terça-feira, 8 de outubro de 2019

Vadia Skyrace - Uma vadiagem

Um regresso após dois meses de maus e poucos treinos, é sempre estranho.
Pensar que ainda conseguimos fazer aquilo que fazíamos tão bem, até à bem pouco tempo, e quando caímos na realidade tudo se modifica.
De facto, foi isso mesmo que me aconteceu, meia dúzia de treinos, foram os suficientes para tornar de forma clara que a inscrição nos 23 KM da Vadia Skyrace, seria um tiro ao lado, e uma valente tortura para mim. Uma pequena lesão junto à data, foi o suficiente para conversar com a organização para alterar a distância, para os 15KM, e aí sim poderia ter alguma chance de fazer alguma coisa em condições.

Foto da organização

Parece que já não sabia como era ir para uma prova, o longo tempo sem estar atrás da linha da partida, fez esquecer qual era a sensação. Na verdade, 2 meses não é muito tempo, mas pareceu uma eternidade.
A lesão que tinha contraído, não dava sinais de vida, mas não queria ter recaídas, daí ter optado por aquecer bem antes do tiro de partida, e chegar a tempo de me posicionar bem para o tiro de partida.
A prova percorria muitos trilhos por onde treino, na serra de Lordelo, que não sendo propriamente bonita ou com paisagens de encher o olho, consegue ter caminhos duros e implacáveis. Não tem muita altitude, mas quando se mete uma subida e/ou descida, é vertiginosa.

Em Ossela, colada a uma das encostas da serra, dava-se os primeiros passos de corrida. Foram 1000 metros, de extensão a descer até deixar a estrada para trás. Conhecia perfeitamente aqueles trilhos e o que iríamos fazer em grande maioria, e sabendo que não tinha grandes treinos, e saído de uma lesão no joelho não poderia abusar logo ali como o faria em circunstâncias normais.
Ainda assim, queria evitar a confusão em trilhos, daí ter forçado mais quando entramos numa levada e depois então em campos, paralelamente ao rio Caima.

Seguia-se uma das zonas que mais me faz confusão atravessar, devido à irregularidade do terreno.
Mesmo junto ao rio, pedras aguçadas e escorregadias misturadas entre si, eram um martírio e preocupação, nem mesmo a minha cautela e paciência evitaram de uma possível lesão bem grave ali, quando o meu pé escorrega por entre uma das pedras. Felizmente foi só um susto. Foi um quilómetro de inúmeras oportunidades de quedas, até finalmente atravessar o rio. E aí sim, ia começar a prova, no que a subidas e descidas diz respeito.
Foram somente 100 metros de desnível, mas com inclinações por vezes superiores a 30%, havia perdido algum tempo junto ao rio, mas não era ali que também o ia recuperar, seguia a caminhar da melhor forma que conseguia e com maior rapidez que podia, a tentar apanhar o atleta da frente. Atrás não via, nem ouvia ninguém, não me preocupava, apenas em conseguir não distanciar do da frente, e tentar então o apanhar.

Conhecia perfeitamente a zona e sabia que as verdadeiras subidas estavam ali perto, prestes a começar. Bastou atravessar um pequeno túnel, e ali estava a serra de Lordelo. Teríamos que subir até um dos cumes, onde ganharíamos 200 metros de desnível, em 1 KM de distância.
O terreno era o típico daquela serra, pedra solta em tudo quanto é lado, raízes das árvores, terreno incerto e escorregadio.
Foi ali com cerca de 6 quilómetros, que começo a passar os últimos dos 25 KM, que eram acompanhados pela Sãozita que fazia de vassoura, e me indicava que estava entre os 10 primeiros. Estava com um ritmo certo, sem grandes abusos, mas achei estranho estar tão bem classificado, no entanto aquele seria o ritmo até algo em contrário.
Fiz a restante subida a pensar nisso, e que se mantivesse aquela posição poderia ter pelo menos hipótese de conquistar o troféu de equipa, já que o Fábio e João Paulo já estavam bem na frente.

A ver vamos, pensei. Não dava para descansar, atingindo o topo, metia-se imediatamente uma descida, que conseguem ser tão ou mais massacrantes. Pode-se descrever como um escorrega, a terra é solta, com pedras cravadas ao solo, da melhor forma desci, mas sem querer atingir o joelho, o que inconscientemente me fazia travar e causar mais impacto, foi ali que perdi o contacto com o atleta que me precedia, mas que recuperava assim que entrava na subida das subidas, a “Subida da Vadia”.
São sensivelmente 500 a 600 metros de distância, onde adicionamos quase 200 metros de desnível, com a maioria de percentagem de inclinação a rondar os 30 a 40 %.
Aquela zona, é de rebentar, pernas e pulmões, até chegar ao ponto mais alto da serra, realçando os quadríceps e gémeos. Completamente exposta ao sol e com o fim à vista, perfeita para nos rebentar fisicamente, e triturar psicologicamente.

Mesmo no cume. Foto da organização

Todo aquele esforço parecia em vão assim que conquistava algo, uns 20 metros de corrida no topo e já estávamos a descer. A melhor vista que se tem durante todo o percurso não é possível de ser captada, não para mim que estava a tentar conquistar um troféu para a equipa.
Logo após a pior subida do percurso, mete-se a pior descida, no já típico terreno, mas ainda mais irregular.
Estava com 8 quilómetros, quando chegamos a Lordelo, freguesia de Vale de Cambra, cravada mesmo na encosta da serra, e onde havia o posto de abastecimento. Parei por uns minutos, suficientes para ser ultrapassado novamente pelo atleta que acabava de deixar para trás.
Safava-me nas subidas, somente ali era onde estava a ver melhores resultados comparando com os restantes.
Foi a subida mais acessível, não deixando de ser técnica o suficiente para derreter pernas, mas talvez devido ao reforço estivesse mais fresco naquele momento, conseguindo recuperar novamente o lugar que havia conquistado há pouco.

O trajecto era regular, “sobe” – “não se descansa” – “desce” – “não se descansa”, e assim sucessivamente. A descida da trialeira, e a subida do trilho do castor, faziam jus ao que ali se passava e naquilo que a prova realmente era, um sobe e desce repentino e constante, sem que as subidas ou descidas sejam muito prolongadas, mas sempre bastante inclinadas.
A travessia da serra de Lordelo estava feita, agora havia um pequeno monte, uma pequena serra, que era separada da anterior apenas por uma estrada, denominada pela Sra. da Graça, ou miradouro das sete cidades.
Era mais uma daquelas subidas agrestes, curtas, mas inclinadas e de triturar pernas.
Restava poucas forças, e só com alguma ajuda é que conseguia manter o ritmo, um gel, lembrei-me.
Não foi o que me salvou, de todo, talvez tenha dado alguma energia, mas não a que queria, não fosse a indisposição que me causou enquanto o mando abaixo.

Foto organização

Ultrapasso mais um atleta, enquanto sou ultrapassado, por um outro. Não queria saber, era fundamental para mim não entrar em exageros naquela fase, sabia que ainda tinha que voltar para trás, apesar dos 4 a 5 KM finais serem mais acessíveis.
Foi dura de roer, mas consegui assim que atingi o topo comecei a correr ainda que a trote, por um dos caminhos da “Descida dos 4 caminhos”.
Não havia hipóteses, não havia descanso, e já imaginava o que se seguia, mais uma curta e inclinadíssima escalada, e ali estava ela.
Por momentos ainda focava no atleta da frente para recuperar aquele lugar, mas aos poucos acabei por o perder de vista, ele lá seguiu e eu ali ia ficando, agarrado às pernas e a tentar recuperar alguma caixa.

Atingir o cume era a maior vitória, só não sabia que descida me esperava.
Não é nada demais, assim o pensei logo que a transponho, alguma pedra solta, mas nada comparado com a lavagem que até ali levei nas pernas.
Esse seria mesmo o problema, o massacre que já levava em cada um daqueles troncos que me sustentavam foram o suficiente para não conseguir descer como queria, o joelho manifestava-se a cada passada que dava, passando para uma corrida mais defensiva, abrandando para não estragar mais. Acabava por ser uma vez mais ultrapassado, enquanto pedia subidas, que já não apareciam, ou pelo menos um piso mole e rolante.

De alguma forma o pedido foi atendido logo após entrar num trilho junto ao rio, onde se podia correr, ali sentia confortável, e sem sacrifícios. Pelo menos até ver que teríamos que transpor um pequeno riacho, envolvido em pedras. Não houve descanso durante todo o caminho, não ia ser ali que o iríamos ter. O joelho preocupava-me, e só calculando cada passo seria a melhor chance de não estragar tudo a tão pouco do fim.
Aqueles dois lugares ganhos, tinham sido perdidos, mas iria lutar até ao final para não perder mais nenhum. Faltava pouco, 1 quilómetro, indicava uma das placas da organização, e quando aumentei repentinamente o ritmo até à Vadia, local da meta.

Ainda tive boa cara para terminar. Foto da organização

Deu para chegar em 9º lugar, e arrecadar o 1º lugar de equipas, em conjunto com outros dois amigos que haviam chegado à frente. A prova, como o tanto frisei, não deu descanso, foi sem dó nem piedade que nos foi triturando fisicamente, numa serra que de bonita não tem nada, mas que consegue ser severa. A organização encarregou-se de mostrar isso mesmo, o que se pode fazer de bem com tão pouco.

Pódio composto por equipas de Vale de Cambra. Foto da organização


Vale Correr em força.

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