quinta-feira, 31 de janeiro de 2019

Ultra Trail Medieval - A primeira


Já lá vão 3 edições desta prova, e pela terceira vez volto às terras de Santa Maria da Feira. Uma prova que ficou muito a desejar na sua primeira edição, mas bem melhor na segunda edição. Analisando bem a coisa, foi sempre a prova em que inicio cada ano, e que sempre aumentei a distância.
Já há muito que queria tentar a minha sorte numa ultra, e os 44 quilómetros, foram como se tivesse a chamar por mim. Digamos que é uma pequena ultra.
Conseguimos juntar um batalhão mais ou menos grande, divididos pelas várias distâncias (15KM, 30KM e 44KM).
Uma coisa que aprecio nesta prova é o percurso linear, outra é o que diferencia das provas que fiz até hoje, a animação durante a prova, com personagens vestidos à época medieval.

Créditos na foto
A manhã era fria, fazia tremer, e bater o dente. O facto de estarmos numa praia fluvial onde tudo em volta ficava branco devido às temperaturas baixas já era motivo suficiente para meter arrepios. A única maneira de aquecer era dentro de um pavilhão ali mesmo ao lado, onde nos mantínhamos até à hora de partida. Hora essa que chegou rapidamente, e onde nos alinhavamos de frente para o speaker Joca, que nos ia animando até ao arranque.

Gélida manhã. Créditos na foto
Era hora de partir, tinha 44 quilómetros para percorrer, mas tinha tempo. Saio da parte de trás do pelotão, e sigo sem grandes pressas, junto com a Márcia. Íamos na conversa e rindo enquanto dávamos a pequena volta à praia fluvial até finalmente entrar em piso mole.
Era a entrada em trilhos, num estradão rodeado de árvores e algumas silvas. Seguíamos assim durante algum tempo, numa tentativa de nos afastar o mais possível do longo emaranhado caminho com tanta gente a o percorrer.
Foi uma das situações que mais confusão me causou por parte da organização. Sei que o fizeram a pensar numa recepção dos atletas mais gratificante, mas esqueceram-se das centenas de atletas que se iam cruzar nos inúmeros single tracks. Recordava-me das inúmeras interrupções no ano anterior quando participei nos 29 KM, se juntarmos duas distâncias que iriam fazer o mesmo percurso até aos 30 KM, seguindo posteriormente para os 14 finais, seria uma verdadeira peregrinação.

Primeiro contacto com a terra. Créditos Organização
Nada a fazer, a primeira paragem não demorou muito, com a travessia de um rio, em que um simples salto bastava para poder avançar, estava um caos. De forma calma fui tentando avançar pelas laterais e prosseguir para não ficar ali retido vários minutos. As subidas eram a minha escapatória para ultrapassar mais gente. Era aqui que inúmeros atletas começavam a caminhar, e como estava com pernas e a sentir-me bem fisicamente, avançava sem problemas. As descidas também eram bastante rolantes, nada de muito técnico, com algumas pedras, mas que com alguma atenção se poderia abusar. Infelizmente acidentes acontecem, e ali já deitada na encosta do caminho vi uma rapariga maltratada, devido a uma queda um pouco aparatosa. Felizmente já havia pessoal a cuidar dela, não parei para não causar mais confusão.

Mais umas pequenas subidas e não descartava a corrida, só assim conseguia sair da confusão e evitar grandes confusões nos single tracks. Não tardaram a aparecer, sempre rodeado de eucaliptos, lá íamos serpenteando, naquilo que me parecia algo diferente da edição do ano passado. Apanhava o Fábio, que pensava já seguir bastante à frente, mas não, queria ir nas calmas e desfrutar, dizia-me ele. Seguia mesmo atrás dele, enquanto a Márcia, nos perseguia a poucos metros de distância.
Aguardava pela subida mais complicada da prova até à capela de São Marcos. Uma subida mais inclinada e com um pouco mais de técnica do que até ali fizemos. Ali no topo estava o primeiro abastecimento, que, diga-se de passagem, era bastante requintado e recheado.
O frio já era passado, aquela encosta era mais exposta ao sol e o curto tempo que ali estive dava para levar com alguns raios de sol.

Também se caminha. Créditos na foto
Chega de malandragem, dizia eu. Voltávamos a correr, agora também com o Roni.
Aos poucos fomos apanhando alguns elementos da equipa e íamos seguindo juntos conforme podíamos. Dali apenas eu, Fábio e Márcia, seguiríamos para os 44KM, os restantes para os 30, no entanto o percurso era o mesmo, e íamos dando boleia uns aos outros.
Transitávamos de estradões para single tracks num abrir e fechar de olhos, o percurso agora era o mesmo do ano passado, e o facto de me ir relembrando do que iríamos fazer ia contribuindo para abusar um pouco. Aos poucos eu e o Fábio fomos avançando, e seguimos, ficando a Márcia com o Roni um pouco mais atrás. As subidas ainda eram feitas a correr, e já estávamos dispersos da grande confusão de atletas, não havia motivo para continuar a insistir em correr, apenas o facto de nos sentirmos bem, e estar tudo a correr na perfeição.
Comentava que deveríamos começar a nossa gestão, as subidas não poderiam ser feitas daquela maneira, e aos poucos fomos atendendo a isso, até finalmente optarmos pela ideia mais lógica de abrandar um pouco para gerir bem até ao final. Começamos a fazê-lo a partir dos 15 quilómetros sensivelmente, quando grande parte do desnível já estava feito. O que estava feito, estava feito, não havia volta a dar.

Já não nos esforçávamos muito a subir, mas no plano não arredávamos pé, e fazíamos por vezes exageradamente, mas tanto um como o outro sabíamos que só daquela forma é que conseguíamos ter gozo.
A proximidade do rio trazia mais diversidade e alguma técnica ao terreno, e com ele também o frio. Já algum tempo que não sentia frio, mas as temperaturas teriam baixado alguns graus, e dentro daquele mato mais cerrado não avistávamos o sol, nem entrava calor. Por momentos tive alguma dificuldade em aquecer. Tudo mudava quando reconheço o parque de merendas.
Ali sabia que ia conseguir correr e aquecia, já não ia ter problemas. As paisagens em volta são fantásticas, do género de um bosque, com o piso coberto de folhas das árvores e algumas raízes saídas do chão, primeiro num pequeno caminho feito para se passear, e depois num pequeno carreiro junto ao rio. Ali não se parava, ali desfrutava-se de um amplo parque natural.
Apenas uma pequena pausa no abastecimento, último em comum com os 30 quilómetros. A simpatia dos voluntários mantinha-se fiel ao ano passado, sempre prontos a ajudar.

Recuperado alguns mantimentos para seguir viagem, retomamos em direcção ao local da meta. Estávamos cada vez mais próximos do centro da feira reconhecia bem aquele caminho, a subida para o castelo era logo ali.
Colocamo-nos imediatamente a passo para conseguir gerir o que dali para a frente ainda viria. Segundo o gráfico, os últimos 14 quilómetros seriam bastante rolantes, só não sabemos se são técnicos, e se teremos pernas para o fazer, por isso caminhar seria a melhor prevenção. Pelo menos até ao castelo. A descida do castelo, essa já é outra história.
Adorava aquela descida, e na edição anterior não a consegui correr devido a um aglomerado enorme do pessoal da caminhada e dos 15 KM. Hoje não poderia ser assim, teria que a fazer a correr. Saí do castelo a correr como se estivesse a sair da escola. Ali estava ela, tinha algumas pessoas, não tantas como já havia apanhado, não olhei a mazelas nem a gestão, apenas queria corrê-la. Curva contracurva, raízes aqui, algumas pedras enterradas e estávamos mesmo a chegar à meta.

Vamos a ela! Créditos Organização.
Já ouvíamos o speaker e o ambiente de festa. Havia muita gente das restantes distâncias que terminaram e que ainda ali estavam a apoiar, e aguardar muitos que ainda não tinham terminado.
No final da descida já se via alguns aplausos, e na zona de meta era um festival. Ainda consegui ver os meus pais, mas não estava do lado deles, teria que fazer um pequeno desvio para mais 14 quilómetros. No ano passado terminei ali, daqui para a frente seria o desconhecimento e a capacidade de ser resiliente.
Aproveito o abastecimento para me recompor, e demoro um pouco mais. Estava bem, e estava confiante, brincávamos com a voluntária que a prova iria começar agora, por não conhecermos o restante percurso.

Primeira passagem pela meta. Créditos na foto
Afastávamo-nos da zona da meta, enquanto dizíamos um até já, essa fica para mais daqui a um bocado.
Iniciamos em campo aberto, onde várias vezes caminhei aquando da visita à feira medieval, o som da música e de toda aquela calorosa recepção ficava para trás, e à medida que entravamos no meio das árvores o som ia ficando para trás. Entramos logo em single tracks, piso muito enlameado. A juntar a isto tínhamos um sobe e desce constante. Tinha as pernas frescas e boas para correr, só não sabia de que forma iria conseguir gerir aquela montanha russa. Se caminhar nas subidas vou andar num para e arranca desgraçado, se correr pode correr bem, como correr mal.
Acabei por não pensar muito nisso, e seguir o caminho como me desse mais jeito, e conforme me sentia.

Ainda mantinha a corrida, abrandava um pouco nas subidas, quando se metia plano era mais técnico. Tinha algumas semelhanças com vários caminhos que já havíamos feito, só que desta vez tínhamos mais quilómetros em cima das pernas.
O ritmo era tão bom, que íamos ultrapassando vários atletas, que começavam a mostrar dificuldades. Aos poucos isolamo-nos, sem ninguém à vista à nossa frente como para trás, apenas víamos gente dos abastecimentos e os figurantes vestidos à época nos saudavam e animavam.

Eram 36 quilómetros, algumas horas depois de termos saído daquela praia fluvial gélida, e as pernas começaram a queixar-se. Recordo-me particularmente, porque ainda tinha alguma sanidade mental para antever o que me esperava. As pernas estavam a começar a ficar duras e pesadas, já não conseguia retomar a corrida como havia feito por diversas vezes.
A energia que reavia sempre que saía de um abastecimento já não estava a dar, receava cãibras, enquanto reconhecia e comentava com o Fábio que não estava preparado para aquela ultra. Os treinos não tinham sido suficientes, nada que já não soubesse, apenas não quis pensar muito nisso. Riamo-nos o que era bom sinal naquele momento. Enquanto pude ainda corria, mais a descer do que em terreno plano, e as subidas, essas já não davam. Tentava, mas não queria rebentar por completo, e aos 38 quilómetros decidi abrandar por completo, e aguardar pelo abastecimento. Estava a poucos metros de lá chegar, quando sinto o estômago algo frágil, e comecei a antever o que poderia fazer.


Créditos Organização

Enchi os flasks, que dariam até à meta, e peguei em algumas coisas mais suaves do abastecimento enquanto vou cumprimentando mais um grupo de voluntários bastante prestáveis. Revejo o gráfico através do dorsal e vejo que teremos uma última subida, nada de muito grave em condições normais, mas como estavam as pernas não daria.
A saída do abastecimento também não facilitou, com alguns saltos, descidas mais técnicas, estava a triturar as pernas. Entravamos em trilhos que só apetecia rolar, e tentava, mas não estava a dar, não enquanto as pernas estiverem pesadas, e o estômago não deixar entrar comida razoavelmente. Já me encontrava a meio da subida, quando começo a sentir-me mais confortável para ingerir alguma coisa, e com algumas coisas que levo na mochila vou tentando a minha sorte aos poucos. Aguardo uns minutos e começo a ter uns ligeiros sintomas de melhoria, enquanto retomo a corrida e explico ao Fábio que já estou a sentir-me melhor, se tudo correr bem já vamos correr. Mais uns risos, e cerca de 20 metros depois paro, estava mesmo a terminar aquele último cume, mas foi tudo falso alarme.

As descidas eram o único refúgio às pernas já perras, sinto-as mais soltas e deixo ir. Abrando quando me tento rever a subir por uma escadaria improvisada em paletes, dali não poderia sair coisa boa. A boa disposição ainda reinava na cabeça, e na brincadeira com os voluntários que se ofereciam para ajudar a subir, começo a correr. Fico algo espantado como consegui fazer sem problemas, tento uma vez mais, e desta vez engatou. Estava novamente com pernas mais ou menos soltas, mas passiveis de rolar.

Teria que subir o castelo novamente, algo mais lento que na primeira passagem, mas já só pensava que ia fazer pela segunda vez a descida até à meta. Não penso duas vezes e desligo-me novamente do massacre das pernas enquanto tento apanhar o Fábio que segue poucos metros à minha frente. Começamos a ver o piso verde ao fundo, o que significa que a ultra estava terminada. Mais uns passos de corrida, e era só atravessar a meta.

Outra vez? Créditos na foto
Aí estava, 5:24h depois terminava a minha primeira ultra maratona.
Uma ultra, pequena em distância, mas grande em muitas outras coisas. Começaram mal há dois anos atrás, reconheceram e melhoraram, o que não é para todos. Existe ainda muita coisa a ser melhorada, mas a base está lá, e têm conhecimentos para isso, basta quererem.

Um pouco de esforço, mas está lá. Créditos Organização
Finalmente ultra-maratonista (pequeno ainda).


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