quarta-feira, 22 de setembro de 2021

Vadia Skyrace - O tão aguardado regresso

Já não me lembrava como era antes, foram vários meses, na verdade mais de 18 meses depois que volto a colocar um dorsal à cintura. Este tempo todo foram ocupados com treinos, e alguns, poucos, desafios e outras aventuras como a ida ao São Macário, e umas 12 Horas às voltas, que tiveram mais impacto a nível pessoal durante este período de bloqueio ao que nos era dado por garantido.
Talvez por este tão grande espaço temporal, ausente daquilo que já me era tão familiar, foram o que me levaram a recordar aquele nervoso miudinho que já não sentia, desde não sei quando, e aquela ansiedade de querer deixar tudo num percurso que já me era conhecido, tanto por já ter feito os vários trilhos que o componham, ou só pelo motivo de ser à porta de casa. 
Vadia Skyrace, 24 quilómetros, com 1600 metros de desnível positivo, era aquilo a que me propus para regressar às provas.

Vale de Cambra à vista, com Freita em plano de fundo. Créditos na foto

Fui sensato em perceber que devia arranjar as coisas de véspera, para não chegar a Ossela, a lamentar que faltava isto ou aquilo, infortuno do esquecimento do que deveria transportar comigo.
Numa falha que fosse daquele que era o material obrigatório, eram mais 30 minutos somados ao tempo final, o que a julgar pelo tempo que realizei, até parece que realmente me esqueci.
Foram preciso 3 horas e 45 minutos para terminar aquilo que a meu ver, me parecia, no pior cenário feito em menos 15 minutos, e mesmo assim era um abuso. Contudo, o meu cérebro hoje já encontrou o problema para este atraso, falta de treino mais adequado à exigência da prova.

Mas recuando um pouco, voltemos a Ossela, onde finalmente, voltei a respirar trail, ainda que filtrado por uma máscara por cada individuo que marcava posição atrás da linha de partida, mas respirava. Máscara essa que foi retirada uns 200 metros depois de arrancar, e que arranque… Sensivelmente durante um quilómetro, ainda que feito a descer, senti-me numa prova de estrada, tal era a velocidade praticada por aqueles velocípedes. Acabei por ir no arrasto, e com a ideia fixa de não me ficar muito para trás, pelo simples facto de saber que iriamos entrar em single tracks logo que deixasse o asfalto.
Enfiei-me no meio das feras, agora só tinha que aguentar o ritmo de quem ia à frente, e não empatar quem vinha atrás. Foi assim durante uns quatro quilómetros num trilho improvisado junto ao rio Caima, num sobe e desce curto, constante e inclinado. As subidas eram feitas a passo, as descidas a deslizar por entre as árvores que nos aparavam de uma eventual queda mais aparatosa.

Travessia do rio Caima. Créditos na foto

Virava costas ao rio, e à flora mais fofa e densa, para um piso mais técnico, e arejado, onde o sobe e desce já eram ligeiramente mais longo, mantendo as mesmas características do constante e inclinado. Sair do monte de Crasto e entrar na serra de Lordelo, é o mesmo que ir a um parque de diversões, e andar num carrossel para os miúdos e entrar numa montanha russa. O sobe e desce está presente em ambos, mas a aventura, adrenalina é outra, assim como a altitude e extensão das subidas, descidas.
Repito por diversas vezes os termos "subida" e "descida", por uma razão simples, simplificar aquilo que não é possível ilustrar por palavras, mas que fazem jus aquilo que esta prova é num todo. Numa serra como esta, com altura máxima de 500 metros, e mínima de 200 e qualquer coisa, não é preciso explicar muito o que é necessário para concluir os 1600 metros. Não há tempo para descanso, para grande correria, passamos grande parte do tempo a olhar para o chão, seja a subir para não desmotivar com o olhar para o topo, seja a descer para não ir aos trambolhões até ao fundo.

A "Manhosa", segmento baptizado pela minha pessoa e mais um grupo de amigos, por tantas vezes ali passar e ser massacrado lentamente, é a porta de entrada numa das extremidades desta serra até um ponto mais alto. Após um pequeno corte pela encosta, subia então até ao ponto mais alto. Subir, aqui não é o termo mais correcto, mas sim escalar, devido aos cerca de 100 metros de extensão, com uma média de 49% de inclinação, que havia conhecido uma semana antes.
Um novo recorte no percurso, desta vez criado propositadamente pela lateral direccionava até à descida da serra feita num corta fogo. Não é que seja muito extensa, mas o terreno, é daqueles que queremos evitar de qualquer forma, a quantidade de pedra solta, pode ser o menor problema, tendo em conta a irregularidade do piso, com buracos, regueiros ou mesmo troncos de árvores ainda cravados na terra.

Cume da Serra de Lordelo. Créditos na foto

Com nove quilómetros surgiu o primeiro abastecimento, tentei parecer um piloto da fórmula 1, comendo apenas uma banana, e enchendo as garrafas de água e arrancar. Trazia comigo mantimentos suficientes, ou achava eu, que eram os necessários para todo o percurso. Entrava na trialeira de Lordelo, a subir numa fase inicial, e a descer na fase final, até ao trilho do Castor. Gosto particularmente deste trilho, não pela beleza, mas sim pela falsa sensação que nos dá. Num momento parece que consegues correr, noutro estás ofegante agarrado às pernas a progredir em passo acelerado. Com isto feito significava o final da travessia da Serra de Lordelo, e descer na extremidade oposta à que havíamos entrado. Não significa nada, porque após a travessia da estrada, encontra-se uma pequena serra idêntica, muito mais pequena, mas igualmente severa, a Senhora da Graça. Onde imaginem, iria continuar com sobe e desce seja por trilhos já existentes, ou por novos tricotados pela encosta. Seja de que forma fosse, era para doer, e foi aqui que senti a necessidade de descansar um pouco e alimentar.

De novo no rio, desta vez o Antuã, que proporcionou o maior tempo a correr desde há muito tempo, voltando também a flora mais densa, o ar mais húmido e fresco. Abrandava apenas pela travessia das levadas, que por vezes implicava ir com os tornozelos submersos. Não era nada demais, comprado com o que ali seguiria. A descida levava ao leito do rio, à cascata da Pedra Má, e à travessia de um pequeno troço do rio, sob as pedras lisas, cobertas de verdete, algumas expostas ao ar, ainda que húmidas, outras completamente submersas.
É o tipo de terreno que menos me dou, o que mais me preocupa, pelos mais que óbvios motivos de não ser de bom agrado, nem para mim, nem para o meu esqueleto, uma queda naquele tipo de piso.
Queria sair dali, mas para isso só escalando até ao alto da Pedra Má, um rochedo que sobressaia, e alcançava o topo das árvores, para então descer novamente, assim que o transpunha.

Enquanto as pernas ainda davam. Créditos na foto

Foi ali que tudo começou, já no rio, quando tentava subir umas pedras, os quadríceps queixaram-se. Agora enquanto estava em mais uma caminhada até mais um ponto, o corpo começou a reclamar. Preciso disto, preciso daquilo, mas acima de tudo queria água, o que já não abundava por sinal naquela altura. Aliás, era tão escassa que já havia auto controlo na ingestão de líquidos, para aguentar até ao abastecimento. Mas era inevitável, a "Rolling Stones", e não, não é a banda, é só mais uma subida cravejada de pequenas rochas sobrepostas entre si, onde é impensável correr, forçou em espremer o que restava de energia dentro de mim. Não sobrou muito de mim no final daquela subida, e não restou nada de água, e mesmo assim não estava saciado. Aquele avanço que levava para o resto da malta, começou a encurtar, de tal forma que começava a ouvir algum movimento. Uma descida que em situação normal seguiria em forma parecida ao de correr, agora só em corrida misturada com caminhada atento a qualquer sinal de tentativa de cãibras.

Verdadeira Rolling Stones. Créditos na foto

Era o segundo abastecimento, e se no primeiro tentei passar-me por um piloto de F1, aqui parecia um coitado a pedinchar por tudo o que me parecia plausível para ingerir e recuperar. O problema, esse, é que o mal já estava feito, e até recuperar, não seria uns míseros minutos ali parado que me iriam salvar. Era ver imensa gente a chegar e arrancar, e eu em espera continua por algum sinal de melhoria, que me desse uma pequena esperança de continuar.
Dali seguia, para a subida mais complicada, mais massacrante e devoradora até então. Ou talvez não, mas na altura, e devido ao estado que estava foi a que me ficou memorizada, pelos mais diversos motivos, e pelo principal motivo de estar cheio de cãibras. Parei, dei um passo, não deu, parei novamente, e repeti o processo umas três ou quatro vezes, até começar a descer e pensar em ficar ali no abastecimento. Enquanto isto ia sendo ultrapassado e questionado pelo meu movimento contrário ao de todos. Parei novamente, olhei para cima, e pensei, vou tentar, pelo menos até ao topo. Um pé atrás do outro, arrastei-me, e quando digo arrastei, quero dizer com todas as letras, pois era um passo em frente, e as pernas a tentar impedir que desse esse movimento. Acho que nunca me senti assim numa subida, por mais duras que tenham sido em relação a esta.

A longa descida. Créditos na foto

Enfim, consegui, e lá pensei agora que fiz o mais complicado, nem que caminhe, até ao final, acho que chego lá. E assim foi, a descer, ainda com os quadríceps a tremer, consegui correr, ou algo semelhante, já a subir, devagar, ou com algum esforço, voltei até ao ponto mais alto da Serra de Lordelo.
Dali para a frente é só descer, o que ainda fazia "bem", ou pensava eu que sim. Não foi ao ritmo que queria, nem da forma que pretendia, mas foi como deu, na longa descida que nos levava até à meta na Vadia Brewpub.
Talvez tenha sido demasiado egocêntrico, ou talvez tenha gerido mal alguma situação que tenha comprometido, e justifique este final, mas estava convencido que tinha estofo suficiente para o fazer aquilo que planeava em termos de tempo. Sem dúvida que esta serra continua a massacrar-me, seja em treino, seja em prova, o efeito é o mesmo. E com isto, quero dizer também que conhecendo a serra, e sabendo o que ela tem, é de fraco conteúdo para um apreciador de trail puro, mas esta organização soube retirar o melhor, conseguiram esmiuçar e aprimorar o que já haviam feito na edição de 2019.

Já o resultado resume-se a uma só coisa - "Não treines não".

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