Organização
A noite já estava cerrada, não havia luz se não os frontais e alguns pontos reflectores que nos facilitavam a encontrar o caminho.
Seguia paralelo ao rio Uíma, até ter mesmo que o atravessar. A noite fria já não se sentia, estava bastante quente, e aquela corrente que me cobriu quase até à cintura foi como um refresco.
Surgia a primeira subida que me fez acalmar um pouco. Ofegante, mantinha um passo certo, em jeito de caminhada, as pernas estavam a responder a tudo o que pedia.
A descida estava logo após uns metros, sem trilho, por entre as árvores, com o dobro da atenção para não rebolar até ao rio novamente.

O estradão que separava da próxima subida, foi feita de forma a soltar as pernas, sentia um pouco pesadas. E reflectiu-se mal a iniciei, obrigando a caminhar, não que fosse muito íngreme ou extensa, mas pela grande quantidade de lama e pedras. Só após alguns metros, começo num pequeno trote por ali acima, desviando da vegetação que ainda se estende para o caminho. A chuva que se acalmou durante uns minutos, voltava a aparecer, ainda que tímida quando corria para a descida, mas forte assim que começo a descer. A visibilidade ficou fraca, mesmo com a luz do frontal no máximo, a chuva era tanta, que impedia de ver na totalidade.

O carrossel mantinha-se, apesar de ser uma prova bastante rolante, as subidas e descidas eram seguidas, não muito inclinadas, nem demasiado extensas, o que dificultava era mesmo o piso escorregadio e enlameado.
Prova disso, era o facto de fazer grande parte das subidas a correr, mesmo a mais extensa, com cerca de 1 quilómetro de extensão, tinha apenas 90 D+, tendo apenas parado no abastecimento. Não estava interessado em parar ali muito tempo, pareceu-me estar bem composto, mas assim que vejo uma caixa cheia de gomas, não olhei para mais nada, agarrei em algumas, e volto ao caminho.
Começava a passar pela malta da prova do sunset, alguns ouviam e davam o jeito para ultrapassar, outros, lá tinha que pedir licença para passar. Estava um pouco inclinado para tentar o meu melhor tempo possível, e para isso teria que entrar um pouco em modo competitivo, mas aquela confusão nos trilhos não me estava a permitir para tal.

Créditos: Organização
As descidas agora já eram feitas sem grandes preocupações, o terreno estava bastante mais acessível, aproveitava também a iluminação dos restantes atletas para ver o melhor caminho.
Surgiam grupos cada vez maiores, em single-tracks só conseguia ultrapassar caso forçasse as pernas por meio da vegetação, não havia maneira de me deixarem passar, estava a ficar chateado com aquilo, não que fosse ganhar alguma coisa, mas queria tentar dar o meu melhor, e ver até onde conseguia ir, basicamente uma prova sempre a fundo.
Agradava-me ver uma subida, sabia que ali conseguia dispersar daquela multidão. Comecei logo a correr, não parava, ainda estava com pernas para tal, e só dessa forma conseguia levar a prova ao limite.
O trilho era mais técnico, e serpenteava encosta acima.
Feito. Agora restava descer, e rolar até ao final. A descida foi feita rapidamente, o desnível ganho anteriormente, foi rapidamente retirado.
As pernas estavam frescas o suficiente para ainda conseguir abusar mais um pouco. Os estradões facilitavam a corrida, eram bem mais estáveis, e rolantes o suficiente. Continuava a ultrapassar mais atletas da prova anterior, mas agora não era impeditivo de correr.
O fim dos trilhos e estradões, era feito pela passagem por um pequeno parque de lazer, com um caminho um pouco mais estreito, mas onde estava bem lotado.

Estava um caminho bem mais preenchido, mas felizmente estavam minimamente organizados para poder seguir, e ouviam alguém a correr, e davam indicações a quem ia na frente.
Agradecia, enquanto ainda tinha pernas para correr. Ao fundo ia ouvindo o speaker, significava que estava quase a terminar.
Numa das ultrapassagens, surge um pequeno grupo vindo da esquerda que se tinha enganado no caminho, vinham a reclamar, mas a distracção ali a meu ver foi deles, não tinha como enganar, o caminho era previsível, e as marcações estavam impecáveis.
O que me enervou, foi o facto de vir num ritmo forte, e eles ao verem-me, colocarem-se na minha frente. Foi uma travagem brusca para não me mandar contra alguém, fiquei piurso naquele momento. Para ajudar, colocaram-se lado a lado, e não tinha maneira de passar.

Depois de alguma insistência, lá consegui passar, logo atrás de um deles, que queria correr mais um pouco enquanto ainda reclamava. Mesmo assim não era o que queria, e então numa ultrapassagem mais ginasta, lá consegui.
Já ali estava a meta. Via o edifício das termas, era só o contornar e atravessar o pórtico. Os últimos 700 metros, foi a todo o gás. Esta luta valeu-me o 10º lugar na geral. Cheguei satisfeito ao final, mas com conhecimento que podia ter conseguido mais e melhor, se não houvesse tanta confusão nos trilhos.

Já na recta final. Créditos: Organização
O percurso em si, não é nada de extraordinário, muito à base de estradões, excetuando alguns single-tracks, que apesar de estarem escorregadios, são os únicos trilhos que diferenciam a prova. O facto de ser uma prova nocturna, ajudou a uma experiência totalmente diferente, a chuva fez com que o desafio ainda fosse maior. A adrenalina era outra, e o facto de o percurso ser bastante corrível contribuía para levar a prova mais a sério, mais ao limite.
Só mesmo, na parte final, aquela confusão constante de atletas nos trilhos, não facilitava nada a progressão, atrasava sempre algum tempo, e as quebras de ritmo eram constantes. Fora isso, é posso afirmar que consegui divertir.

sexta-feira, 14 de junho de 2019

Corrida do Dia do Pai - Uma luta desequilibrada


Já o havia conseguido em Ovar, mas queria repetir o feito. Fazer 10 KM abaixo dos 40 minutos.
Na minha ideia, tinha estofo para o fazer novamente, e iria tentar custe o que custasse.
A Corrida do Dia do Pai, era o ideal para o fazer, percurso na sua maioria plano, muita gente a correr e a apoiar, junto ao mar, o que contribui para uma aragem mais fresca. Enfim, tudo para ajudar.


A manhã de Domingo era fresca, previa-se chuva, o que até me agradava. Ambiente fresco ajudava a não aquecer em demasia. Em contrapartida, afastava muita gente das ruas, faltando aquele ambiente típico de festa em algumas zonas, que tão bem me recordo das 2 vezes que participei. Não correm por nós, é certo, mas dão cá um ânimo e força, lá isso dão.
A minha chegada coincidiu com alguns chuviscos, aquela morrinha, aliada a uma brisa fresca.
Arrepiei-me mal saí do carro, e num passo acelerado para evitar arrefecer em demasia, fui em direcção à rotunda da anémona, ao encontro de mais malta para um aquecimento. Era lá o ponto de encontro, e o percurso para um breve aquecimento, queria estar minimamente quente aquando o tiro de partida.

Era a minha estreia, minha e do Fábio, na sub-elite. Conseguimos estar mesmo na frente do pelotão para evitar aquela habitual confusão do tiro de partida.
O início já o conhecia, era a subir, mínimo de inclinação, mas a subir, e como estávamos frescos, nem dávamos por isso. Assim foi, no meio de tanta confusão, e da euforia de muitos em querer dar o sprint logo ao arrancar, a minha preocupação era não cair e ser atropelado.
Tentava afastar o mais possível, encostado à direita, a afluência era menor, e dava para ir avançando ao meu ritmo, impedindo a mim próprio de ir mais rápido do que o que devia.
Fim do primeiro quilómetro, já com retorno feito, e início da descida, e confirmo o tempo pelo relógio, 3:52 min/km, era rápido demais, aquele devia ser mais ou menos o ritmo para a restante prova, e não o de início. Objectivo era fazer o primeiro mais lento, e só depois aumentar e manter.

Estava feito, agora seria tentar manter. A partir dali era descer e plano, em direcção à rotunda da anémona, sem antes ainda ter direito a mais um retorno. Fui sempre consistente, e a partir dali a passada era regular, estava a sentir-me bem, e com vontade de bater o meu recorde.
Conhecia o percurso bem, algumas alterações que fizeram ao percurso, aproximou mais do trajecto inicial da Maratona do Porto, e sabia com o que podia contar.
A anémona era o ponto de maior enchente e grande festa, desta vez, teria que contentar com aqueles corajosos que decidiram contrariar a vontade da chuva.

Rumo ao porto de Leixões, mantinha-se o plano, não havia desníveis que se sentisse, o único inconveniente era a passagem por alguns paralelos, mas nada que massacrasse.
Continuava bem, e ainda não tinha sinais aparentes de quebra, ia distraindo com o pessoal que já vinha do retorno, e ver se via alguém conhecido, formas para ocupar o tempo.
Novo retorno, e deixo o Porto de Leixões para trás, agora a distracção era ver quem vinha atrás, tentava ver alguém, mas a confusão era muita, acabei por desistir, foquei-me em encontrar alguém para me encostar, mas parecia que todos estavam a aumentar o ritmo. Estava prestes a entrar no quilómetro 7, e as coisas pareciam complicar-se.
As pernas estavam um pouco presas, e a respiração descontrolada, algo não estava a correr bem. Cerrava os dentes, e tentava manter o ritmo, mas ao consultar o relógio, estava a abrandar.


Isto é apenas um pequeno descontrole da respiração e já recomponho, pensava eu. Abrandei um pouco, e tentava manter os 4 min/Km, estava a custar, e as oscilações de ritmo eram grandes, tanto conseguia aumentar a cadência, como de repente descia. Aguardava por entrar no quilómetro 9, onde já existia novamente apoio, e pudesse recuperar alguma energia, fosse lá de onde ela viesse.
Pequeno corte à direita, e entramos na marginal, aos poucos as pessoas vão surgindo, mas nem daí estava a conseguir recuperar.
O vento fez questão de fazer companhia. Uma forte ventania, colocava-se entre mim e o resto do percurso. Tentava colocar atrás de alguém, mas não estava a dar, estava ofegante, e pernas presas.
Detesto correr nestas circunstâncias, começo a olhar para o relógio, e vejo que o objectivo já era impossível, mas tinha que terminar abaixo dos 40 minutos.

Respiro fundo, e tento aumentar a passada, tinha que ser.
Entro finalmente em asfalto, após cruzar uns metros por paralelos, e tento acelerar para o último retorno. O vento continuava forte, e impedia de progredir conforme queria, nem os prédios conseguiam acalmar aquela frente ventosa.
Chego ao retorno, e ao mesmo tempo, impulsiono o último esforço. O vento deixou de existir e estava novamente a sentir bem para poder soltar as pernas.
Última passagem pela rotunda da anémona, e subida até ao queimódromo onde ficava a meta.
Estava a esgotar as energias, só queria atravessar o pórtico. E fi-lo, ainda abaixo dos 40 minutos, como pretendia.

Já não recordava de uma prova tão desgastante como aquela, consegui controlar as coisas até meio da prova, mas os últimos 4/5 quilómetros, foram terríveis.
A organização esteve impecável, mesmo com umas pequenas ligeiras alterações do percurso, mas há coisas que não conseguem controlar, e todo aquele vento, aliado à minha quebra, só me fez massacrar mais. Independentemente disso, continuo a conseguir manter a marca abaixo dos 40 minutos, que era o pretendido.

terça-feira, 11 de junho de 2019

Meia Maratona de Salamanca - Um plano com muito alto e baixo

Quantas vezes é necessário fazer a mesma coisa para se tornar tradição?
Uma, duas vezes é suficiente?
O certo é que estava previsto o regresso a Espanha, não a Vigo desta vez, mas a Salamanca.
Um local cheio de história, e vários pontos de interesse para visitar. Mesmo com a ida no dia anterior, foi impossível visitar tudo, e ver com mais calma. Consegui pelo menos ter uma pequena noção daquela cidade, e sabia que à partida no dia seguinte enquanto corria iria passar em vários locais, por todas aquelas pequenas ruelas que cruzavam com alguns dos vários edifícios históricos.
Era um local histórico, notava-se bem em todas as fachadas dos edifícios, ao manterem uma arquitectura idêntica como se tudo fizesse parte da mesma época.
O hotel ficava mesmo junto ao local da partida, e de todo o grande centro e atracção turística, o que facilitou bastante tanto para dar uma visita rápida, como para o levantamento dos kits.


É um facto que o sítio escolhido era óptimo para estas situações, contudo para descanso, já não foi o ideal, a noite é animada para aquelas bandas, e as muitas conversas na rua, gritarias dos grupos ouviram-se noite dentro.
Não dava para mais, o despertador tocava e já eu o aguardava alguns largos minutos, tinha que me levantar e começar a preparar.
Este hotel, acabou por ser uma surpresa desagradável, o seu interior não era o mais acolhedor, mas para uma noite não seria problema, mas na hora do pequeno almoço foi quando me desagradou por completo, com a falta de variedade, e somente um funcionário a correr para servir e limpar toda a sala, obrigando a muitos estar à espera que fosse possível haver alguma coisa para comer, ou mesmo para sentar. Valeu pelo menos pela cedência do quarto até depois da prova para um banho mais confortável.

Faltava cerca de 1.30h para a partida, tinha tempo de sobra para fazer as coisas com calma. Tardei a saída do hotel pela brisa matinal que ainda era fresca, e quando dali saísse já queria fazer um ligeiro aquecimento até à partida.
Aos poucos fui-me arrastando para a porta e ganhar coragem para apanhar um pouco de frio. Ao sol a coisa ainda melhorava, mas aquela zona ainda não tinha visto um raio de sol, devido aos prédios, que pelo menos protegiam do vento.
Lá teria que ser, e entre alguns arrepios vou correndo em direcção à partida, junto a um jardim, onde se ia vendo alguns portugueses aqui e ali, mas não me deixei ali estar muito tempo.
Queria tentar um bom aquecimento, e coloco-me mesmo em frente ao local de partida, numa longa recta a par de outros tantos.


A hora aproximava-se, e queria tentar um brilharete. O cenário ideal era 1h25m, tendo como objectivo principal baixar da 1h30m.
Procurava o local designado para esse tempo, e junto-me aos já vários alinhados para arrancar.
Sentia-me confiante, um pouco reticente, mas confiante enquanto aguardava pelo tiro de partida.
Ouvia-se ACDC, quando fazem a contagem decrescente e dávamos os primeiros passos de corrida. Tentava e pensava em não entrar em euforias, queria marcar um ritmo de 4.20 min/km, de início, e progredir gradualmente.
Como é habitual e normal nestas provas não se consegue, tinha ritmos alternados constantemente, não que fugissem muito aquilo que queria, mas que desregulava a sintonia que queria ter entre respiração e pernas.

Era tudo praticamente plano, e mantinha-me certo com um grupo que ia mais ou menos ao mesmo ritmo que eu. Deixava então o balão da 1h30m para trás, e só pensava que o queria ver ao longe. Iniciavam-se as primeiras descidas, mesmo que ligeiras e começava a aproveitar para recuperar um pouco o fôlego.
O sol já ia ocupando algumas estradas, e sentia-se que queimava, mas pelo menos esta fase, devido às ruelas que iríamos passar, ainda passaríamos por muitas zonas sombrias. As ruas estavam sempre com alguém, ou com alguma multidão para dar uma salva, os espanhóis sabem como fazer a festa.
Vinha com velocidade a mais do que a que tinha planeado, mas continuava a sentir-me fresco e com pernas para isso, comecei a idealizar outro plano e iria tentar um brilharete, se corresse bem, espectáculo, se não paciência.
Ao fim de cerca de 4/5 quilómetros lá encontrava o parceiro que me iria servir de “isco”, íamos algum tempo a ultrapassar um ao outro, por isso teria de ser ele. Acho que inevitavelmente ele também percebeu isso, e nesta fase coloco-me eu à frente e ele segue colado a mim.


A pequenas ruelas envolvidos pela zona histórica serviam para distrair a mente, a praça cheia de gente, completamente repleta foi uma boa sensação, mas agora iríamos sair do centro, e seguíamos para a periferia da cidade.
Uma coisa que apenas reparei no final da prova, e que não tinha dado a devida atenção, é que estávamos num autêntico planalto. A cerca de 800 metros de altitude o oxigénio não é o mesmo que 200 metros de altitude, e o corpo ressente isso, não no início, mas a meio ou mesmo no final.
A saída do centro, foi uma lavagem com centrifugação no máximo. Para além de estarmos em altitude, ficamos totalmente expostos ao sol, e ao forte vento. Por momentos, parecia que estava a chegar à praia da Barra, mas não. Ali não havia mar, apenas um rio que já havíamos deixado para trás.

Surgia uma subida não muito inclinada, mas longa, quase 2 quilómetros de extensão, totalmente a céu aberto com exposição ao sol, e uma forte ventania em sentido oposto.
Comecei a pensar seriamente o que iria ser o resto da prova com aquelas condições, do confortável, virei para o desconfortável num abrir e fechar de olhos, só queria chegar ao topo, e iniciar a descida.
Aproveitava para me encostar a alguém que fosse melhor do que eu, o que não era difícil, para ver se o vento era menos forte, mas não conseguia.
Atingia o topo e surgia uma pequena descida que me levava aos 10 KM, e pensava que pronto, agora faltava outro tanto. Do outro lado da estrada ia aparecendo os primeiros atletas, de volta do retorno pouco ali mais à frente.


Ali pelo menos o vento já não batia de frente, e parecia ter atenuado um pouco, mas para não teria que ser fácil, tinha que surgir uma subida bem inclinada e curta. Tentava a todo custo manter o mesmo ritmo de princípio a fim, mas mesmo a terminar tive que ceder, não dava para mais.
Enchi os pulmões de ar, e logo de seguida expulso o ar devagar, repito 3 vezes, e volto à carga.
O piso virava plano com ligeiras descidas, e aí conseguia recuperar, abusando logo de início para recuperar alguns segundos que fossem. Retorno feito, e tinha a distracção toda do meu lado esquerdo, tentando encontrar caras conhecidas. Não seria por muito tempo, a descida era acentuada, e eu continuava a abusar, pelo menos de caixa já tinha recuperado, agora faltava saber como estavam as pernas.

Procurava novamente a minha “lebre”, mas via que ficara para trás. Fazia novamente uma tentativa em encontrar alguém, mas não estava a conseguir, ou depressa demais, ou estava a abrandar. Teria que ser eu e o relógio, a lutar contra o sol que cada vez mais me fazia confusão.
Era o regresso a Salamanca onde podia finalmente distrair-me com mais apoio, ou pensava eu que sim. A travessia da ponte pedonal, pelo menos estava cheia de apoiantes, o vento também fez-se sentir, mas foi sol de pouca dura, devido aos edifícios. Precisava de beber água, o sol vinha a fazer-me forçar nestes últimos 2/3 quilómetros, e sentia a boca seca. Água pela garganta abaixo, e pelas pernas, soube-me pela vida, parecia ter rejuvenescido.
A passagem junto ao rio, alegrava-me, mas o sol estava directamente exposto sobre nós, era uma zona pedonal, e caminho um pouco mais estreito, por vezes tinha que abrandar para arranjar maneira de ultrapassar alguém, não que me incomodasse, aproveitava para descansar um pouco.

Restavam pouco mais de 3 quilómetros para o final, e a coisa parecia querer complicar-se.
Junto ao rio, apesar de exposto ao sol, ainda surgia alguma pequena brisa, ou sombra, o que terminou assim que voltamos a pisar o asfalto, novamente a céu aberto.
Valeu pela descida inicial para conseguir colocar algum ritmo mais rápido, mas que finalizava instantaneamente mal contornássemos a rotunda ali no fundo.
Seguia-se a subida da prova, com já cerca de 19 quilómetros nas pernas, uma subida que nos triturava tanto por fora, como por dentro. Cerrava os dentes, como se a minha vida dependesse disso, tentava manter o ritmo, mas não estava a dar, estava cheio de calor, nem os aplausos me valiam ali.
Ao olhar por cima do ombro, vejo o balão da 1h30m a alcançar-me, e chega mesmo a ultrapassar.


Recordo de o passar no início cheio de gente, mas agora seguia sozinho, a puxar pela malta para o último quilómetro. Já não queria saber de tempos, já começava a pensar em caminhar, as pernas estavam pesadas, estava a atingir o meu limite naquele momento.
20 quilómetros, e era o fim, aquela tortura terminava, provavelmente a minha cara naquele momento seria de alguém que levou semelhante porrada e estava a acabar de se levantar sem saber o que se tinha passado.
Agora era descer, e plano, contornar o jardim e atravessar a meta.
O balão continuava à minha frente, a um par de metros a chamar por nós, e eu atendi à chamada, mas desrespeitei-o, acabei por o ultrapassar. Dei o que tinha e o que não tinha para o ultrapassar, e depois foi só manter-me à frente para terminar abaixo do meu objectivo.
Contornava o jardim, e só queria atravessar aquela meta. 1h29m depois estava feito.

Foi uma luta até ao final, contra aquilo que não esperava que acontecesse. Sempre imaginei uma prova minimamente plana, mas aquelas subidas trocaram-me as voltas.
Os espanhóis sabem o que fazem, e em termos de organização estão totalmente de parabéns, para além disso, eles sabem viver as provas, e dar-nos a entender que estão ali para nós, pela segunda vez que corro em Espanha, e sinto vontade de lá voltar pelo forte apoio que dão.

sexta-feira, 7 de junho de 2019

Vouga Trail - Que rica molha


Eram sete horas da manhã quando o despertador toca. Arrepio-me mal saio da cama, para me preparar para mais uma prova por trilhos. Não demoro muito e espreito o tempo, para confirmar o que já esperava. Estava escuro, frio e chovia com perspetiva para se manter durante todo o dia. O que dava para me manter debaixo dos lençóis.
Só mesmo o meu lado mais aventureiro, me arrastava para o ritual matinal pré-prova, e mesmo esse não impediu um pequeno atraso para encontrar com os restantes elementos da equipa.
A viagem era curta e rápida, afinal Sever do Vouga é ali mesmo ao lado. A enxurrada que São Pedro reservou para aquele dia ainda não tinha parado e a juntar à chuva, o frio fazia companhia.


Era uma prova linear, e os autocarros eram o contraste do tempo lá fora, quentinho e confortável. Mas com a chegada à aldeia de Silva Escura, e colocando o primeiro pé fora do autocarro dava-se pela diferença. Aguardávamos pela hora da partida dentro de uma pequena casa que ali havia, e pelas 09.30h já ao relento, debaixo da chuva deu-se o tiro de partida.

Arranquei um pouco mais na frente do que o normal, e a estrada até aos primeiros trilhos eram bem rolantes, e numa forma de aquecer coloco-me a correr como um desalmado. Ao mesmo tempo que aquecia, ia dispersando da maior confusão.
Com o fim do asfalto, entravamos naquilo que já se previa, lama. Um piso muito incerto em single track com raízes, lama e desvios constantes.

Tentava minimizar o contacto com a lama sempre que conseguia, mas era difícil, estava espalhada por todo o lado. Entravamos no parque de Cabreia, e nem as escadas em pedra facilitavam, e ao fim de algumas simulações de queda, eis que o pé não encontrou o melhor apoio e valeu-me o apoio no corrimão em madeira. Não havia sido aparatosa, daí ter-me levantado imediatamente e seguido a correr, mas deu para o susto.
Atravessávamos o rio e o panorama era o mesmo, num pequeno caminho com pequenos troncos saídos da terra solta e inclinada em direcção ao rio. Por diversas vezes me perguntava quando ia dar um mergulho, devido à imprevisibilidade do terreno.
 
Cascata Cabreia. Créditos: Organização
Sair dali, foi um alivio, entrava em estradões em que a única preocupação que tinha de ter era a atravessar os largos charcos de água castanha sem saber a profundidade. Mas visto bem as coisas seria o menor dos problemas.
O Vouga Trail, foi um pouco diferente, pelo menos para mim, de tudo o que fiz até agora. De uma forma geral, as provas iniciam-se a subir e terminam a descer, esta seria ao contrário. Um início bastante rolante com várias descidas à mistura, o desnível todo no centro da prova, e uma subida até ao final. A chuva, frio e vento misturado fez com que todo o percurso parecesse estar preenchido de ratoeiras, à espera de um deslize para uma magnifica queda.

Valia mesmo os estradões, que tinham um piso mais consistente e menos escorregadio.
A primeira subida era um desses exemplos, as pedras substituíam a lama que já não era tão visível, mas nem assim facilitava aqueles cerca de 270 metros em 1 quilómetro.
O pouco que conseguia correr era quando a inclinação diminuía, mas honestamente estava mais interessado em ver onde colocava o pé. O impermeável foi fulcral, e um verdadeiro teste para ver se realmente estava aprovado. Não houve momento algum em que sentisse frio, nem que a chuva perfurasse aquele casaco. E quando caminhava era nele que deixei a minha confiança para não arrefecer. Ainda consegui retirar uma ou duas vezes o carapuço da cabeça assim que surgisse uma aberta, mas a chuva teimava em voltar logo de seguida.

Nos metros finais já consegui voltar a correr, e mesmo no alto, com o descampado daquele cume o vento mostra que também veio, empurrando a chuva para a cara. Começo a ver o abastecimento ao longe, e sigo a correr. Não parei muito tempo, apenas alimento um pouco e sigo viagem.
Nesta última corrida até ao abastecimento senti as pernas um pouco presas, talvez pela recente subida. Volto a tentar correr no pouco plano que nos leva até à grande descida, e já me sinto mais solto, até começo a abusar, mas a bruta descida que me aparece, obriga a abrandar.

Ia precavido, e continuava com receio de colocar mal o pé onde quer que fosse. Ao mesmo tempo começo a perceber que naquele dia não estava com pernas para descer, e o estado em que estava o terreno devido à chuva desmotivava mais ainda. Tinha que controlar aquilo de que maneira fosse. As descidas estavam a ser massacrantes, mas os single tracks que repentinamente se colocavam eram técnicos devido aos vários riachos de água, e pedra solta e molhada.
Aguardava um bom piso para poder correr, e assim o fiz assim que volto a ter caminho para isso. Eram variações de ritmos constantes, entre subidas, descidas e caminhos mais ou menos técnicos. Aproximava-se a próxima subida, provavelmente dos percursos menos interessantes da prova, valia a companhia e a conversa que ia tendo num grupo de 5 atletas que ali íamos juntos.

Uma valente molha
 Foram poucos metros, e um pequeno momento de distracção que fez com que nos enganássemos no caminho, mas confesso que havia partes que poderiam estar melhor reforçadas com fitas. Reencontramos as fitas, e num pequeno desvio por entre mais lama voltamos ao caminho original. Devido ao piso muito escorregadio, perco um pouco o contacto com o grupo. A travessia numa pequena aldeia ajudou a que me aproximasse deles, foi uma passagem longa em estrada até chegar de novo a mais corta fogos.
Mais uma longa descida, em que acabo por ficar para trás, e uma vez mais por não conseguir estar à vontade a descer, fosse de que maneira fosse. A Ecopista do Vouga, foi como um refresh às pernas, arranquei um pouco ofegante e pernas pesadas, e consigo controlar toda a situação e correr minimamente.

Chegávamos ao segundo abastecimento dentro dum pavilhão, e foi como se me desse o clique de que teria que gerir bem estes últimos quilómetros.
As pernas estavam novamente pesadas, os músculos um pouco duros, só podia ser consequência do exagero de treinos nessa semana.
Demorei um pouco mais no abastecimento, volto para a ecopista, e mais asfalto. A travessia do rio Vouga diferenciava o piso, fora isso, atrevo-me a dizer que andamos cerca de 2 quilómetros em estrada. As estreitas ruelas daquela aldeia de Pessegueiro do Vouga era a única coisa que tornava aquela fase mais divertida. O seguimento pela estrada era de tal maneira continuo que uma vez mais engano-me no percurso, volto para trás, e volto a encontrar as fitas, um pouco mais discretas por meio de uns campos para variar a monotonia.

Saído daquela aldeia, voltamos à estrada nacional, para iniciar a última subida, e por pouco pensei que fossemos subir até ao final sobre o asfalto.
Talvez fosse melhor, talvez fosse pior, não sei, mas foi ali que comecei a deitar a toalha ao chão.
A entrada na última subida por trilhos era uma mini trituradora de pernas.
A subida era tudo menos consistente para sequer pousar o pé, estava completamente desfeito devido à muita pedra, à terra completamente recortada pela água que a percorria, e cheia de pequenos ramos das árvores que por força do vento foram tombando.
Chegar ao topo foi como uma vitória, estava a começar a sentir massacrado. As descidas que se foram interpondo finalmente eram mais acessíveis, e foram como um alívio para as coxas.

Entrava em mais um single track, e parecia que voltava tudo atrás, a lama voltara a aparecer, juntava-se as encostas que exigiam usar todos os membros para subir, e as coxas e gémeos a gritar por clemência.
Insistia que iria terminar aquilo, e que a toalha não ia ao chão por nada. Mais alguns estradões e começo a aguardar a meta. Tento estar atento a ver se ouço algum barulho da meta, mas em vão. Por vezes ainda punha a hipótese de me ter enganado em alguma parte e estar no percurso dos 42KM.
Entrava num ecossistema diferente, tudo mais verde e sem a confusão habitual do mato. Foi dos trilhos que melhor me lembro por duas razões. Pela diferença de tudo aquilo que fizemos, e pelo empeno que levei. Eram imensas as encostas que teríamos que subir, mas a lama, e já a falta de apoios para pousar o pé era impossível subir aquilo sem escorregar. Numa das situações aconteceu mesmo, estar a subir em paralelo a outro atleta, e ele continuar e eu deslizar para trás por não encontrar apoio. As raízes que se escondiam por baixo da lama foram a solução, apoiando as sapatilhas, e fazendo o impulso com as pernas para subir. As minhas coxas rebentaram por completo ali, estava completamente desfeito. Aguardei uns segundos, e caminhei um pouco. Só queria sair dali.
 
A aguardada meta
Atravesso por entre umas casas, e chego a Sever do Vouga. Finalmente conhecia onde estava e dali à meta era um instante. Rejuvenesci naquele instante, e volto a correr. Já não queria saber das coxas, nem dos gémeos, de nada. Só queria atravessar a meta e terminar.
Finalizei um sufoco total para as pernas, um pouco mais tarde do que estava à espera.
Sei que estava minimamente preparado para fazer a distância sem problemas, mas o facto de estar com excesso de carga condicionou bastante ao final de alguns quilómetros. O tempo sem dúvida não ajudou, e a muita lama exigiu mais do que o que estava à espera.
É uma primeira edição, que fica um pouco a desejar, talvez o tempo que esteve contribua para esta decisão, mas revendo bem todo o percurso, é à base de estradões e mais estradões, que deve ter sido das palavras que mais usei durante esta crónica. Os single tracks eram impecáveis, mas a chuva tornou-os de tal maneira agrestes que complicou tudo. Para além disto, achei que houve muita estrada. Provavelmente com um clima diferente, e alguns ajustes durante o percurso, a coisa funcione bem melhor.