quinta-feira, 13 de dezembro de 2018

Maratona do Porto - A conquista


Ainda tenho tudo tão vivo dentro da minha cabeça da primeira vez que participei na Maratona do Porto.
Logo após a finalizar, não restava dúvidas, teria que a repetir. E repeti.
Tinha que ser diferente, algo que ainda não tinha testado nas duas maratonas que fiz. Queria tentar fazer o mínimo tempo possível, bater o meu recorde, o que vendo bem os tempos anteriores, não era difícil.
A primeira maratona serviu um pouco para perceber como era o impacto, e de que maneira reagia à distância.
A segunda, apesar de inicialmente também querer baixar o meu tempo, acabei por abdicar desse propósito para ajudar o meu primo a terminar.
Desta vez seria eu e o cronómetro, a apontar entre as 3h30 e 3h45. Era esse o meu foco, tendo como base a preparação que fiz.

Além de mim, juntaram-se mais 3 amigos da equipa (Vale dos Duros). Para eles a estreia na distância, e empolgados pela prova que era. Estávamos animados e com consciência do que teríamos que fazer para tentar chegar ao final.

A equipa Vale dos Duros
O tempo que se previa para aquela manhã, era a última coisa que queria, mas não facilitou. Não que não goste de correr à chuva, mas sabia que iria afastar muita gente das ruas, e esse é a nossa principal fonte de energia e o motivo pela qual esta prova se torna tão diferente das outras. Por outro lado, o tempo fresco, faz com que a corrida “pareça” mais fácil, não tendo o calor do sol sempre a insistir em aquecer.
Com ou sem chuva, iria lá estar atrás do pórtico da partida. Cheguei quase em cima da hora, mas não deu para melhor. O estacionamento distante da partida, fez com que o percurso do carro até à partida fosse já um aquecimento. Ainda não chovia, mas o tempo estava fresco, e assim foi a maneira de não sentir aquela brisa matinal de Outono.

Conseguimos posicionar o melhor possível nos blocos de partida. Sabíamos à partida que não iria ser como pretendíamos, mas para a distância que é, temos mais que tempo para recuperar tempo.

Partida - Créditos Organização


Quilómetro 0 a 12

Aquela ansiedade para arrancar ainda não se tinha manifestado, mas pouco antes de partir e de se dar inicio aos 42 quilómetros, ali estava aquele “nervosinho” miúdo, que acaba por desaparecer assim que se atravessa o pórtico. A chuva, essa apareceu poucos minutos depois da partida, por vezes apenas em pequenas gotas, outras, mais intensas.
Era impossível, não dava de maneira nenhuma colocar um ritmo certo, não se consegue avançar sem ter que abrandar ou mesmo parar, devido à imensidão do pelotão.
Quando a estrada alargava, ou se descia, era mais fácil de impor algum ritmo mais rápido, mas não durava muito. A ida ao porto de Leixões foi mais um dos casos de congestionamento, não que me importasse, por saber que ainda tinha muito tempo para recuperar algum tempo perdido, apenas porque não conseguia colocar um ritmo certo.
Nova passagem pelo local de partida, e há a separação da prova dos 15 quilómetros, que ajuda a fluir um pouco mais.

A chegar aos 12 KM - Créditos Organização
Quilómetro 12 ao 21

E começou. Nesta maratona, o quilómetro 12 é onde se inicia verdadeiramente a maratona do Porto. Vejamos, é quando nos separamos da prova de 15KM, quando o apoio externo está mais disperso, deixamos de cruzar pelo menos nesta fase inicial com os restantes participantes devido aos retornos, vamos ter a parte mais bonita do percurso, e temos um longo trajecto pela frente para ali voltar no final de tudo.
Segui desde o tiro de partida com o Fábio. Já corremos algum tempo juntos para perceber qual o ritmo ideal e que sabíamos que iríamos aguentar. Ele conseguia mais, mas como era a primeira maratona deixou-se ficar mais resguardado para perceber até onde pode ir.
Trocávamos de posições constantemente, ora ele a puxar, ora eu puxava, sem grandes oscilações de ritmos nem grandes desgastes. Chegávamos ao quilómetro 19 e os primeiros já voltavam em direcção à meta, brincávamos com a situação.
Fomos ultrapassando muita gente, alguns conhecidos, que aproveitávamos para cumprimentar, outros que não conhecíamos, mas que por vezes em tom de brincadeira davam o apoio.
É aqui também, no quilómetro 20, que se mostra realmente o valor desta prova, com a Ribeira cheia de gente, e a subida para o tabuleiro inferior da Ponte D. Luís repleta de gente. Mesmo na chuva, ali estavam eles a bater palmas, e a gritar por nós, sem lhes pedirmos nada, mas que sabe bem, isso sabe.

Quilómetro 21 ao 30

Estava ultrapassada a meia maratona, e as coisas estavam a fluir bem. Não havia preocupações com ritmos, pois estávamos bem enquadrados, não havia fadiga, apenas as dores normais de quem já leva alguns quilómetros nas pernas.
Não tenho nada contra Gaia, nem nada que se pareça, mas esta travessia da ponte para o lado de Gaia é um pouco de massacre psicológico. Temos que concordar que os retornos são o calcanhar de aquiles de qualquer prova, não que aleijem, mas que dá uma dor no psicológico isso dá.
Novamente a chuva começa a cair, umas vezes mais forte, outras mais tímida, o que ajudava a manter as pernas frescas, e o corpo não ficava tão quente.
Os paralelos, afastavam muitos para os passeios, desta vez não quis segui-los como o fiz no ano passado. Mantive-me pelo caminho original, com o sofrimento que o real percurso nos dará até ao final.
Ia-me distraindo a ver quem passava, a multidão que ainda ali vinha era imensa, e era uma boa maneira de abstrair da corrida.

Chegava novamente à ponte Dom Luís, e o ambiente de festa mantinha-se debaixo da chuva e vento. Era no meio deles que as palmas, marcavam o nosso ritmo, foram fantásticos.
Era o regresso ao Porto, e a viragem em direcção à ponte do Freixo, para a fase que para mim, é a mais dolorosa psicologicamente. O forte vento e a chuva, finalmente atenuavam, e ali estava a placa dos 30 quilómetros.

A entrar nos 30 KM - Créditos Organização
Quilómetro 30 ao 40

A indicação dos 30 quilómetros tem a meu ver um ponto de viragem grande na maratona. Talvez por na minha cabeça estar a hipótese do famoso muro dos 30 quilómetros que os entendidos afirmam existir, e que já o senti.
Talvez por a minha preparação, não ter sido a melhor para aguentar os 42 quilómetros.
Ora mesmo estando fisicamente preparado, o que era uma incógnita, e psicologicamente preparado e capaz para concluir a prova, estava sempre de pé atrás para a mínima possibilidade de virar tudo ao contrário.
Comentava com o Fábio que a partir dali muita coisa poderia acontecer, ao mesmo tempo que me distraia a ver ainda quem nos precedia. Era assim que nos abstraiamos, mesmo com já tantos quilómetros inseridos nas pernas.

Não descuidei nenhum ponto de abastecimento, tentei sempre hidratar e alimentar com qualquer coisa para dar alguma energia, e conforto ao estômago.
Era a última passagem mesmo junto à ponte, e mesmo pelo meio de toda aquela gente fantástica que fizeram questão de ali estar.
O túnel era também palco de espectáculo, com imagens do recente recorde da maratona, e o barulho de algumas pessoas que se protegiam da chuva, mas continuavam a dar-nos ânimo.
Estava convicto que as coisas estavam a correr na perfeição. E estavam, as pernas ainda estavam soltas, na minha cabeça já imaginava o cruzar da meta com novo recorde pessoal, estava tudo a correr bem.
Era o regresso onde tudo começou, e pelo mesmo caminho que já havia percorrido. A grande vantagem era ser tudo bem mais plano, e ter algumas descidas.
O ritmo automaticamente aumentou, a cadência estava mais forte, e isso notava-se bem nas inúmeras ultrapassagens que estávamos a fazer. De vez em quando olhava para o relógio, e comentava com o Fábio os ritmos que íamos, eram ritmos improváveis para aquela altura, mas estávamos a sentir bem e ainda havia pernas para isso.
O terreno aplanou, os ritmos baixaram ligeiramente, continuávamos certinhos, e nem a chuva, essa que voltara para nos acompanhar mais um bocado, nos abrandava.
Chegava à subida em que virávamos as costas à foz do Douro, novamente alguns paralelos, que dificultavam e massacravam mais os pés.

Só nos restava a longa marginal, e estaríamos finalmente junto à meta, onde qualquer dor é insignificante. Contudo, ainda faltava até lá chegar, e as coisas quiseram começar a mudar de rumo. Estava a precisar de atingir os 40 quilómetros para chegar ao abastecimento. Necessitava de água, e de comer alguma coisa, mínima que fosse. As pernas já não estavam soltas, ficavam pesadas e presas, na minha cabeça já pairava a ideia de começar a caminhar, tudo a indicar o início da quebra. Não queria morrer na praia, queria terminar a prova sem paragens, tinha que aguentar aquele sofrimento, e chegar ao abastecimento, já faltava pouco.

Quilómetro 40 ao 42

O forte vento não ajudava, e assim que vejo o abastecimento, logo após a placa dos 40, pensava que já me havia safado.
Peguei numa água e banana, e aqui vamos nós. Psicologicamente estava recuperado assim que peguei no meu kit de sobrevivência, e já conseguia ver a rotunda do Castelo do Queijo, onde chegava aos 41 quilómetros.
O ritmo voltou, estava recuperado de uma curta quebra que me estava a querer deixar arrumado. Aqui não há maneira de distrair, não há ninguém que venha em sentido contrário, pouca gente na rua a apoiar, pelo temporal que teimava em não parar, e os olhos estavam postos já na meta. Vou comentando com o Fábio que estivemos muito bem, soubemos gerir, e não entramos em excentricidades, e o resultado estava à vista, resumindo, foi uma prova praticamente perfeita. O tempo que previa fazer estava dentro daquilo que pretendia, agora era só deixar andar até ao final da prova.

A chegada - Créditos na foto
Atravessava a rotunda, e já se começava a ouvir o som da meta, estava feito. Foi ali que finalmente consegui ter a certeza que iria terminar, foi ali que realmente reflecti que tudo tinha corrido bem, e que agora era uma questão de minutos.
Uma última passagem pela rotunda da Anémona, e subir até ao queimódromo, era relativamente fácil, tirando a subida. Só mesmo aquelas últimas palmas que entoavam em nosso redor é que ajudava a não parar na subida. Chegávamos ao final, eu e o Fábio de sorriso rasgado.

Não havia melhor desfecho que este, uma prova de companheirismo e superação.
O que mais me atraiu para voltar aqui, foi as pessoas que apoiam, que fazem a festa por nós, e que transformam as dores em apenas pequenas pisaduras. Mesmo com o tempo feio que esteve, houve um grande apoio, talvez menos do que me recordo do ano anterior, mas dadas as circunstâncias é compreensível. De resto, vejo um maior empenho na organização para continuar a melhorar, com uma falha grave no final, e uma um pouco menos grave. A primeira, que não me afectou, foi do bengaleiro, com uma total desorganização colocando as pessoas à espera dos seus pertences algumas horas, ao frio e à chuva. As condições adversas, contribuíram para esta falha, felizmente houve reconhecimento por parte da organização do problema, que prometem rectificar já na próxima edição.
Outra falha, foi a entrega de uns sacos para protecção e frio da chuva antes do início da prova. No final da prova a deslocação para o carro por muitos atletas era feito a pé, podendo demorar vários minutos sendo percorridos totalmente à chuva e ao vento. Na minha opinião e dadas as circunstâncias, seria mais vantajoso terem entregue no final, de forma a proteger o atleta num momento mais frágil devido a todo o desgaste. No meu caso receei entrar em hipotermia enquanto voltava ao carro para poder trocar de roupa e conseguir aquecer.

Nem tudo foi mau, com três estreias na distância, com expressões do género – “Irei voltar.” – e o meu novo recorde na distância.
2019, Maratona do Porto, contem comigo.

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