sexta-feira, 9 de fevereiro de 2018

Trail de Manhouce

Serra da Freita, minha vizinha, onde nasceu o trail em Portugal e onde ainda se pratica, e pode vir a praticar bom trail. Muito associada à famosa prova UTSF, acabamos por não associar a outras provas que lá também se realizam. Penso que podiam realizar diversas provas nesta serra que seriam sempre surpreendentes.

Uma delas foi o Trail de Manhouce. Não conhecia a localidade, muito menos a prova. Apenas em conversa com outros amantes dos trilhos é que me falaram, e vi que seria a primeira oportunidade de correr na Freita. Muito já tinha ouvido e lido sobre correr nesta serra. É muito enganadora, no momento que se pensa que está tudo controlado, consegue virar qualquer um do avesso.





Manhouce, uma pequena aldeia já do outro lado da serra, seria uma viagem ainda um pouco longa. Obrigado a levantar um pouco mais cedo e a arrancar de maneira a chegar sem atrasos.
Havia 2 distâncias anunciadas para além da caminhada, no entanto sendo uma prova não muito conhecida na totalidade rondava os 100 atletas.
Arranque marcado para as 9h, o que acabou por atrasar devido a um breve briefing inicial que me trouxe a primeira grande lapada.

Ora como já falei acima, já tinha ouvido e lido vários relatos de provas na freita. O que mais me tinha chamado à atenção foi o facto de haver um percurso que era bastante complicado ao qual chamavam “Besta”. Se já não chegava referirem que a besta era complicada, que foram devorados pela besta, que a besta os derrotou, … Tinham mesmo que dar o nome de “Besta” à “Besta”? (perceberam?)
Voltando à grande lapada, foi quando anunciaram que os 24KM, prova que a minha pessoa iria percorrer, iriam passar na “Besta”. Agora digam-me se não é de ficar já derrotado sem sequer começar a dar os primeiros passos de corrida!



Bem, esquece lá isso, quando lá chegares fazes à tua maneira. Por acaso era um local que queria passar, mas não naquele dia, não me sentia pronto para tal.
Arranque feito numa ponte antiga romana, e vamos lá subir a Freita.
Para animar um pouco, tínhamos cerca de 5 quilómetros a subir, que seria até ao topo da serra. Após algumas passagens por estrada e terra batida e uma pequena aldeia, finalmente pisamos a vegetação característica desta zona. A céu aberto com algum calor à mistura, apenas com vegetação rastejante subi hidratando bem, e sempre evitando esforçar. Consegui minimizar o esforço que em companhia e entre gargalhadas segui até ao topo.
Subida feita e mudamos de cenário. Num estradão largo que acompanha as turbinas eólicas, o calor mantém-se do nosso lado e traz um companheiro chamado vento.

A caminho do topo!
O topo
Ao KM 6 temos o 1º abastecimento e único de certa maneira. Estavam previstos 2 abastecimentos, sendo que era o mesmo, pois voltaríamos a passar no mesmo local vindo de outra direcção. No entanto o abastecimento, pareceu-me um pouco fraco, tendo apenas os mínimos do básico. Como me sentia bem, apenas parei para comer alguma coisa, encher um pouco as garrafas e seguir.
Seguimos em frente, e o vento manteve-se forte, mas acabou por saber bem, devido à temperatura.
Já um pouco saturado daquele estradão, eis que finalmente seguimos por uma descida encosta abaixo um pouco acidentada. Pode-se dizer que bastante perigosa. Muita pedra solta e escorregadia, pequenos traçados de água finalizando em lençóis, e algumas ervas que facilitavam uma valente queda. Comecei com força, mas mal vi que podia facilmente cair, optei por abrandar, afinal queria chegar ao final. Mais à frente o terreno melhorou bastante, e tivemos oportunidade para apreciar um rio que se encontrava alguns metros mais abaixo da nossa descida.

Final da descida começa o plano, mas bastante rolante, passando por um pequeno lago, onde a passagem era feita aos saltos por cima de enormes pedras como se uma ponte fosse.
Dobrada a serra, e por uma levada, um pouco tapada pelas ervas, prosseguimos, onde muitos optavam por seguir dentro da mesma, enquanto outros iam saltitando de lado para lado.
Adorei este local, devido ao cenário que nos rodeava. De um lado tínhamos um plano em que apenas víamos verdura e a passagem da estrada, enquanto do outro tínhamos uma enorme serra que nos faz lembrar o quão pequenos somos. Era como estar no fundo de um desfiladeiro, e olhando para cima víamos o topo. Para agradar mais a vista, atrás de nós, à medida que avançávamos vislumbramos a união de duas serras, formando um “V” perfeito”.

Improvisação da ponte!
Aos poucos fomos afastando da levada até chegarmos a estrada e descermos brutalmente até à aldeia Póvoa das Leiras, constituída com casas em pedra. Aldeia percorrida e chegamos a uma entrada onde achei estranho verificar que havia imensa gente. Abaixo vejo um autocarro, talvez seja uma excursão. Quando de repente fazem um corredor e começam a aplaudir e a dar o incentivo extra que tanto gostamos. Devido à passagem que fizeram, não me apercebi, mas tínhamos entrado num PR que ligava Póvoa das Leiras a Candal.
Um caminho bastante interessante e que me deu algum gozo.


Uma das coisas que geri bem inicialmente era a água e cuidados para não abusar muito nas descidas. No entanto nestes últimos quilómetros devido às distracções das paisagens, rápidas mudanças de cenários e “gozo” que me estava a proporcionar, desleixei um bocado tanto na hidratação como no esforço tendo em conta o que ainda tinha para fazer (“Besta” lembram-se?). Chegado a Candal tínhamos uma subida com bastante declive até a um estradão bem largo que nos levaria à entrada da famosa “Besta”.

Entrada na Besta

Pequena ilustração da "Besta"
A “besta” para quem não sabe é nada mais nada menos que uma subida com cerca de 1000 metros de extensão. Até aqui tudo bem, para quem fez 5000 metros a subir, 1 quilometro não é nada demais. O problema desta subida e de terem chamado o nome que lhe chamam tem a ver com o tipo de terreno que o subimos, ou melhor, gatinhamos. Desde enormes pedras posicionadas entre elas que mais parece efeitos de uma derrocada, com algumas plantas e arvoredo que sobem entre elas, e água que desce desde o alto até ao fundo.
Se inicialmente as pedras são secas e um pouco soltas, mais acima ficam mais fixas, mas bem mais escorregadias. Um passo em falso e temos o caldo entornado. Aos poucos fui subindo o que para mim estava a ser um sacrifício. Roguei várias pragas e chamei vários nomes à “Besta”. Vejam lá que tipos de insultos fiz, tendo aquela extensão um nome daqueles.
Nunca demorei tanto a fazer 1 KM, a água já tinha terminado e o corpo não estava a reagir nada bem àquele acumular. Se até ali tinha tudo corrido na perfeição, o caldo entornou por completo. As pernas começaram a queixar-se e não tinha nada comigo para poder alimentar ou beber.

Besta feita. Yuuupiii!


Nabice minha, talvez por pouca experiência, mas não soube gerir aquela subida. Ainda tive a oportunidade de beber pelo riacho que pelas pedras percorria, como tantos o faziam, mas não, não era necessário, afinal já estou a chegar ao topo, ou pensava eu que sim. 
Finalmente no cimo, o meu pensamento foi de que o pior já estava feito. De facto, a pior subida estava feita, mas ainda tinha uma descida enorme até ao final.
Penso que um dos erros da organização foi não ter referido a passagem por este percurso, antecipadamente. Certamente a minha decisão seria ir para outra distância, ou talvez uma preparação diferente mesmo em termos de suplementos. Dos poucos géis que levei, em vez de ter tomado mal iniciei a subida (mais uma burrice minha), tomei apenas no final, e que a partir daí não teria mais nenhum.

Nova passagem pelo abastecimento e encho os bidões de água para finalmente beber. Coisa que já devia ter feito antes, mas que já era tarde demais. A mesa já parece estar um pouco abandalhada, e fico um pouco reticente neste aspecto, que houve grande desleixo a meu ver.
Volto a correr, ou tentar fazer algo semelhante. Por um trajecto que pessoalmente não gosto. Tipo de terreno escorregadio com bastante pedra solta e buracos, fácil para fazer uma entorse. Era a descer, e pensei que aqui conseguisse recuperar fôlego e ao beber com maior frequência conseguia melhorar. Mas não estava a conseguir. 
Houve a necessidade de parar e caminhar. As pernas não estavam a reagir da melhor forma e estava a sentir os músculos presos. Bebendo água melhorava, mas ao iniciar a corrida a situação piorava.

Descida louca!
Descida a serra, poucos quilómetros faltavam, mas já não dava para mais. Sentia cada vez mais os músculos presos, e inicio de cãibras. Repetidamente dizia “Raios parta a besta”, mas já não valia de nada. Quando pensei que tudo tinha corrido da melhor forma, a freita mostrou que não era desta forma que tinha que a abordar, e deu-me uma lição que nunca tinha levado antes.
Já não havia remédio que me tirasse aquele incomodo todo, apenas o final e a meta, poderiam abrandar aquelas dores. Após a longa descida, seguimos novamente pela última aldeia, e finalmente a prometida meta que ansiava alguns quilómetros atrás. Atravessada a meta, os músculos orgulharam-se tanto de mim, que fizeram uma vénia, caíndo por completo.

Caminho da meta!
Esquecendo um pouco o empeno que arrecadei, e pensando bem naquilo que foi a prova, gostei num modo geral. Tem trilhos técnicos e bastante desafiantes, e ao mesmo tempo paisagens de arregalar os olhos. A “Besta”, tenho a dizer que sim é um percurso algo complicado, mas possível de ser feito com boa gestão e com calma.
Um dos pontos fracos para mim nesta prova foi o abastecimento, tanto durante a prova como no final, e saliento o final por falta dele. Este último ponto é opinião pessoal, e a meu ver houve falha de comunicação pelo menos relativamente aos locais de passagem no momento da inscrição. Pelo simples facto que a "besta", é algo que exige muito de nós, e que nem todos podem estar preparados. De resto, marcações bem visíveis, e existia pessoal espalhado ao longo de toda a prova para ajudar, mesmo em locais mais perigosos. Uma prova bastante desafiante e com bastante potencial para crescer, se assim o pretenderem. 

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